Um dos passos mais relevantes dados pela república brasileira pós-1988 foi a instituição de regras claras para o manejo dos recursos naturais da nação. O esforço concentrado gerou frutos como o Código Florestal, que completará dez anos em maio de 2022. As previsões do texto, já aplicadas há alguns anos no país, podem passar por novas alterações em breve, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo.
No Congresso Nacional, os parlamentares se articulam para permitir a regularização de edifícios às margens de cursos e corpos d'água em áreas urbanas. Já no poder Judiciário, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) se prepara para fixar uma tese a respeito da retroatividade dos efeitos da Lei.
Leia também: O que vai acontecer com a Prevent Senior após o fim da CPI da Covid?
As movimentações do Congresso Nacional e da Corte superior sobre o tema demonstram que o país avança na questão. “O Brasil tem legislação madura e em evolução”, afirma Douglas Nadalini, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra e especialista em Direito Ambiental. “Temos legislação abrangente e detalhista, com repartição de competências entre União, Estados e Municípios e mecanismos de controle e fiscalização para reprimir infrações, administrativa e/ou judicialmente.”
O Senado Federal aprovou, na semana passada, o PL (Projeto de Lei) 2510/2019, que transfere para os municípios a responsabilidade por definir as chamadas APPs (áreas de proteção permanente). A ideia, que o senador Eduardo Braga (MDB-AM) definiu como existente desde o início da discussão do Código Florestal busca agilizar a regulamentação de imóveis em margens de rios - que estariam em conflito com a norma federal. O texto voltará para a Câmara dos Deputados para uma votação final.
A proposta de permitir a regulamentação em âmbito municipal preocupou membros de diversos partidos. José Aníbal, do PSDB de São Paulo, disse que teme pela capacidade de órgãos municipais resistirem à pressão de grandes investidores - algo que o âmbito federal poderia tratar de maneira mais soberana, em sua visão.
Havia ainda medo em relação ao que o próprio Congresso pode fazer ao texto. “Não há nenhuma segurança de que esse projeto vai ser mantido na Câmara dos Deputados e a não manutenção desse projeto tira dele o que houve de mais significativo no processo legislativo”, advertiu o senador, “que foi a discussão abordando vários aspectos e chegando a essas mudanças que não resolvem tudo, mas que indicam um propósito de convergência em favor da sustentabilidade e da preservação dos mananciais.”
Do STJ, é esperada uma ação futura: os dez ministros da 1ª Seção se preparam para fixar a tese do tema 1062 - a possibilidade de se reconhecer a retroatividade de normas não expressamente retroativas do novo Código Florestal. No REsp (Recurso Especial) 1.731.334, um dos dois processos atacados pela Corte superior, a área de floresta foi legalmente transformada em estacionamento pelo proprietário do imóvel rural.
Neste caso, o Ministério Público argumenta que a aquisição de terras, por mais que tenha sido feita durante a vigência do Código Florestal de 1973, não seja aplicada ao caso. Até o momento, os casos - ambos vindos do Tribunal de Justiça de São Paulo - ainda não têm decisões da Corte - mas interrompem toda a discussão do tema no Judiciário brasileiro desde setembro de 2020. O julgamento, marcado para começar nesta quarta-feira (20), tem relatoria da ministra Regina Helena Costa.
Veja também: Empréstimo via Pix aumenta campo de ação dos agiotas no Brasil
Nadalini, o sócio da área ambiental, entende que, apesar de o Brasil ser dependente do agronegócio, a aplicação do Código Florestal pode ser benéfica ao setor. “Quanto mais clara uma lei e mais estável sua aplicação (sua interpretação), melhor para o desenvolvimento de qualquer negócio, inclusive para o agronegócio”, defende. “O ‘custo Brasil’ é minorado quando sabemos as leis que devem ser seguidas e como devem ser cumpridas no desenvolvimento de uma atividade.”
Nadalini, no entanto, argumenta que o Congresso Nacional não flexibilizou as normas do Código Florestal. “O poder Legislativo, cumprindo sua função institucional democrática, constatou uma anomalia no Código Florestal, decorrente de tortuosa e desconexa interpretação, e propôs alteração legislativa para corrigir e evoluir seu texto”, diz. Não teria havido, em sua visão, retrocessos. “Retroagir normas é tornar o passado incerto. Já não basta o futuro?”, explica.
Add new comment