O ano de 2021 foi bem aquecido no mercado financeiro brasileiro. Empresas dos mais diversos setores abriram capital - os chamados IPOs - e investidores dos mais variados perfis reconheceram a Bolsa de Valores de São Paulo como um veículo de diversificação de suas carteiras de investimentos. Ano passado foi a maior movimentação de recursos em IPOs da história, com aproximadamente R$ 65 bilhões divididos entre 46 companhias que estrearam na B3 e R$ 130 bilhões considerando IPOs e follow-ons (as ofertas subsequentes ao IPO).
Apesar dos números animadores, a segunda metade do ano e, em especial o último trimestre, foi marcada por uma mudança de cenário, o que tem relação, segundo os especialistas ouvidos por LexLatin, com uma combinação das incertezas em relação aos panoramas econômico, fiscal e eleitoral, com a alta da inflação e do desemprego, a mudança no teto de gastos e a expectativa de aumento da taxa Selic para dois dígitos em 2022.
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Tudo isso impulsionou uma onda de desistências e interrupções de ofertas de ações que estavam em curso ou projetadas para acontecer entre o final de 2021 e o começo de 2022. Uma história que, na análise de advogados da área, antecipou um cenário que era esperado para acontecer apenas a partir do final do primeiro trimestre de 2022, especialmente em decorrência das eleições.
Nesse contexto, os investidores têm demonstrado comportamento mais seletivo, analisando com atenção as companhias que já estão listadas e cujas ações estão com preços descontados.
“A expectativa é de que o volume de operações lançadas e precificadas esse ano seja menor, com predominância das operações no mercado local que tenham volume financeiro expressivo e que sejam de setores já conhecidos pelos investidores – cujas teses sejam atrativas ao ponto de serem menos impactadas pelo cenário macro –, sobretudo follow-ons, e de ofertas realizadas no exterior pelas companhias brasileiras que optaram por listar suas ações nas bolsas de valores americanas”, avalia Caio Cossermelli, sócio da prática de mercado de capitais do escritório Mattos Filho.
Para Christian Roschmann, sócio na área de societário e M&A do Lefosse, a tendência de amadurecimento do mercado de capitais brasileiro possivelmente se manterá em 2022 ainda que, historicamente, os meses que antecedem o período eleitoral sejam de volatilidade. “Isso resulta em cautela por parte dos emissores em acessar o mercado e postergação de potenciais projetos de IPO e follow-on para janelas após o período eleitoral.
Mesmo assim, companhias já listadas na bolsa, familiares aos investidores e em setores mais consolidados da economia ou, ainda, as empresas de setores com grande potencial de crescimento continuarão acessando o mercado de capitais e precificando suas ofertas”, explica.
Entre os setores mais atraentes para o investidor, de acordo com os especialistas, estão aqueles menos expostos ao contexto político, como o agronegócio, resultado da atual alta do ciclo de commodities. Para João Vítor Stüssi, sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados, os fundos de private equity, que devem estar com bastante liquidez em caixa, veem no agronegócio um investimento rentável com papel importante na gestão de riscos de suas carteiras.
“Ainda que essa classe de operações seja geralmente destinada para grandes players, pequenas, médias empresas e inclusive pequenos produtores rurais podem se beneficiar de operações de M&A para aumentar a competitividade e inserir novas tecnologias em suas cadeias produtivas”, analisa.
Também há particular interesse no setor de energia, especialmente nas operações relacionadas a projetos solares, linhas de transmissão e geração distribuída, impulsionados pela tendência da indústria 3D - descarbonização, descentralização e digitalização. Além disso, há movimentação no setores de tecnologia e de saúde, com enorme potencial de crescimento.
“Grandes empresas já estão fazendo publicamente suas ofertas. Tem da Braskem, como desinvestimento da Petrobrás acontecendo, e tem o da BRF que acabou de ser anunciado. Minha visão é que teremos um ano relativamente agitado para follow-ons, principalmente de grandes empresas, ou de empresas que não estão tão depreciadas na cotação de suas ações no mercado. Teremos ainda algumas tentativas de IPO que já estão na fila há algum tempo ou novas que podem sair”, afirma Gustavo Secaf Rebello, sócio da área de mercado de capitais do Machado Meyer.
Isac Costa, sócio do Warde Advogados, prevê que a palavra “incerteza” ainda vai ser muito pronunciada em 2022, especialmente no mercado financeiro, o que vai afetar a percepção de risco dos investidores, que podem se sentir atraídos de volta aos investimentos de renda fixa diante da retomada de alta de juros. “Ainda há dúvidas sobre a efetiva retomada econômica com a persistência de variantes da Covid-19 e a adoção de medidas restritivas por diversos estados, comprometendo as cadeias de suprimentos em diversos setores da economia”, diz.
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Ele acredita que algumas companhias deverão recorrer a ofertas públicas com esforços restritos, direcionadas a investidores qualificados, especialmente pela emissão de debêntures.
“Como de praxe, a emissão de títulos de dívida deve continuar sendo protagonista em termos quantitativos no mercado de capitais brasileiro e a B3 terá que se esforçar para evitar que as companhias nacionais emitam ações e outros títulos no exterior. Dada a dificuldade de acessar o mercado de capitais, é provável que diversos investidores optem pela realização de operações societárias, procurando empresas concorrentes ou de setores complementares para capturar sinergias e racionalizar as operações”, explica.
Ainda em matéria de investimentos alternativos, a procura por instrumentos e fundos relacionados à criptoeconomia não deve mostrar sinais de enfraquecimento, na visão dos envolvidos em operações do mercado financeiro. “Pelo contrário, grandes fundos de venture capital têm defendido NFTs e projetos de finanças descentralizadas e novos produtos, como ETFs de nichos de criptoativos, que têm sido autorizados no Brasil e no mundo”, avalia Isac Costa.
Para os analistas, a janela de negócios deve ir até julho ou agosto, quando será interrompida por causa das eleições. Fora do mercado de capitais, avaliam os especialistas, seguindo a mesma tônica de 2021, as operações de M&A devem seguir aquecidas.
Empresas com boa estrutura de caixa e recursos em disponibilidade aproveitarão situações menos favoráveis de outras empresas para incorporações e fusões. Outro movimento que incentiva esse tipo de operação é a crescente busca por grandes players que possuem a cadeia em que atuam de ponta a ponta, uma verticalização do modelo de negócios.
Além do mercado doméstico, a depreciação do real e as elevadas taxas de juros são fatores que tendem a levar o investidor estrangeiro, em especial aquele que deseja iniciar operação no Brasil, a aportar recursos em empresas nacionais por meio de operações de M&A -, sem desprezar os riscos políticos inerentes ao ano.
Para Paulo Rocha, managing partner do Demarest Advogados, a liquidez existente no mercado sugere que o volume de transações de M&A continuará alto, especialmente nos setores de TI, financeiro e varejo. “Há ainda importantes projetos de infraestrutura e privatizações (Correios, aeroportos e outros) no pipeline que podem vir a ocorrer”, afirma o advogado.
Rocha acredita que será interessante também acompanhar transações envolvendo fintechs que podem se beneficiar do regime de sandbox regulatório implementado pelo Banco Central, Conselho Monetário Nacional (CMN), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros agentes reguladores.
“Tal iniciativa permitirá que as startups da área testem projetos inovadores com exigências regulatórias menores, em um ambiente monitorado de perto pelas autoridades. O maior número de empresas certamente também será um propulsor para mais transações”, analisa.
Seguindo a mesma lógica, setores mais afetados pela pandemia devem ser os maiores protagonistas dessa modalidade de operação nos próximos anos, na opinião dos analistas. Eles acreditam que o investidor está buscando nesses setores empresas que, embora fragilizadas, tenham marcas de alto valor e bons ativos. Como exemplo deste tipo de empresa estão as varejistas e empresas de entretenimento.
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A alta da taxa de juros também favorece operações que têm necessidade de capitalização. Nesse cenário, pode sair mais barato ceder parte do equity que contratar operações de crédito com taxas atreladas ao juro alto.
Além de todo esse quadro desenhado pelos especialistas, espera-se, na visão deles, que depois do período eleitoral a estabilidade no volume de negócios volte a um patamar que, a depender do cenário que se consolidar após as eleições presidenciais e legislativas e da conclusão de possíveis reforma da regulação das ofertas públicas, pode até ser mais alto do que aconteceu em 2020 e 2021.
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