O papel do advogado in-house na Microsoft Brasil

"É uma questão de desenvolvimento econômico e social gerar emprego, receita, movimentar a economia e usar a tecnologia para ter uma oferta melhor de serviços públicos e manter as pessoas conectadas"/Divulgação
"É uma questão de desenvolvimento econômico e social gerar emprego, receita, movimentar a economia e usar a tecnologia para ter uma oferta melhor de serviços públicos e manter as pessoas conectadas"/Divulgação
Alessandra Del Debbio, vice-presidente jurídica e de assuntos corporativos, analisa os desafios regulatórios da companhia global de tecnologia no país.
Fecha de publicación: 13/11/2022

Ela é advogada in-house de uma das maiores empresas de software do mundo, a norte-americana Microsoft. Alessandra Del Debbio é vice-presidente jurídica e de assuntos corporativos da empresa no Brasil. A advogada, graduada em Direito pela USP e com especializações nas áreas corporativa, digital e tributária, esteve na companhia global em dois momentos: foi gerente legal entre 2002 e 2004 e desde 2014, quando retornou à empresa, ocupa a nova função, uma das mais importantes para o desenvolvimento de negócios no país.

Em sua carreira, além da Promon, um grupo empresarial brasileiro de engenharia e gerenciamento de empreendimentos, ela trabalhou na Nokia, a companhia de telecomunicações em que chegou a atuar como diretora legal para o Brasil e América Latina, inclusive na área de compliance. 

Além do trabalho como advogada in-house, ela é uma das cofundadoras do movimento Jurídico de Saias. Idealizado em 2009, o grupo é formado por mulheres advogadas atuantes em departamentos jurídicos de empresas, associações ou entidades sem fins lucrativos. 

O projeto trabalha com o desenvolvimento do protagonismo feminino, colaborando para o desenvolvimento de novas lideranças dentro da comunidade jurídica brasileira. Hoje são 1.700 advogadas que participam do movimento. 

Em entrevista à LexLatin, a advogada fala sobre carreira e dos desafios de trabalhar no Brasil em uma empresa global, que precisa se adequar a legislações diferentes em cada um dos mais de 190 países em que atua. A entrevista foi editada para melhor entendimento. 

Você é uma das co-fundadoras do movimento “Jurídico de Saias”, idealizado em 2009 e que hoje conta com 1.700 advogadas do mundo corporativo e que tem, entre um de seus objetivos, o de mentorear mulheres em suas carreiras. Quais são os principais desafios a serem enfrentados nesse final de 2022 para as mulheres na carreira jurídica e como o movimento pode ajudar?

Alessandra Del DebbioHá 13 anos nós éramos onze advogadas in-house de empresas e decidimos que valia a pena criar esse movimento para não só auxiliar outras advogadas com carreira, mas também trocar informações, nos ajudarmos nas questões de trabalho. Sempre houve a impressão de que as mulheres não se ajudam, que há muita competição. Quisemos mostrar com esse movimento, que cresceu bastante nos últimos tempos, de que não é bem assim. Tem uma série de coisas que podemos compartilhar e ajudar umas às outras, tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele. Além disso, é preciso se divertir, aproveitar e celebrar a vida juntas. 

Quando formamos esse grupo, assumimos o compromisso de mentorear outras mulheres para avançar nessa questão de carreira. Identificamos, lá atrás, que uma troca rápida de informação ajuda no crescimento, no dia a dia do trabalho profissional de diferentes advogadas que estão em diferentes níveis. Então, poder contar com uma rede de credibilidade, de compartilhamento de informações verdadeiras, ajudando no direcionamento de trabalho é muito importante. 

Outro desafio é o da diversidade e inclusão, tanto na questão do gênero quanto na questão da raça. As mulheres ainda enfrentam dificuldades no trabalho e, em alguns ambientes mais predominantemente masculinos, as mulheres negras enfrentam uma dificuldade ainda maior. Então, por isso, também temos investido bastante em mentoria voltada para mulheres, advogadas ou executivas negras. Temos algumas parcerias, inclusive com a Universidade Zumbi dos Palmares, com mentorias de alunas negras. 

Muitas dessas mulheres não veem outras profissionais parecidas com elas no mundo corporativo. Esse ainda é um dos desafios a ser enfrentado. Outro é convidar os escritórios de advocacia que nos apoiam e os fornecedores em geral das empresas a também terem esse olhar em torno da questão da diversidade e da inclusão. Mais do que incentivar, é preciso mostrar o quanto é importante e prioritário ter diversidade nos grupos que nos atendem. 

Por exemplo, eu na Microsoft hoje peço diversidade quando eu escolho um escritório de advocacia nos times que trabalham comigo em diferentes temas. Não é só a diversidade de gênero, mas de background, do local em que a pessoa estudou ou do estado de que ela vem. Acho que essa mistura e essa complementaridade de talentos são muito importantes.


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Quais são os desafios de uma empresa global como a Microsoft no Brasil e na América Latina?

Posso falar mais do Brasil, principalmente do meu trabalho hoje aqui. Quando você tem um jurídico no Brasil de uma empresa multinacional, mas cujo centro de tomada de decisão está nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma distância. Um dos desafios é constantemente demonstrar para esse centro decisor algumas diferenças que existem aqui, porque algumas decisões que funcionam nos Estados Unidos não necessariamente vão funcionar no Brasil.

Por exemplo?

Questões regulatórias. Às vezes há algumas exigências regulatórias aqui no Brasil que você não há nos Estados Unidos, ou vice-versa. Posso te dar um exemplo. Há hoje uma restrição regulatória nos Estados Unidos com relação às empresas chinesas de telecomunicação que não há no Brasil. Por outro lado, você tem um sistema tributário no Brasil infinitamente mais complexo do que na maioria dos países do mundo.

Temos também um sistema jurídico diferente do norte-americano e do sistema inglês. O daqui é mais parecido com o sistema europeu. Há por aqui uma morosidade enorme. Muitas vezes, nas decisões judiciais, você pode apelar para diferentes instâncias diferentes temas. Outro desafio é conseguir transmitir essa forma de atuação nossa aqui. É lógico que eu acho que empresas internacionais têm uma abertura cada vez maior para entender e operar em diferentes lugares no mundo e se adequar à diferença de exigência, que é um grande problema da Microsoft. 

A Microsoft é uma empresa que atua em mais de 190 países e atende a lei de inovação de onde atua. Mas é um desafio, porque você precisa ter proximidade muito grande, construir credibilidade para conseguir ganhar um pouco de autonomia na tomada de decisões locais para ficar um pouco menos engessado. Um grande trabalho que o jurídico tem que fazer é demonstrar o porquê algumas decisões aqui não fazem sentido, porque criar determinadas regras não vai valer para todos os lugares, aqui inclusive, e ganhar essa flexibilidade, essa autonomia. 

Depois de muitos anos construindo um time maduro e muito preparado, com credibilidade, se ganha tempo. É uma construção de anos, tem que tomar cuidado, porque você sempre pode destruir a credibilidade em minutos. Então é muito importante ter um time bastante preparado, bastante competente, não só em hard skills, mas também em soft skills, que estão cada vez mais valorizadas.

Um fator importante na gestão das companhias é estar na busca da diferenciação e da entrega do máximo valor para os usuários. Como é que entra o departamento jurídico nessas discussões? É possível tratar ou prevenir, por exemplo, questões práticas de monopólio, por exemplo. Como vocês veem essas questões e desafios?

Meu departamento jurídico é também de assuntos corporativos. Não olhamos só os aspectos jurídicos, mas de política pública, o que tem engajamento com o governo e com a sociedade de forma geral. Esse departamento tem que ser cada vez mais um aliado do business e da área de negócio da liderança da empresa para olhar para frente, sendo um habilitador de negócios de uma maneira em que o compliance seja levado em consideração. 

Nós somos aquela área que vai habilitar, com toda a integridade, a execução de negócios aqui no Brasil. Sem dúvida que somos uma área que vai apontar risco, mas também as alternativas. Existem riscos que não vamos correr e tem temas inegociáveis. A questão de compliance é uma delas, é absolutamente inegociável. Porém, existem situações que você pode ter algum risco de negócio e que não infringe a legislação, para viabilizar aquele negócio. 

É por isso que acho importante ter a mentalidade de criatividade e de inovação também dentro do departamento jurídico. Viemos de uma empresa que era monopólio, mas que já há muito tempo compete e hoje é um dos grandes exemplos, quando pensamos nas empresas de tecnologia, nas big techs, de uma empresa que prioriza as questões de privacidade e segurança, inclusive apoiando a reputação nesse sentido no mundo todo. 

E é uma empresa que tem um olhar muito importante e intencional para a questão da preservação da competitividade. Essa questão de integridade de compliance não é só um compromisso do departamento jurídico da Microsoft, é um compromisso de todos na empresa. Então, essa é uma responsabilidade compartilhada.

Quando você trabalha numa empresa que olha para a questão do compliance como uma responsabilidade de cada um de nós, todos nós somos responsáveis pela integridade dos negócios da empresa para a qual trabalhamos. Assim, fica muito mais fácil, inclusive para o jurídico, atuar cada vez mais como um parceiro do negócio.


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Quais são os desafios regulatórios para as grandes empresas tecnológicas no Brasil nos próximos anos? O que você diria para as autoridades, o que precisa mudar em termos de regulação hoje no Brasil para que a Microsoft continue operando num ambiente justo?

A Microsoft está no Brasil há 34 anos. Ela reforçou, há três anos, o compromisso com o país, através do programa Microsoft Mais Brasil. Fizemos mais investimentos na área de infraestrutura ― ao focar em iniciativas de impacto fiscal ― e também na capacitação digital, levando o letramento digital e também cursos mais avançados para a área dentro do governo e para populações vulneráveis. Esse compromisso da Microsoft não é com um governo específico, é com o país, é com o Estado. 

Quando olhamos para o cenário regulatório do país, vemos um conforto no sentido de que existe um reconhecimento da importância do digital como um centro da economia, como um grande habilitador de desenvolvimento social e econômico de maneira sustentável.

Continuamos nessa linha de reconhecer a importância da tecnologia digital, de oferecer serviços digitais cada vez melhores ao cidadão, de adotar, por exemplo, a nuvem que tem se provado uma tecnologia eficiente, segura, escalável e que traz muitos resultados positivos tanto para o governo que está usando, quanto para os cidadãos que necessitam de serviços. 

Eu acho que esse continua sendo o caminho se queremos continuar a ser um país competitivo, inserido de maneira significativa no ambiente internacional. Nossa expectativa é que a regulação consiga preservar a inovação da tecnologia, definir princípios, orientações, porque é isso que gera essa riqueza. É isso que vem gerando mais oportunidade de emprego, de trabalho, enfim, e é muito importante que o Brasil continue aproveitando essa oportunidade de valorização do desenvolvimento e da transformação digital.

Tivemos um período eleitoral duro e acabamos de eleger um novo presidente. Como isso afeta uma companhia como a Microsoft?

A Microsoft é apartidária, é pró Brasil. Então a Microsoft tem um compromisso com o país. Quais são os temas prioritários? É a questão da educação, da capacitação, são bandeiras que a Microsoft carrega. É uma questão de desenvolvimento econômico e social gerar emprego, receita, movimentar a economia e usar a tecnologia para ter uma oferta melhor de serviços públicos e manter as pessoas conectadas. 

Na pandemia teve um produto nosso, o Teams, que foi um grande habilitador: você podia ter uma consulta médica, ter os filhos estudando e conectados, podia manter as pessoas conectadas para se falar em qualquer lugar do mundo a qualquer tempo. Então, este é o espírito da Microsoft. É o de usar a tecnologia de uma maneira responsável, de uma maneira ética, e usá-la para fazer o bem. 

Em todos os países que estamos, inclusive o Brasil, nosso compromisso é fazer com que as pessoas e os governos façam o melhor uso da tecnologia para endereçar suas questões e também para endereçar desafios da humanidade, como a questão climática. Fizemos, em parceria com a Vale, uma ferramenta que é o PrevisIA (ferramenta de Inteligência Artificial que ajudará na prevenção do desmatamento da Amazônia), que une tecnologia e expertise do Imazon, das imagens via satélite e usa os recursos financeiros da Vale para juntar e fazer uma solução que ajude a monitorar e a prevenir, a partir de um cruzamento de uma série de dados, quais são as regiões na Amazônia mais críticas, onde está acontecendo desmatamento, onde pode vir a acontecer um desmatamento.

Isso justamente para conseguirmos atuar antes e, se for o caso, desenvolver políticas públicas específicas. Nosso objetivo é que a nossa tecnologia seja utilizada para fazer o bem, para endereçar as maiores necessidades da humanidade. Até porque a missão da Microsoft é conectar e empoderar cada pessoa e cada organização a realizar mais por meio da tecnologia.


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O que você trouxe, tendo atuado em outras grandes empresas como a Nokia, dessa cultura de advogada in-house? Qual é o maior aprendizado, como você se vê como exemplo para o mercado brasileiro e latino-americano?

Sempre estive nessa área de tecnologia e acho que essas empresas têm valores em comum. Eu acho que você acerta quando concilia os seus valores com os valores da empresa que você trabalha. Aí as suas chances de sucesso são melhores. Se for pensar no meu grande aprendizado durante todo esse período, tem uma coisa minha, que foi o que me fez ser advogada, que é o meu senso de justiça muito aguçado. 

Essa é uma marca registrada minha, que eu venho carregando para todos os lugares por onde passei. E o que eu aprendi é que é possível conciliar o senso de justiça com a atuação que eu tenho nas empresas. O maior aprendizado é sobre pessoas que se importam, a forma de fazer as coisas importa, mas o ativo mais importante são as pessoas. 

A pandemia trouxe um pouco disso quando ela fez com que todo mundo entrasse na nossa casa através do Teams. Espero que consigamos conservar a humanização da tecnologia e a humanização do mundo corporativo, e não só para os números e para a produtividade. Então, para mim, esse é o grande aprendizado que eu levo. 

E, para mim, a coragem é uma grande missão de liderança que eu aprendi nesses mais de 27 anos de carreira. A coragem as pessoas às vezes associam com bravura, com a força e com o enfrentamento do medo. Para mim, a minha coragem, é uma coisa maior. Quando você pensa na etimologia da palavra coragem, vem do latim coraticum (cor + -atĭcum), que é agir com o coração.

Acho que se os líderes desse mundo ― e não somente aqueles que ocupam cargo de liderança ― tivessem coragem verdadeira, agissem com o coração, eu tenho certeza de que a gente estaria num mundo muito melhor. E como eu sou uma otimista, pretendo espalhar cada vez mais essa grande missão. 

Como vocês estão lidando com o avanço da inteligência artificial e das novas tecnologias? 

Quando falamos em inteligência artificial, e voltando até para a questão da regulação, tem um livro muito interessante do nosso presidente, Brad Smith, junto com a Carol Ann Browne, que já tem a versão em português, que se chama Armas e Ferramentas. A tecnologia, e de modo geral temos falado muito mais da inteligência artificial hoje, e tantas outras tecnologias que estão vindo a partir daí, pode ser usada de duas formas: para o bem ou para o mal.

Falo em usar a tecnologia de uma maneira responsável, ética e respeitando a diversidade, sem vieses, endereçando as questões mais desafiadoras da humanidade: usar como uma grande ferramenta, habilitadora da economia de um país, como solução de problemas, sejam eles climáticos, sejam eles na área de saúde. Enfim, tem diversos exemplos. 

Mas, sem dúvida, a tecnologia pode ser usada, inclusive a inteligência artificial, para questões antiéticas, como, por exemplo,  em lugares onde não há democracia, você pode usar a tecnologia como um meio de controle. 

Temos que ter cuidado com algumas tecnologias, sem dúvida, por isso essa questão da regulação é importante, dando os princípios e as orientações. Então acho que o Brasil está nessa linha de olhar para a inteligência artificial e regular essa área de inteligência artificial de uma maneira principiológica positiva, esperando extrair dessa tecnologia o melhor que ela tem a oferecer. 

Mas, sem dúvida, precisamos ter esse olhar atento, esse cuidado de atuar. E aí eu acho que as empresas de tecnologia têm esse papel também de ter essa responsabilidade, de cuidar do desenvolvimento das suas soluções, de cuidar da evolução, do desenvolvimento dessa tecnologia, respeitando todos esses princípios éticos, respeitando a regulação, para que a gente garanta cada vez mais que haverá um mundo em que isso seja usado muito mais como ferramenta do que como arma.

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