Intimidação e assédio sexual no setor jurídico na América Latina

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Pesquisa da International Bar Association revela que 45,2% das advogadas brasileiras e e 21,4% dos homens entrevistados relatam algum tipo de constrangimento
Fecha de publicación: 06/03/2020

"Os homens no trabalho são 'abertamente feministas', mas seus comportamentos refletem pouco respeito pelas mulheres, tanto em questões sexuais, com comentários impróprios sobre o corpo das mulheres, quanto em termos profissionais, com comentários do tipo 'reclama porque ela é mulher' e 'ficou com raiva porque está em seus dias '”.

"Eu era estagiária de um tribunal. Um dia, o juiz tentou me beijar em seu escritório. Durante muito tempo, me culpei, tentando descobrir como havia permitido que isso acontecesse."

O primeiro depoimento é de uma advogada do México, o segundo de uma juíza do Brasil. Esses são apenas dois dos milhares de comentários coletados pela International Bar Association (IBA), para divulgar a questão do assédio internacionalmente.

Em 2017, o IBA realizou a pesquisa mais extensa já realizada sobre intimidação e assédio sexual na profissão de advogado. Quase 7 mil profissionais jurídicos de 135 países de toda a área jurídica participaram: advogados em escritórios de advocacia, internos, integrantes do judiciário, promotores e outros advogados da administração pública.

Os resultados foram coletados em um relatório publicado pelo IBA em maio do ano passado. Os números confirmam que esses comportamentos inaceitáveis ​​estão muito presentes nos escritórios e outros lugares de trabalho do meio jurídico. Uma em cada duas entrevistadas e um em cada três entrevistados relataram ter sofrido intimidação. E uma em cada três entrevistadas e um em quatorze entrevistados relataram ter sofrido assédio sexual em seus locais de trabalho ou em um contexto de trabalho.

O relatório também mostra que esses comportamentos não são coisas do passado: 36% dos casos de intimidação e 26% de assédio sexual ocorreram nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa. Sabe-se agora que 57% dos casos de intimidação e 75% de assédio sexual nunca foram relatados.

Em relação à América Latina, o IBA recebeu respostas da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica e México. Os questionários foram distribuídos através das associações de advogados associadas ao IBA. Para que os resultados sejam sólidos, cem ou mais respostas devem ser recebidas de cada país: 15 atingiram esse limite. Entre eles, Costa Rica, com 165; Chile, com 161 e Brasil, com 129 respostas. Além disso, o relatório comenta brevemente os dados do Brasil e da Costa Rica.

No Brasil 74% dos que responderam à pesquisa eram mulheres e 26% homens: 45,2% e 21,4% dos entrevistados relataram ter sofrido intimidação e assédio sexual, respectivamente. No país existem opiniões diversas: alguns pensam que os movimentos anti-bullying prejudicam a cultura brasileira - de proximidade e informalidade que caracteriza os locais de trabalho. Outros acreditam que é necessária uma mudança, pelo menos nos escritórios. Um número expressivo, 35% dos entrevistados, indicaram que em seus locais de trabalho existe intimidação ou assédio sexual, uma porcentagem um pouco abaixo da média global.

Na Costa Rica, 65,7% dos profissionais do mundo jurídico relataram ter sofrido intimidação. Em outras palavras, quase dois terços dos entrevistados da Costa Rica sofreram intimidações, 20 pontos acima da média global da pesquisa. Outros 34,8% ​​disseram ter sofrido assédio sexual (52% mulheres e 17% homens), também bem acima da média global.

Os números são muito altos, especialmente considerando que é um país com menos de cinco milhões de habitantes. A verdade é que esses comportamentos estão recebendo crescente atenção no país, devido a acusações públicas de intimidação e assédio sexual contra várias autoridades nos últimos anos.

No Chile, 59% das mulheres pesquisadas e 25% dos homens consultados relataram ter sofrido intimidação. E 35% das mulheres e nenhum homem revelaram ter sofrido assédio sexual no local de trabalho.

Em relação à Argentina, 54% das mulheres e 11% dos homens disseram que sofreram intimidações. E 11% das mulheres e 6% dos homens foram vítimas de assédio sexual.

É difícil tirar uma conclusão que sirva para explicar os números de todos os países da América Latina. No Brasil, por exemplo, existem muitas mulheres em posições de responsabilidade em escritórios de advocacia.

No entanto, falta diversidade étnica. Em Buenos Aires, os advogados mais jovens puderam comentar, rindo, que sofrem intimidação por seus superiores todos os dias. A advocacia no Chile continua sendo uma profissão conservadora e é predominantemente dominada por homens.

Podemos afirmar que os países latino-americanos continuam sendo sociedades fundamentalmente dominadas por homens e, portanto, denunciar esses comportamentos é visto com certa estranheza.

Globalmente, os países com os mais altos níveis de bullying e assédio são o Canadá, a Austrália, a África do Sul e a Costa Rica. Nesse momento, é significativo mencionar o chamado paradoxo da percepção, que nada mais é do que levar em conta a subjetividade que caracterizou esse tipo de pesquisa.

Vamos considerar também duas outras variáveis. Por um lado, o relatório observa que as mulheres foram desproporcionalmente mais afetadas por esses comportamentos do que os homens. Por outro lado, muitas pesquisas indicam que os locais de trabalho dominados por homens são mais propensos a experimentar esses comportamentos.

Pode nos parecer estranho que um país como a Austrália (onde 61,4% tenha sofrido intimidação e 29,6% assediado) tenha maiores taxas de intimidação e assédio do que a Rússia (27,8% sofreu intimidação e 11,5 % assédio). Os números na Austrália e na Rússia refletem a realidade.

No entanto, pode acontecer que em países como a Austrália exista uma maior consciência social desses comportamentos, um maior número de locais de trabalho com políticas e treinamento implementados e uma menor desigualdade de gênero.

Isso torna as pessoas mais capazes de reconhecer esses comportamentos neles ou em seus colegas de trabalho e, portanto, se sentem capacitadas no momento da denúncia. O que para uma pessoa em um determinado país pode constituir intimidação ou assédio, pode não ser para outra.

Tudo vai depender de onde você mora e do contexto sociocultural em que opera. A percepção é subjetiva e é por isso que o elemento cultural é fundamental para entender o problema que enfrentamos.

O IBA queria divulgar os resultados dessa pesquisa preparando o relatório: Nós também? A intimidação e assédio sexual nas profissões jurídicas. Seu autor, Kieran Pender, viajou para 30 cidades, incluindo Cidade do México, Bogotá, São Paulo, Buenos Aires e Santiago do Chile.

Em colaboração com as associações de advogados, reuniu advogados, juízes, promotores e profissionais da administração pública, voltado ao mundo legal, em cada uma dessas cidades. Eles conversaram sobre esses comportamentos e chegaram a denunciar uma situação até agora escondida por alguns e negada por outros. Em junho, uma mesa redonda de especialistas será realizada em Londres, na qual o autor do relatório compartilhará seus pensamentos.

Agora temos os dados que nos permitirão parar de olhar para o outro lado. O relatório articula 10 recomendações: aumentar a conscientização; revisar ou implementar políticas e padrões; introduzir treinamento periódico adaptado aos locais de trabalho e ao contexto sociocultural; fomentar o diálogo, compartilhar boas práticas, coletar dados e aumentar a transparência; explorar modelos de reclamação mais flexíveis; envolver-se com os membros mais jovens da profissão; entenda que esses comportamentos não ocorrem isoladamente e mantém o impulso que o movimento #MeToo nos deu. Não devemos assumir que a mudança é inevitável.

As coisas certamente mudaram muito de alguns anos para cá. Devemos continuar avançando em políticas e treinamento, pois a mera existência delas aumenta a conscientização social e é precisamente essa recomendação que é provavelmente a mais convincente.

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