As lições de 2021 do mercado jurídico brasileiro

Para os especialistas, o Judiciário foi determinante em ações que ajudaram no combate à Covid-19, em meio a uma atmosfera de negacionismo do governo Bolsonaro/Pixabay
Para os especialistas, o Judiciário foi determinante em ações que ajudaram no combate à Covid-19, em meio a uma atmosfera de negacionismo do governo Bolsonaro/Pixabay
Crise na economia e na política foram sinônimo de oportunidades para firmas.
Fecha de publicación: 30/12/2021

O ano de 2021 foi de grandes desafios, especialmente no mercado jurídico. A pandemia não foi embora, como muitos esperavam, mas o momento de surpresa e receio ficou para trás e as rotinas estão mais adaptadas ao chamado trabalho híbrido. O presencial e o teletrabalho agora são uma coisa só, com variações dependendo do local. As pessoas ainda se preocupam e devem se resguardar – algo necessário para evitar o aumento de casos - mas as rotinas nos escritórios já estão estabelecidas. A produtividade dos profissionais do setor cresceu e muitos dos escritórios, especialmente os grandes e médios, tiveram um dos melhores anos de sua história, apesar da crise.

Nesse momento é hora de avaliar as lições aprendidas para o mercado jurídico. Entre as principais mudanças está a consolidação do uso da tecnologia como facilitadora dos diversos instrumentos legais em julgamentos e processos. Em 2020, explicam os especialistas, houve um primeiro salto, mas o uso e aprimoramento das ferramentas disponíveis online diminuiu distâncias e acelerou o trâmite dos ritos processuais em 2021, o que permitiu mais eficiência.


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“Equacionar as incertezas e as oscilações do mercado nas principais indústrias foi o maior desafio para o planejamento estratégico de 2021, aliado à retomada do trabalho presencial dentro de um novo modelo, híbrido e sem regras fixas, alinhando necessidades e oportunidades, excelência, eficiência e felicidade. Sem dúvida alguma um ano de muito aprendizado e de crescimento na gestão humanizada desenvolvida pelo escritório”, avalia Alfredo Zucca, diretor presidente do ASBZ Advogados.

Outro destaque foi o protagonismo do Judiciário que, pressionado não só por conta da emergência de saúde, teve que decidir questões importantes para a nação, já que Legislativo e Executivo nem sempre deram respostas rápidas e necessárias ao momento atípico que vivemos. Com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou sendo determinante em ações que ajudaram no combate à disseminação da Covid-19, em meio a uma atmosfera de negacionismo do governo Bolsonaro.

O STF impediu a União, por exemplo, de confiscar agulhas e seringas compradas pelo governo de São Paulo no início do ano. Estados e municípios também puderam proibir aglomerações causadas por celebrações religiosas, algo que o governo federal foi contra, por conta das pressões de aliados da base de Bolsonaro. Mas a principal decisão em relação à pandemia foi a determinação de que o Senado criasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que expôs as práticas criminosas e omissões adotadas no combate à pandemia.

O Supremo também fez a revisão de várias decisões relativas à Operação Lava Jato, ainda mais depois que veio a público as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores da República que julgaram os réus em Curitiba, comandados pelo ex-procurador Deltan Dallagnol. Assim, a 13ª Vara Federal de Curitiba foi considerada incapaz para julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP), e em duas ações envolvendo o Instituto Lula, o que fez com que o ex-presidente recuperasse seus direitos políticos. O Supremo também decretou a suspeição de Moro, considerando o juiz parcial.  

Mas e os escritórios e a indústria legal, como foi essa adaptação em 2021? LexLatin ouviu CEOs, managing partners e alguns especialistas das mais variadas firmas do país para fazer sua análise.

Enquanto a economia patina e vai mal - com aumento dos índices de inflação, desemprego ainda alto e crescimento da pobreza - os grandes e médios escritórios aproveitaram a crise como oportunidade e surfaram numa onda contrária, de crescimento. É o que dizem os especialistas consultados. Nessa hora de crise e incertezas, apontam os advogados, os clientes foram atrás de quem já estava consolidado no mercado para resolver novas e velhas pendências e demandas.

Para os executivos, pelo menos cinco áreas se destacaram, especialmente entre as firmas com atuação nacional. As “meninas dos olhos” de muitas firmas foram as operações de fusões e aquisições, os chamados M&As. Teve também as aberturas de capital (IPOs): foram mais de 40 na Bolsa de Valores de São Paulo, ante as 28 de 2020. O cenário de desvalorização do real e de necessidade de consolidação de alguns mercados, também provocado em grande parte pela pandemia, contribuiu para o grande número de operações no país em 2021, gerando boas oportunidades de trabalho para os escritórios.


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Outros setores que também se destacaram foram as áreas de contencioso, litígio e infraestrutura, motivados pelas transformações estruturais nos mercados do Brasil e do mundo.

“Outras práticas como tributário, trabalhista, ambiental se aproveitam muito desses movimentos e acabam se alavancando junto com esse mercado aquecido. É um dos melhores anos da história do escritório”, afirma Rodrigo Junqueira, managing partner do Lefosse.

“O ano de 2021 talvez tenha sido o melhor ano da firma em todo o seu período de constituição: de trabalho, de contratações, e é claro também, de faturamento. O mercado legal brasileiro em 2021 cresceu muito. É uma onda que todo mundo surfou, principalmente aqueles que estavam mais organizados e estabelecidos”, diz Roberto Quiroga, managing partner do Mattos Filho.

A consolidação de novos modelos de atendimento, principalmente o híbrido, foi algo que impactou escritórios e profissionais. “Tem cliente que quer continuar no atendimento online, outros voltaram rapidamente ao atendimento presencial. Então o que o escritório hoje precisa fazer é estar preparado para qualquer modalidade de atendimento que o cliente deseje, a depender do setor de atuação e das características de negócio”, explica Carlos André Pereira Lima, advogado tributarista e membro do boarding do escritório pernambucano Da Fonte Advogados.

O advogado tributarista explica que isso teve efeito no dia a dia e nas horas trabalhadas. “Você tem aí um ganho de hora produtiva no dia muito relevante, que foi reflexo da estabilização do atendimento com recurso digital no ano de 2021. As empresas perceberam também o ganho para elas com o acesso a essa tecnologia”, avalia.

Em alguns pontos do país, como na região amazônica, esse desafio foi ainda maior, por conta das distâncias e dificuldades de acesso à internet. Para João Carlos Aragão Addario Junior, sócio da banca Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados, essas novas formas de trabalho viraram uma realidade sem volta. “Não só o dia a dia do trabalho dentro do escritório, mas até com relacionamento com os próprios órgãos públicos. O grande desafio é otimizar o trabalho do escritório e tentar atender a pretensão do cliente da melhor forma possível. Foi preciso reaprender a advocacia e reaprender a trabalhar a advocacia”, diz.

Vinícius Nogueira, sócio-fundador do Horvath & Nogueira Advogados, acredita que o ano de 2021 representou para o mercado jurídico uma continuidade, intensificada, dos desafios de 2020. “A gestão do escritório não foi muito afetada pela pandemia, já que o modelo boutique, com poucos profissionais já mais maduros demanda menos energia e pode ser mais facilmente realizada à distância. Já a interação com clientes, esta sim, foi profundamente afetada, já que passou a ser quase que integralmente realizada por meios digitais, com maior dinamismo e flexibilidade. Isto representou uma grande oportunidade de negócio”. 

O advogado explica que a pandemia também trouxe uma forte demanda por serviços de assessoria jurídica em temas de direito tributário e financeiro. É que as empresas intensificaram a busca por redução de seus custos fiscais, seja por meios mais tradicionais como planejamento tributário e medidas judiciais - discutindo recuperação de tributos - seja por meio da interlocução política, buscando regimes tributários especiais junto ao governo, como a prorrogação da desoneração da folha de salários.


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“Preocupações com temas relativos ao orçamento público, ao espaço orçamentário para desonerações fiscais e seu interesse social nunca foram tão presentes no cotidiano das empresas. Isso gerou muitas oportunidades de trabalho”.  

Apesar das boas oportunidades, dizem os especialistas, é bom ficar de olho na evolução da economia em 2022, algo que preocupa. “Quanto mais incerteza e instabilidade você tem, mais dificuldade no dia a dia e na prestação do serviço jurídico. Primeiro porque você se sente pressionado pelo seu cliente. Seu cliente sofre a pressão econômica e tecnicamente ele pressiona também as contratações. Acho que o grande desafio é continuar a manter a saúde financeira dos escritórios”, afirma Addario Junior.

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