As lacunas da lei brasileira sobre trabalho híbrido

A cultura do home office veio para ficar após a pandemia. A legislação, no entanto, ainda tem dificuldades de acompanhar a questão/Pixabay
A cultura do home office veio para ficar após a pandemia. A legislação, no entanto, ainda tem dificuldades de acompanhar a questão/Pixabay
Questão, que precisa ser debatida, é a nova fronteira da legislação trabalhista.
Fecha de publicación: 15/03/2022

O baixo número de internados pela pandemia de Covid-19, aliado a um nível superior a 70% de vacinados, começa a trazer efeitos visíveis na vida do brasileiro, dois anos depois de a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretar o início da pandemia. Um dos principais é o retorno ao trabalho presencial, uma questão debatida entre chefes e funcionários. Nesse momento a discussão também recai sobre o home office, afinal muitas empresas vão manter o regime de trabalho híbrido.

Sobre esta última questão, no entanto, deve recair a mais nova fronteira da legislação brasileira: até o momento, o que é definido legalmente como “teletrabalho” é composto de definições abertas e genéricas. Por isso que, em 2022, lacunas na legislação como esta acabam por prejudicar empregador e empregado. 


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“Não há previsões concretas sobre questões de saúde e segurança do trabalho, reconhecimento de doenças/acidentes do trabalho, custeio de recursos como energia, telefone e equipamentos de informática, direito à desconexão, tratamento de dados, enquadramento sindical, entre outros”, explica Fabio Peres, sócio do Brotto Campelo Advogados.

A Câmara dos Deputados tem uma discussão mais adiantada para o tema do teletrabalho na sua Comissão de Trabalho. O texto de 2017, no entanto, busca revogar o trecho da CLT (Consolidação das Leis do trabalho) que fala do teletrabalho. A questão, incluída na reforma trabalhista de 2017, era criticada por parlamentares de oposição. “A ideia contida no teletrabalho é justamente a de descaracterizar a subordinação do trabalhador nesse regime de trabalho”, escreveu Marco Maia na proposta, que foi feita antes da pandemia.

No entanto, a maior pandemia em um século haveria de mudar as percepções sobre o tema. Após os milhares de casos de Covid no país, outros projetos começaram a aparecer para regulamentar a questão, já com outro enfoque. Uma proposta em tramitação na Comissão de Trabalho fala que fica a cargo do empregador fornecer toda a infraestrutura necessária para o trabalho fora do escritório. Outro quer alterar a CLT para dar aos pais de filhos de até oito anos o direito ao teletrabalho

“A pandemia exige que o Estado aja de forma mais benevolente e socorra sua população como um todo, tanto a empregada grávida como o empregador que vem sustentando prejuízo por longo tempo”, afirma o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), que tem uma proposta para permitir a empresas deduzirem os tributos federais quando uma grávida ou gestante não tiver condições de migrar ao teletrabalho.

Nenhuma das discussões ultrapassou a comissão da Câmara, o que indica que os debates ainda são menores na Câmara. No Senado, uma proposta apresentada no mês passado também oferece uma redação maior e mais completa na CLT a respeito do trabalho híbrido – mas o texto ainda não foi encaminhado às comissões de lá.

Fábio Peres lembra que esse tipo de discussão não é apenas bem-vinda no país – ela é obrigatória: como signatário de convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Brasil deve, antes de criar ou alterar leis trabalhistas, promover o diálogo entre representantes do governo, dos trabalhadores e dos empresários. 

Na sua visão, isso não acontece com o governo atual. “Parece haver uma espécie de ‘compasso de espera’ para que venha um novo governo e se debata uma lei que abranja as novas formas de trabalho, não apenas o home office e o trabalho híbrido, mas também uma proteção e regulamentação mínima aos trabalhadores de aplicativos”, diz. Um pacote mínimo de direitos aos entregadores de aplicativos na pandemia virou lei apenas em 2022.

Atrapalha também o fato de que a  jurisprudência ainda não estar consolidada sobre a matéria. “Segundo uma cartilha elaborada pela presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, ‘O trabalho híbrido mistura o trabalho realizado a distância com o trabalho realizado na empresa. Há previsão na lei para esses casos, que mantêm a característica de teletrabalho, desde que o empregado predominantemente trabalhe a distância’”, lembram Thereza Cristina Carneiro e Ianá Garcia, respectivamente sócia e associada da área trabalhista do escritório CSMV Advogados

“A menção da predominância ao trabalho à distância está nos exatos termos da lei, quando se refere ao teletrabalho e não ao regime híbrido propriamente dito”, lembram as advogadas, “que está sendo adotado por muitos empregadores como alternativa para a busca de equilíbrio entre os regimes, inclusive como ferramenta de retenção de talentos diante da flexibilidade proporcionada no regime híbrido de trabalho.”


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Ausência de controle de jornada e, por consequência, a inexistência de horas extras nessa modalidade de trabalho são outros dos temas que esta frágil jurisprudência tem abordado, aponta Paulo Roberto Fogarolli Filho, advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra. “O trabalho híbrido, também na jurisprudência, frequentemente tem sido associado ao teletrabalho”, analisa. 

No entanto, há questões a serem resolvidas mesmo neste ponto. “Há ainda algumas polêmicas sobre o seu não enquadramento no modelo quando entra em discussão o fato do empregado, no caso concreto, não estar exercendo seus serviços preponderantemente fora da empresa, que é um requisito do teletrabalho. Assim, certamente, teremos mais discussões quanto ao particular”, explica Fogarolli Filho.

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