Morte de dono da Caoa pode afetar contrato com Hyundai?

Contrato, que vai até 2028,  tem valor estimado em US$ 1 bilhão/Divulgação
Contrato, que vai até 2028,  tem valor estimado em US$ 1 bilhão/Divulgação
Descubra o que muda na disputa entre a distribuidora nacional e a montadora coreana.
Fecha de publicación: 17/08/2021

A morte do empresário Carlos Alberto Oliveira Andrade, dono da distribuidora Caoa, no último sábado (14) é mais um capítulo da disputa bilionária entre Caoa e Hyundai no Brasil. O embate envolve um contrato estimado US$ 1 bilhão (R$ 5,26 bilhões em 16 de agosto) e vem se arrastando desde 2018 na Justiça. Em julho, o Tribunal da Câmara de Comércio Internacional (ICC) em Frankfurt decidiu que a empresa brasileira tem o direito de continuar a importar com exclusividade e produzir os veículos da marca Hyundai até 2028, o que na prática impede os coreanos de rescindir o contrato.

Com a morte do empresário, a viúva, Izabela Andrade, que já tinha o controle acionário, passa a ser ainda mais decisiva no futuro da parceria. A pergunta que muitos analistas fazem neste momento é se há alguma brecha jurídica possível na questão que reconhecia Carlos Alberto Oliveira Andrade como administrador da parceria.


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“Não terá impacto para o contrato. A empresa segue sendo comandada por executivos profissionais. Depois da decisão, todos os negócios entre as duas empresas em relação aos veículos importados e nacionais têm prosseguido e continuarão a prosseguir normalmente dentro do conceito de parceria. A Caoa sempre atuou em cumprimento às suas obrigações contratuais, contribuiu significativamente para o crescimento exponencial da marca no país e pretende continuar a parceria de sucesso no Brasil”, afirma o comunicado da assessoria jurídica do escritório Mattos Filho, uma das firmas responsáveis pela mediação no Brasil e tribunais internacionais.

Segundo os advogados envolvidos, o caso foi decidido de acordo com o contrato celebrado, do comportamento das partes, da legislação aplicável e das provas produzidas ao longo da disputa contratual.

A mediação em Frankfurt foi presidida pelo alemão Klaus Sachs da CMS Legal. O brasileiro Gustavo Tepedino e o ex-presidente do Tribunal do TPI, John Beechey, do Reino Unido, participaram como co-árbitros. Representaram a Caoa os escritórios brasileiros Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados e Sergio Bermudes Advogados. A Hyundai teve assessoria da empresa coreana Kim & Chang.

“A decisão final prestigiou também a liminar obtida no Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve em vigor o contrato celebrado entre as partes”, diz a nota da assessoria do Mattos Filho.

Na liminar obtida na Justiça de São Paulo, que proibia a Hyundai de rescindir o contrato até a decisão do tribunal internacional, a firma Sergio Bermudes representou a Caoa nos tribunais. A Hyundai teve assessoria jurídica do Pinheiro Neto Advogados e de TozziniFreire Advogados.

Em audiência virtual do ano passado, o tribunal paulista concluiu que a Hyundai não apresentou provas que justificassem a mudança de renovação do contrato e os coreanos foram condenados a pagar 80% dos custos de arbitragem e taxas legais, além de reembolsar a Caoa o valor de US$ 2,3 milhões.

As questões contratuais

De acordo com advogados consultados por LexLatin, pela lei brasileira há a hipótese de que a morte do fundador possa repercutir no vínculo contratual. “No entanto, dificilmente prevaleceria este entendimento, ainda mais considerando que a maior acionista já era a mulher de Carlos Alberto Oliveira Andrade, e a administração já era realizada por outras pessoas”, avalia Vivianne Ferreira, especialista em direito dos contratos e professora da pós-graduação da FGV Direito SP.

O contrato entre as duas empresas foi firmado entre 2008 e 2018 e previa concessão de direitos exclusivos para distribuir veículos Hyundai importados no Brasil. O acordo foi regido pela lei coreana e previa uma renovação automática por mais dez anos: só poderia ser interrompido se houvesse alguma violação.

Mas em 2018 a Hyundai tentou rescindir o acordo - argumentando que a Caoa não cumpriu as cotas de compra e venda. No mesmo ano, a Caoa entrou com pedido de arbitragem, alegando que a marca coreana não tinha motivos para impedir a renovação.


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Fundada em 1979, a Caoa foi durante muitos anos uma concessionária da Ford, mas diversificou as operações ao se tornar importadora de carros Subaru e Hyundai. Em 2017, a distribuidora brasileira pagou US$ 60 milhões para formar uma joint venture com a montadora estatal chinesa Chery e ter o controle da marca no Brasil. Até o nome foi mudado para Caoa Chery.

Para os especialistas, esses tipos de contratos de distribuição são interessantes para a empresa principal, porque poupa recursos e ao mesmo tempo expande a linha de atuação, porque utiliza a rede do distribuição do país. Mas a partir do momento em que a marca está estabelecida no mercado, passa a ser interessante ter uma rede de distribuição própria.

“As empresas daqui pra frente já sabem que esta atitude exploratória, que é a utilização de uma rede de distribuição para se firmar no mercado e a partir daí oferecer uma distribuição própria, pode não vingar, dependendo de como o contrato é amarrado. A decisão arbitral deve ter pouca influência sobre outras decisões judiciais brasileiras, mas as próximas empresas que decidirem celebrar um contrato de distribuição nestes moldes podem alterar o desenho do contrato, para tornar mais claras as hipóteses de descumprimento do contrato”, explica Viviane Ferreira.

“É um caso delicado, porque o dono da Caoa era alguém bem relacionado no ambiente de negócios brasileiro. Isso pode deixar os coreanos preocupados. Estamos com uma debandada de montadoras saindo do Brasil. Começou pela Ford, depois a Mercedes, uma parte da Volkswagen. O Brasil deixou de ser um mercado interessante, porque passou a ser cara a fabricação, por causa do custo do país”, analisa Paulo Feldman, professor de economia da FEA-USP. “Pode até ser interessante para a Hyundai, na medida em que tem gente indo embora e menos concorrentes para dividir esse mercado”, avalia o professor.

Com a decisão, a Caoa continua tendo exclusividade na importação de modelos como o Santa Fe e o sedã Elantra, fabricados na Coréia do Sul. A distribuidora brasileira fabrica o IX35 e o Tucson em Anápolis (GO), além do caminhão HR. A Hyundai Brasil produz a linha HB20 e o SUV Creta em Piracicaba, no interior de São Paulo.


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Assessores jurídicos:

Tribunal de Frankfurt: Klaus Sachs (Alemanha): presidente. Co-árbitros: Gustavo Tepedino (Brasil) e John Beechey (Reino Unido). Secretário do tribunal: Marcus Weiler

Assessores da Caoa:

Sergio Bermudes Advogados. Sócios: Fabiano Robalinho Cavalcanti, Renato Grava Brasil e Caetano Berenguer. Advogados: Francisco Todescan e Gabriel Spuch.

Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados. Sócios: Flávio Spaccaquerche Barbosa, Ricardo Junqueira e Flávio Pereira Lima. Advogadas: Carolina Deluiz e Mariana Resende.

Assessores da Hyundai Motors:

Kim e Chang (após outubro de 2019). Sócios: Byung-Chol Yoon e Sae Youn Kim em Seul

Bae Kim & Lee (antes de outubro de 2019). 

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