Começou nesta segunda-feira (2) a conferência da International Bar Association (IBA) em São Paulo. Esse é um dos primeiros encontros presenciais depois do período de isolamento social imposto pela pandemia. Até a próxima quarta-feira (4), as principais firmas da América Latina, Estados Unidos e Europa debatem as mudanças mais importantes provocadas nesse período de Covid-19 e guerra na Ucrânia no setor de M&A (fusões e aquisições) em todo o mundo, especialmente na região.
A abertura teve a presença de dois ex-presidentes da associação: Fernando Peláez-Pier (2009-2010), CEO de LexLatin e membro honorário vitalício de seu Conselho, e Horacio Bernardes Neto (2019-2020), do escritório Motta Fernandes Advogados (São Paulo). O tema central é Mergers and acquisitions in Latin America in a challenging world (Fusões e aquisições na América Latina em um mundo desafiador, em tradução livre) - como criar um ambiente que favoreça o desenvolvimento e o crescimento e que abra a atividade de M&A nos países latinos para mais investidores.
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"É um momento em que podemos encontrar nossos colegas. Aqui em São Paulo recomeçam as reuniões da IBA. Já aconteceram outras, mas nenhuma teve a dimensão e tantos participantes, são mais de 400. O mercado de M&A está e vai ficar muito aquecido. Há um certo foco no Brasil em relação à produção de commodities e artigos industriais. Se há uma região que pode eventualmente se aproveitar dessa enorme piora do mundo - a guerra na Ucrânia e toda essa tendência de nacionalização nos governos - é a América Latina", afirma Bernardes Neto.
“A conferência discute uma série de questões que representam um desafio hoje no mundo das fusões e aquisições, bem como novas tendências, como o surgimento das fintechs. Poderíamos também nos referir a ESG [environmental, social and governance] e também é importante mencionar o impacto da incerteza que se vive não apenas na região, mas em todo o mundo. O advogado deve ser o aliado empresarial que o cliente precisa para receber as soluções necessárias para o desenvolvimento de seu negócio” diz Peláez-Pier.
"O mercado segue com muito dinheiro e isso permite que aconteçam muitas operações. Quando há liquidez, há oportunidades. Ultimamente, a balança vai pelo lado dos vendedores, porque as oportunidades não são muitas. A incerteza continua dando a tônica do momento: se vamos ter recessão e se a guerra vai atingir certos níveis", analisa Daniel del Río, da firma D Del Río, Cidade do México, e secretário-tesoureiro da divisão de prática jurídica da IBA.
O CEO do banco Santander, Sergio Rial (foto), que está com Covid, falou por teleconferência aos mais de 400 advogados que estiveram no primeiro dia. E contou como o banco espanhol conseguiu entrar no mercado brasileiro, que é bastante fechado no setor. Um dos diferenciais foi o processo de conquista de clientes, motivo que fez o banco estar entre as maiores instituições financeiras do país.
Além da abertura oficial, os advogados analisaram no painel "O surgimento das Fintechs na América Latina: competição, inclusão financeira e oportunidades de investimento" como as empresas de tecnologia estão mudando o mercado nos vários países, especialmente Argentina e Brasil.
"O investidor americano está vendo nas fintechs brasileiras, mexicanas, argentinas, e algumas na Colômbia, uma diversificação bem sucedida. Elas possuem market share relevantes e só têm perspectivas para continuar crescendo. Acredito que a região continua sendo uma das melhores no mundo para investir nesse setor. Se comparamos com outros investimentos, como ativos físicos - as indústrias clássicas - tem bem menos crescimento visível", avalia David Flechner, do escritório Allen & Overy de Nova York, e vice-presidente do subcomitê de fusões e aquisições da IBA.
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De acordo com os especialistas, há um desafio que tem relação com a inclusão financeira: prestar serviços financeiros de qualidade a toda a sociedade. "Na Argentina, por exemplo, temos mais de um celular por pessoa, mas menos da metade da população tem conta em banco. Ter uma conta é um primeiro passo para uma inclusão financeira, mas não é o único. A maioria dos países que aderiram ao pacto global que estabelece os objetivos de desenvolvimento sustentável estão de acordo que, para que haja crescimento econômico, é necessário que ocorra essa inclusão", explica Maria Shakespear, da firma Beccar Varela de Buenos Aires.
No segundo painel do dia, os advogados analisaram o ambiente de incertezas que cerca a região na área de M&A, entre elas a pandemia, que continua a desafiar a estabilidade econômica dos países, além da instabilidade política que reflete no ambiente de negócios.
Para Jaime Carey, do escritório Carey, de Santiago, e secretário-geral da IBA, nestes últimos dois anos aconteceu uma mudança política importante em toda a região. "Países que estavam bem, como o caso do Chile, estão com muitas complicações, assim como Peru, Argentina e Colômbia, além da Venezuela. Mas mudou também o cenário mundial. É melhor estar na América Latina do que na guerra da Ucrânia hoje em dia. O que vemos, a partir do Chile, é que seguem chegando muitos investimentos estrangeiros na região, apesar de todos os problemas", analisa.
Os advogados vão debater também, nas próximas sessões, a importância das práticas ESG (sigla em inglês para os temas ambiental, social e governança), além de políticas anti-corrupção e empreendedorismo feminino, entre outras tendências do setor de M&A.
Panorama do setor
No Brasil, as operações de M&A registraram valores recordes em 2021. O mercado totalizou US$ 66 bilhões no ano passado, o maior valor registrado desde 2010, de acordo com dados da consultoria Bain & Company. Mas essa é uma tendência global. Ainda segundo a consultoria, o valor agregado de fusões e aquisições no mundo atingiu a marca histórica de US$ 5,9 trilhões.
Para este ano, a expectativa é que as operações continuem aquecidas, na mesma tônica de 2021. É provável que empresas com boa estrutura de caixa e recursos em disponibilidade aproveitem situações menos favoráveis de outras empresas para incorporações e fusões. Outro movimento que incentiva esse tipo de operação é a crescente busca por grandes players que possuem a cadeia em que atuam de ponta a ponta, uma verticalização do modelo de negócios.
No cenário nacional, a depreciação do real e as elevadas taxas de juros são fatores que tendem a levar o investidor estrangeiro, em especial aquele que deseja iniciar operação no Brasil, a aportar recursos em empresas nacionais por meio de operações de M&A -, sem desprezar os riscos políticos inerentes ao ano eleitoral.
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Acompanhar as tendências atuais, continuar a atrair investimentos para o Brasil e para o resto da região latino-americana e tentar proteger melhor as empresas de tempestades externas requer uma quantidade significativa de trabalho.
Diante de mudanças nas políticas dos países latino-americanos, dos desafios impostos pela pandemia, é importante pensar: quais lições podem ser aprendidas nestes últimos anos? Como essas mudanças afetam a forma com que as corporações fazem negócios? Quais são as oportunidades que a América Latina tem pela frente? As respostas, nós vamos trazer para nossos leitores, direto dos especialistas, em uma série de reportagens especiais nos próximos dias. Você vai poder acompanhar tudo sobre a conferência da IBA na cobertura especial de LexLatin.
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