As mudanças da nova reforma eleitoral

A relatora da PEC na Câmara indicou em seu texto a possibilidade de ações afirmativas em prol da eleição de negros e mulheres a cargos públicos/Cleia Viana/Fotos Públicas
A relatora da PEC na Câmara indicou em seu texto a possibilidade de ações afirmativas em prol da eleição de negros e mulheres a cargos públicos/Cleia Viana/Fotos Públicas
Proposta de emenda à constituição mantém tradição de mudar sistema eleitoral a cada ano ímpar.
Fecha de publicación: 12/08/2021

O Brasil é um país de agenda eleitoral extremamente regular e positiva: a cada dois anos, os mais de 140 milhões de brasileiros habilitados a votar comparecem a uma das mais de 500 mil seções eleitorais e escolhem seus representantes políticos em urnas eletrônicas. Outra regularidade nem tão positiva assim sobre as eleições brasileiras é a inconsistência do sistema eleitoral: há pelo menos uma década, os anos ímpares guardam tentativas do Congresso Nacional de mudar as regras de escolha dos representantes, em maior ou menor nível.

Mesmo sendo um ano atípico, marcado por pandemia e pressões do presidente Jair Bolsonaro contra as próprias eleições, o Congresso Nacional deu início a esta discussão. Nesta quarta-feira (11) e quinta (12), os deputados se debruçaram em uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que foi aprovada na segunda-feira (9) por uma comissão. A rapidez com que a discussão foi travada e as profundas mudanças no texto causaram desconforto entre parlamentares e críticas por especialistas.

Quem vem: ações afirmativas

A relatora da PEC na Câmara, deputada Renata Abreu (Podemos/SP), indicou em seu texto a possibilidade de ações afirmativas em prol da eleição de negros e mulheres a cargos públicos. Veja a íntegra do parecer levado a Plenário aqui.

A PEC aprovada pela Câmara busca incluir, nas regras da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) o peso em dobro dos votos recebidos por candidatas mulheres e negros, para fins das distribuições do fundo partidário de campanha. A ideia é incentivar este tipo de campanha - e principalmente, incentivar campanhas competitivas. Alguns deputados da oposição argumentaram que a proposta era tímida e chegaram a aventar a possibilidade de que um terço das cadeiras fossem reservadas às mulheres. 

Ao final, a proposta foi bem recebida. “Esse incentivo para que os partidos tenham mais mulheres na política, que elejam mulheres, com certeza, vai ter uma repercussão, em longo prazo, incrível para nós”, disse a deputada Vivi Reis (Psol/PA).


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Quem volta: coligações partidárias

Apelidado de “o mal menor” pelos parlamentares, a proposta de retorno das coligações ao sistema eleitoral brasileiro das coligações partidárias - a união estratégica entre partidos durante o período eleitoral, que pode ser desfeita após as eleições. A regra que previa o fim das coligações foi aprovada em 2017 e passou a valer para 2020 - se a atual PEC for aprovada até o início de outubro, as coligações voltam já em 2022.

A proposta de retorno às coligações foi aprovada em um destaque - votação separada do texto - após a aprovação da proposta principal. 333 deputados foram favoráveis, e 149 contrários. “Isso vai permitir termos grupos que participem juntos da eleição e da legislatura, superando o principal defeito da coligação, que permitia até mesmo grupos antagônicos aliançados na eleição”, defendeu o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP). 

“É muito importante entendermos que isso vai completamente contra a lógica das eleições proporcionais. A eleição proporcional prioriza a questão da identidade, da identificação do eleitor com o partido. A volta da coligação fará você colocar lá um partido de esquerda com um partido de direita, um partido que pensa A com um partido que pensa B”, rebateu por sua vez Paulo Ganime (Novo/RJ).

Quem vai: o distritão e o voto preferencial

A votação da reforma política estava planejada para esta quinta-feira, mas foi adiantada em um dia por pressão de líderes partidários. A medida pegou a maior parte dos partidos de surpresa, e ao menos dez deles anunciaram que iriam obstruir a votação, e tentaram obstruir a votação.

O motivo principal era a tentativa de passar o chamado “distritão”, onde apenas os votos diretamente no candidato (e não os proporcionais dados às siglas) seriam válidos na eleição para cargos como deputado. Wederson Advincula, sócio do Moura & Siqueira Advogados Associados e que participou das discussões da comissão da reforma política, aponta os problemas que a proposta possui: ela fragiliza os partidos, promove a fragmentação das bancadas que se formam no Legislativo, e inutilizaram um grande número de votos (destinados a candidatos que, no fim, não seriam eleitos). “Diversos cientistas políticos foram chamados para o debate”, rememora Wederson, e “nenhum deles era a favor do distritão”.

Foi para evitar a formação do que alguns deputados chamaram de “513 partidos diferentes”, os deputados derrubaram a proposta, por 35 votos favoráveis, 423 contrários e quatro abstenções.

Outra mudança rejeitada pela PEC, já nesta quinta-feira, é o “Voto Representativo”, que vem sendo introduzido em locais como a eleição municipal de Nova York. Neste sistema, pensado para as eleições de prefeito, governador e presidente, o eleitor deve votar em vários candidatos, por ordem de preferência. Os votos são contados em sucessivas rodadas de contagem de voto, de acordo com a sua colocação nas preferências dos eleitores.


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Questionei Renata Abreu se a ideia - que chegou a ser criticada em Nova York por conta da demora na contagem de votos e na dificuldade em se entender o que ocorria - seria bem aceita no Brasil. A deputada disse que, além da diferença do voto eletrônico utilizado no Brasil ajudar a acelerar a apuração, o sistema brasileiro prevê apenas cinco escolhas, o que diminui as rodadas de apuração."Na verdade, o eleitor já vota em vários. Você imagina que hoje ele volta para prefeito, para vereador, na eleição nacional ele vota em dois senadores, num presidente da República, num deputado federal, num deputado estadual, então na prática não vejo dificuldade."

Wederson Advincula, que também integra a Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz que, em sua opinião, o principal desafio de todas as reformas não é a maneira correta de se escolher candidatos, mas sim fazer o eleitor confiar no seu sistema eleitoral. 

O problema da falta de confiança do eleitor em seu sistema seria mundial, e deveria passar por medidas do Parlamento brasileiro para melhorar a relação do eleitor com este momento de escolha.

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