O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com ares de movimento em favor da democracia no país. Na noite desta terça-feira (16) a cerimônia teve a presença de mais de 2 mil pessoas, incluindo aí as peças chave na política atual e futura da nação. Além de Jair Bolsonaro, que ficou ao lado das principais autoridades do Legislativo e Judiciário – entre eles o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, o presidente da Câmara, Arthur Lira e o presidente do STF, Luiz Fux - estiveram presentes outros quatro ex-presidentes: Lula, Dilma, Temer e Sarney. Do mundo político, também estiveram os outros ministros do STF, deputados, senadores e convidados.
O ponto alto da noite foi o discurso de Alexandre de Moraes - um claro recado ao ocupante da cadeira ao lado - o presidente da República. O novo mandatário do TSE defendeu as urnas eletrônicas, destacou o papel da Justiça Eleitoral na garantia do exercício da democracia no Brasil, a importância do combate à desinformação e disse que o sistema eleitoral é um orgulho nacional e um dos mais eficientes do mundo.
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“Somos 156.454.011 de eleitores aptos a votar. Somos uma das maiores democracias do mundo em termos de voto popular, estando entre as quatro maiores democracias do mundo. Mas somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia. Com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, disse.
Em outro momento, defendeu a democracia como uma construção coletiva de todos que acreditam na soberania popular. “E, mais do que isso, de todos que acreditam e confiam na sabedoria popular, que acreditam que nós, autoridades do Poder Judiciário, do Poder Executivo, do Poder Legislativo, somos passageiros, mas que as instituições devem ser fortalecidas, pois são permanentes e imprescindíveis para um Brasil melhor, para um Brasil de sucesso e progresso, para o Brasil com mais harmonia, justiça social, mais igualdade, solidariedade, com mais amor e esperança”, afirmou. "A cerimônia de hoje simboliza o respeito pelas instituições como único caminho de crescimento e fortalecimento da República. E a força da democracia como único regime político em que todo poder emana do povo, e que deve ser exercido pelo bem do povo", disse o novo presidente.
Em muitos desses momentos, o ministro foi aplaudido de pé, enquanto o atual mandatário do país assistia sem reação. Moraes foi enfático em suas falas na defesa da liberdade de expressão e no combate às fake news, ainda mais no período eleitoral.
"A Constituição Federal consagra o binômio 'liberdade e responsabilidade', não permitindo de maneira irresponsável a efetivação do abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado. Não permitindo a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio antidemocráticos, ameaças, agressões, violência, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Eu não canso de repetir, e obviamente não poderia deixar de fazê-lo nesse importante momento: liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, de destruição das instituições, da dignidade e da honra alheias", afirmou o Moraes.
Na plateia, Carlos Bolsonaro, filho e um dos assessores do presidente, acusado de ser um dos líderes do chamado gabinete do ódio, ouviu um outro trecho do discurso de Moraes, um recado a todos os candidatos nessa eleição.
"Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de direito – inclusive durante o período eleitoral. A plena liberdade do eleitor de escolher seu candidato, sua candidata depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral", afirmou o ministro.
Moraes enfatizou ainda como a Justiça Eleitoral vai agir em casos relacionados às redes sociais.
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"A intervenção da Justiça Eleitoral, como afirmei anteriormente, será mínima. Porém, será célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas e fraudulentas. Principalmente aquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as famosas fake news. E assim atuará a Justiça Eleitoral, de modo a proteger a integridade das instituições, o regime democrático e a vontade popular. Pois a Constituição Federal não autoriza que se propaguem mentiras que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições”.
A análise dos especialistas
Roberto Livianu, procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo e presidente do Instituto “Não Aceito Corrupção” esteve na posse de Alexandre de Moraes em Brasília. Para ele, a fala do ministro foi uma mensagem bastante clara em prol da democracia. “No sentido de dizer que não há a menor possibilidade de que não seja respeitada a vontade soberana do povo na urna eletrônica no dia 2 de outubro. Moraes assume o tribunal com essa pré-disposição de coibir as fake News”, analisa.
Ele avalia que ficou claro o respeito da classe política pelo papel do Tribunal e do ministro. “É muito perceptível a circunstância de termos uma presença maciça de todos os ministros do Supremo, da sociedade civil, de quatro ex-presidentes da República, de 22 governadores de Estado e dos candidatos. Uma presença vigorosa do país, no sentido de sinalizar que a democracia está viva, a cidadania está viva. E de que não se admite qualquer tipo de vacilo em relação ao Estado Democrático de Direito. As pessoas vieram para transmitir um recado claro: não se admite qualquer tipo de desrespeito ao sistema democrático”, afirma.
Livianu acredita que a posse funcionou como um complemento ao movimento em favor da democracia na Carta aos Brasileiros e Brasileiras lida em 11 de agosto no pátio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mas desta vez com a presença de Jair Bolsonaro. “Eu percebo uma sintonia, uma conexão entre as mensagens do 11 e do 16 de agosto. Cinco dias depois, a mesma mensagem é dita ao presidente da República que se fez presente. Ele foi tratado de maneira muito respeitosa por Alexandre de Moraes, que o cumprimentou e eles se sentaram próximos. Mas também foi digno de nota que o presidente da República não aplaudiu as mensagens que foram ditas por Moraes, enquanto que a plateia aplaudiu de pé. A postura do presidente era distinta, ele não reagia da mesma maneira. É um direito dele, mas foi discrepante”.
Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende que existem duas dimensões simbólicas na posse de Moraes frente ao TSE. A primeira é exatamente a presença de Bolsonaro, já que ele é um adversário político com um discurso de combate às decisões e postura do atual presidente do TSE. “Ou ele mudou de conduta ou foi convencido pelo núcleo da campanha que seria o momento de amainar esses ataques e tentar melhorar as relações com o Supremo. A presença de Bolsonaro pode ser lida como uma tentativa de distencionar o cenário institucional. Até porque vamos ter em breve um novo 7 de setembro e não se sabe o que pode ser proferido por parte de ações políticas do presidente da República”. Outra tem relação com o mundo jurídico. “O universo jurídico vive de símbolos e Moraes demonstrou prestígio e status na condição de ministro com a presença maciça de autoridades dos três poderes”.
Em relação à campanha eleitoral e notícias falsas, temas centrais da posse, o cientista político acredita que hoje há um preparo da Corte em relação às eleições de 2018 no combate às fake news. “O presidente e uma parcela dos bolsonaristas foram obrigados a ouvir tudo aquilo calados. O recado foi dado de maneira direta a quem promoveu ataques às urnas e ao sistema eleitoral. E à própria democracia”, afirma.
Para o cientista político André Pereira César a posse do ministro seguiu um roteiro já esperado. “O novo titular fez um discurso no qual sinaliza que a Corte não aceitará qualquer tipo de transgressão das regras vigentes e que defenderá o sistema eleitoral e a democracia a todo custo. Em suma, 2018 não se repetirá”, avalia.
César explica que as colocações de Moraes foram claras e cirúrgicas. “Entre outros pontos, ele defendeu as urnas eletrônicas e prometeu um combate ´implacável´ às fake news. Tudo sob os olhares do presidente Jair Bolsonaro (PL), fato esse carregado de simbolismo”.
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Mas fica, depois da cerimônia, uma questão importante. “Terá o TSE condições técnicas e políticas, em especial, de conter a avalanche que se desenha no horizonte eleitoral? Moraes ao menos se mostra disposto. Já é um bom começo”, analisa César.
É esperar pra ver os próximos capítulos dessa história. É certo que um dos fatos decisivos nesse xadrez entre a Justiça Eleitoral e os políticos deverá acontecer em 7 de setembro, nos 200 anos da Independência do Brasil.
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