Lei contra o desmatamento: exportações da América Latina para a Europa com mais restrições

A Europa é responsável pela destruição de 16% das florestas tropicais./ Foto: Greenpeace.
A Europa é responsável pela destruição de 16% das florestas tropicais./ Foto: Greenpeace.
Óleo de palma, cacau, café, madeira, carne bovina e soja na lista vermelha da União Europeia
Fecha de publicación: 23/05/2023

O Parlamento Europeu tem buscado fortalecer os controles para deter o desmatamento e lidar com as mudanças climáticas. Por isso, no final do ano passado, aprovou um acordo político para uma nova regulamentação que fechará o mercado do velho continente à importação de alimentos e insumos cuja produção tenha contribuído para a destruição e degradação das florestas, a fim de ampliar a área agrícola. Esse acordo foi aprovado em 19 de abril de 2023, passo definitivo para sua entrada em vigor.

"A norma visa evitar a conversão de florestas em terras para uso agrícola, seja de origem antrópica ou não", explica Manuel Frávega, sócio do escritório argentino Beccar Varela, que reconhece que a lei representa um grande desafio para qualquer produtor regional que deseja comercializar seus produtos na Europa.

Considerada uma lei pioneira em seu gênero, a Regulamento para minimizar o desmatamento e a degradação florestal causada pela UE garante que as empresas que desejam vender na Europa madeira, café, cacau, óleo de palma, soja e carne bovina e seus derivados atenderam às normas estabelecidas quanto aos espaços utilizados para seu cultivo, além de atenderem a outras normas relacionadas ao beneficiamento que compõem o universo de normas sobre sua rastreabilidade.

“O impacto será direto nas atividades com alta incidência de desmatamento, então, ações que exijam maior uso da terra, uso de recursos naturais ou outras correlatas serão afetadas, não só em alguns países, mas em todos”, diz Camila Villar, sócia especialista em questões ambientais em DLA Piper Martinez Beltran.


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Desde a raiz 

Segundo estudo apresentado pela Zero Deforestation Alliance, ONG formada pelo Greenpeace, WWF, Amigos da Terra, Ecologistas em Ação e Coordenadoria Estadual de Comércio Justo, entre outros, a Europa é a segunda maior responsável pela redução das florestas tropicais (atrás da China), acarretando a destruição de 16% de sua massa vegetal entre 1990 e 2020. Isso equivale a mais de 420 milhões de hectares, uma área maior que a própria Europa.

O desmatamento embutido foi maior nos produtos do Brasil, Indonésia, Argentina e Paraguai, uma lista que também inclui insumos colombianos e centro-americanos.

O estudo aponta ainda que, só em 2017, a Europa foi a causa da liberação para a atmosfera de 116 milhões de toneladas de dióxido de carbono, associadas à produção alimentar. Por essa razão, entre os objetivos da União Europeia (UE) está a redução de pelo menos 31,9 milhões de toneladas de CO2 todos os anos, o que se traduziria numa poupança econômica de cerca de 3.200 milhões de euros por ano.

A lei, embora já em vigor, dá um prazo de até 18 meses para que sejam atendidos os parâmetros estabelecidos para a produção dos sete bens citados, bem como de seus derivados, como couro, borracha, papel impresso, móveis, cosméticos e chocolate. Esses produtos são mencionados explicitamente na norma e espera-se que a lista se expanda de acordo com os padrões de desmatamento observados, o que foi bem recebido por ambientalistas que criticaram a norma pelo pequeno número de produtos que ela incluía.


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O que pretende a lei?

A principal exigência da lei — também muito criticada pelos ambientalistas pela proximidade do prazo limite — é que os bens incluídos na lista inicial exportada para a Europa sejam produzidos em terras que não tenham sofrido desmatamento após 31 de dezembro de 2020, obrigando os produtores a fornecer uma declaração de diligência com informações geográficas precisas sobre as terras de cultivo, criação ou pastagem, por exemplo, além dos detalhes que permitem identificar em qualquer etapa específica da cadeia produtiva de onde provém o alimento.

Como funcionarão as fiscalizações?

Os países membros da UE são obrigados a realizar controles de conformidade em pelo menos 9% das empresas que exportam de países considerados de alto risco de desmatamento, pelo menos 3% das empresas que importam de países de risco médio e 1% de nações de baixo risco, classificação a ser feita antes de meados de 2023.

O descumprimento poderá não apenas expor as empresas infratoras ao recall de seus produtos, mas também resultar em multas de até 4% do volume negociado com qualquer país europeu.

Beccar Varela recorda que a norma exige aos agentes de exportação:

  • O recolhimento da informação necessária que demonstre que as matérias-primas e produtos derivados relevantes são isentos de desflorestação (por exemplo, coordenadas de geolocalização das terras em que foram produzidos) e que foram produzidos de acordo com a legislação aplicável do país produtor.
  • Medidas de avaliação de risco para determinar se há risco nas matérias-primas e produtos derivados relevantes que serão colocados no mercado da UE. Se os agentes não puderem demonstrar que o risco de não conformidade é insignificante, eles não poderão acessar o mercado.
  • A avaliação de risco deve levar em consideração, por exemplo, o nível de risco atribuído ao país em questão ou suas áreas, a presença de florestas no país e área de produção, a prevalência de desmatamento ou degradação florestal no país, na região e área de produção da matéria-prima relevante ou produto derivado, entre outros.
  • Medidas de redução de risco. A menos que a análise realizada permita determinar que não há risco ou que há apenas um risco insignificante de que as matérias-primas e produtos derivados relevantes não atendam aos requisitos da norma, o agente adotará, antes de introduzir essas mercadorias, procedimentos e medidas de redução de risco que sejam adequados para conseguir que o risco seja nulo ou negligenciável. Por exemplo, você pode solicitar informações, dados ou documentos adicionais, realizar estudos ou auditorias independentes ou aplicar outras medidas.

É bom lembrar que a norma prevê disposições simplificadas para as pequenas e médias empresas.


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Com cheiro de café

Brasil, Argentina e Colômbia estão entre as nações que criticaram a regulamentação, devido ao certo aumento no custo de suas exportações para solo europeu, tendo em vista os gastos que terão de fazer para cumpri-la, em especial, no que se refere a rastreabilidade.

“Obviamente, vai ser preciso injetar capital não só na melhoria das tecnologias, mas também na melhoria da cadeia de valor para saber de onde vêm as matérias-primas, que tipo de combustível utilizam os transportadores e outras ações para reduzir a pegada de carbono”, aponta Camila Del Villar.

Uma vez que o café é o principal produto de exportação da Colômbia e um dos bens que sofrerá a aplicação da lei, estará sob os olhos dos reguladores europeus. Por isso, Del Villar acredita que os exportadores colombianos devem reforçar a medição correta da pegada de carbono, algo que ele garante já está sendo cumprido.

“O café é um dos setores que tem aprimorado suas práticas, abordando a questão da rastreabilidade e sustentabilidade, mas ainda requer o uso de grandes áreas para seu cultivo”, acrescentando que é fundamental em uma etapa inicial de diagnóstico mensurar a abrangência a lei, seja claro sobre todo o impacto ambiental e social da cultura e todas as atividades associadas.

A Colômbia alcançou, em 2021, um aumento significativo nas suas exportações de café para a Europa, cujo valor situou-se em pouco mais de 1 bilhão de dólares, um aumento de mais de 19% em relação ao ano anterior. Isso significa que um terço das exportações do grão aromático foi para o mercado do velho continente, que totalizou 2.091 bilhões de dólares naquele ano, segundo dados da Federação Nacional dos Cafeicultores.

Antecipando que a entrada em vigor do regulamento poderá levar a um repensar progressivo dos atuais modelos de negócios, o especialista em direito ambiental acredita que terá um efeito positivo para a Colômbia, pois reforçará as políticas de conservação florestal, cujo potencial de emissão de compensações de carbono é considerada enorme. "Esta pode ser uma forma alternativa de investimentos econômicos", diz ele.

Ela lembra, ainda, que na Colômbia há pagamento por serviços ambientais, mecanismo que oferece recompensas para empresas que realizam atividades de conservação ou prestam serviços para o meio ambiente. "Isso é um estímulo, porque são receitas paralelas", afirma.

Ela também destaca que já existe uma conscientização de produtores e exportadores sobre o assunto, a maioria deles — com exceção dos produtores de combustíveis fósseis — com uma percepção positiva da lei como uma ferramenta para melhorar e tornar seus processos mais sustentáveis.


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Um desafio para todos

Manuel Frávega, diretor de direito ambiental e prática de mudanças climáticas do Beccar Varela, é direto ao apontar que a lei representa um grande desafio para exportadores e autoridades na Argentina.

“Implica redefinir os modos de produção em algumas áreas do nosso país e otimizar a dimensão ambiental da gestão agrícola em linha com o imperativo resultante do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 (ODS 12). Também representa um importante desafio para o setor público na medida em que gestão da informação, ordenamento do território e modernização e eficácia do controle ambiental associado a esta atividade", afirma.

Apesar do desafio, ele garante que é também uma grande oportunidade para os exportadores locais, pois permite ampliar a sinergia entre produtividade, inovação tecnológica, competitividade e sustentabilidade do setor agroindustrial.

"O país pode ser colocado em uma posição vantajosa se se fortalecer com os padrões do novo regulamento da UE."

Da mesma forma, Frávega assegura que na Argentina houve ações concretas para mitigar o impacto da atividade humana no meio ambiente, como a Resolução n 447/19, que prevê medidas estruturais para fortalecer as capacidades de controle e governança "que otimizem a ação institucional sobre as florestas nativas, bem como medidas operacionais no planejamento do uso dos territórios por meio do ordenamento ambiental territorial, manejo florestal sustentável, prevenção de incêndios, restauração de florestas degradadas e recuperação de áreas desmatadas".

Também destaca a existência da Lei 26.331, dos orçamentos mínimos para proteção ambiental das florestas nativas de 2007, a partir dos quais foi criado o Programa Nacional de Proteção Florestal. Isso promove sua conservação por meio do planejamento territorial (OTBN) e do Fundo Nacional de Enriquecimento e Conservação de Florestas Nativas, para compensar as jurisdições que conservam as florestas.

Adicionalmente, a Argentina iniciou um projeto de pagamento por resultados REDD+ que conta com um aporte de 82 milhões de dólares do Green Climate Fund, uma compensação pelos planos realizados entre 2014 e 2016, que permitiram reduzir as emissões de 165 milhões de toneladas de CO2.

"Nos últimos meses, na Argentina temos experimentado um aumento constante no desenvolvimento de projetos florestais para capturar carbono e reduzir emissões, isso significa uma oportunidade para atrair investimentos neste setor. Isso implica não apenas retornos econômicos para a geração de créditos de carbono, mas também uma contribuição de impacto social para as comunidades locais e benefícios ambientais", destaca.


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Além do aspecto legal

Considerando que a lei determina que "a sustentabilidade veio para ficar e estar conosco por várias décadas", Horacio Franco, sócio-fundador da Franco Abogados, consultoria ambiental argentina, acredita que ela oferece enormes oportunidades de diferenciação para as empresas que se adaptam e representará um risco para quem a subestimar, pois poderá ver suas exportações restritas ou ficar de fora do jogo contra um dos mercados mais importantes de matérias-primas argentinas.

A Argentina é acusada de ser uma das nações que mais praticam o desmatamento, não tanto pela produção de carne bovina (13% de suas exportações de carne vão para a UE), mas pela soja — insumo básico na alimentação animal —, cuja produção crescente é a causa da destruição do Gran Chaco, território compartilhado com o Paraguai e o Brasil.

Franco traz outro ponto importante para quem não cumpre a lei: o risco reputacional que, garante, pode ser tão ou mais temível que o risco legal.

“O risco reputacional se traduz não só em redução do valor da empresa, mas também em apólices de seguro muito mais caras, retração ou cessação de financiamento, perda de atenção dos investidores que migram para outros projetos”, afirma.

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Embora a lei comece a ser aplicada apenas em 2024, os 18 meses que ela concede para se adequar aos seus requisitos podem até ser pouco para aquelas empresas menos preocupadas em cumprir os requisitos que a rastreabilidade exige.

Camila Villar destaca que a primeira coisa que deve ser feita é “um processo de due diligence dentro da due diligence”, ou seja, conhecer a fundo a normativa e suas implicações para, a seguir, fazer um diagnóstico do impacto ambiental, social e de governança corporativa.

“Temos de nos perguntar o quanto estamos preparados se tivermos de cumprir os regulamentos hoje”, diz ela.

Manuel Frávega estima que a resposta vai exigir “compromisso, investimento, inovação, colaboração com abordagem multidisciplinar e aconselhamento especializado para consolidar o desenvolvimento produtivo e sustentável e iniciar um caminho de transformação rumo à resiliência e à neutralidade carbônica”.

Horacio Franco, por sua vez, acrescenta que, por se tratar de um assunto muito específico e que pode afetar um importante nicho de mercado, é preciso contar com uma assessoria especializada. “Esta não é uma tarefa para inexperientes”, lembrando que a equipe multidisciplinar deve incluir especialistas em pegada de carbono, serviços geográficos, serviços agroambientais, software etc.

"Já não basta dizer cumpro, mas não sei o que meu fornecedor faz", ele aponta.

Mais restrições

No início deste mês, a União Europeia anunciou que está preparando um regulamento que proibirá a importação de produtos de PVC rígidos com teor de chumbo devido aos danos que causam às pessoas e ao meio ambiente.

Embora o regulamento entre em vigor 20 dias após a sua publicação no Boletim da UE, será aplicado apenas 18 meses depois.

O material cuja importação será limitada pelo bloco é utilizado em tubulações, cabos elétricos e esquadrias, entre outros produtos plásticos de PVC.

No caso de produtos reciclados de PVC flexível com teor de chumbo, eles poderão continuar a ser comercializados por até dois anos após a entrada em vigor da norma e por 10 anos no caso dos rígidos, para os quais serão exigidas salvaguardas.

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