Multifamily: residencial para renda é aposta do setor imobiliário brasileiro em 2023

“Se olhar para o mercado de locação dos Estados Unidos, 42% é multifamily. No Brasil, se tiver 1% hoje é muito”/Canva
“Se olhar para o mercado de locação dos Estados Unidos, 42% é multifamily. No Brasil, se tiver 1% hoje é muito”/Canva
Grandes fundos de investimento aportam no Brasil com proposta de gestão profissional para empreendimentos inteiros voltados ao mercado de locação imobiliária residencial, a partir de serviços diferenciados e preços competitivos com o mercado tradicional.
Fecha de publicación: 24/01/2023

Se o setor imobiliário brasileiro em 2022, inclusive o de escritórios, superou as incertezas provocadas pela pandemia, o aumento da inflação em todo mundo, agravado pela guerra na Ucrânia, e a consequente alta nas taxas de juros fez com que o ano tivesse resultados positivos, porém inferiores ao anterior. Para 2023, há ainda mais incertezas no ar, relacionadas à mudança de governo e, especialmente, ao risco fiscal do país – outro fator a pressionar as taxas de juros. Há um segmento, contudo, que boa parte do mercado acredita estar maduro para ser a grande estrela deste ano: os multifamily ou, como são mais conhecidos no Brasil, as propriedades de residencial para renda.

“A gente sempre sofre quando tem alta de juros e inflação. Da ponta do investidor, porque ele olha aquele negócio que é imobiliário, com um monte de liability (assunção de responsabilidades) envolvida, versus colocar esse dinheiro num papel que te paga juros excelentes e é só ficar esperando acontecer (com risco muito baixo, em geral atrelado ao risco país, ou seja, só factível mediante inadimplência, ou na linguagem do mercado, de um default). Da ponta do consumidor é terrível, porque com inflação, o custo de construção fica altíssimo e o financiamento fica pouco atrativo”, diz Janaína Vargas, sócia do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. 

Marcelo Tapai, do Tapai Advogados, chama atenção para o risco do aumento de distratos e a consequente devolução de unidades compradas nos últimos anos, em um cenário de juros baixos: “A pessoa compra um imóvel na planta, com o cenário daquele momento, só que ela vai receber o imóvel depois de dois ou três anos. Então, toda a conta que ela faz é com base naquele cenário de Selic de 2% e taxa de juros de financiamento de 4% ou 5%. Se a inflação dispara de forma descontrolada, como aconteceu nesses últimos meses…”

Sobre o cálculo de riscos do investidor, Raphael Espírito Santo, sócio da área de Direito Imobiliário do Veirano Advogados, exemplifica: “Você tem juros a 2%, consegue uma transação que dê um retorno de 7% ao ano e ela é viável. Aí sai um monte de transação. Agora, com juros a 14% e chega uma transação que dá retorno de 7%, por que vai investir? Aí tem que achar uma transação que dê retorno de 20% ou 25%.”


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Living as a service

É com essas condições, como completa Pablo Queiroz, sócio de Negócios Imobiliários do TozziniFreire, que aportarão com maior peso, no Brasil, os maiores operadores de residencial para renda. Estes são grandes fundos de investimento com atuação internacional e que compram torres residenciais inteiras para alugar para pessoas físicas, em um conceito de “living as a service”, ou seja, com serviços associados à locação. Algo parecido com os flats ou apart hotéis, que já foram mais populares no Brasil décadas atrás, mas que, por uma questão de custo muito superior ao de um condomínio comum, ficaram restritos a quem tinha maior poder aquisitivo.

Contudo, a proposta agora é diferente, com rígida gestão de custos para ter capacidade de competir com o mercado tradicional de locação e atender mesmo a classe média brasileira. “Se olhar para o mercado de locação dos Estados Unidos, 42% é multifamily. No Brasil, se tiver 1% hoje é muito”, dimensiona Janaína Vargas. O padrão é “quase de hotelaria”, aponta Pablo Queiroz: “Inclusive, o mercado de hotelaria sofreu um pouco e acabou sendo fornecedor de mão-de-obra para esse segmento. Esse é um mercado que pode trazer uma nova dinâmica para negócios imobiliários.”

“Esse mercado, ainda sem qualquer tipo de desenvolvimento no Brasil, é algo que a gente vê aqui com boas oportunidades”, confirma Raphael Espírito Santo, que também ainda aponta o segmento de logística como muito promissor, apesar do boom pelo qual passou durante a pandemia e da expansão do e-commerce. O setor de shoppings e até o de escritórios, que muitos julgaram morto pelo home office, já voltou a níveis pré-pandemia. O mesmo se espera que aconteça com o setor hoteleiro neste ano.

Tudo isso tem acontecido muito rápido na cidade de São Paulo, com o Rio de Janeiro voltando a entrar no radar dos investidores e o interior do país movimentado pelo dinheiro do agronegócio. O residencial para renda ainda carece, no entanto, de regulamentação que permita, por exemplo, a locação por período inferior a 30 meses, como determina a atual Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991). O que os operadores fazem hoje é incluir nos contratos a permissão para cancelamento sem multa, por parte do locatário, após os primeiros 12 meses.

Minha Casa Minha Vida

Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP, a advogada Kizzy Motta avalia que “o mercado vai ficar instável, durante um tempo, mas que a perspectiva é boa”. Olivar Vitale conta que o escritório do qual é sócio, o VBD Advogados, passou os primeiros sete meses de 2022 fazendo muitas aquisições de terreno para a produção: “E os últimos quatro desfazendo. Mas o mercado brasileiro é fênix. O brasileiro está tão acostumado a cair e levantar que sempre vai ter gente produzindo, sempre vai ter gente com dinheiro procurando o que está performando.”

“Sempre vai ter algum segmento”, completa André Abelha, do Longo e Abelha Advogados e presidente do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário). Ele cita como exemplo o programa governamental voltado para a baixa renda, atualmente conhecido como Casa Verde Amarela, mas que deve voltar a ser chamado de Minha Casa Minha Vida: “Esse programa habitacional, é um baita estímulo ao mercado de construção como um todo.”

A opinião é quase unânime entre os entrevistados. Em todo caso, Abelha não vê o setor de construção civil parado. “O volume de vendas superou o número de lançamentos, então você tem uma redução de estoque de mercado. É ruim quando você tem um estoque de unidades aumentando. E a sensação geral é que isso se mantém sim. Os incorporadores não têm ninguém travando o empreendimento, ninguém segurando o empreendimento com medo de não conseguir desaguar”, avalia.

A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), organização que tem entre seus objetivos o apoio ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) registraram, em 12 meses, até o final de agosto de 2022, 147 mil unidades lançadas e 156 mil vendidas. O gráfico abaixo mostra como, desde abril, as unidades vendidas têm superado as lançadas.


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Brasil, terra de oportunidades

Como lembra Olivar Vitale, a construção civil funciona com um ciclo de produção longo: “Da ideia de um projeto desenhado até aprovação, execução e entrega da unidade, nós temos aí mais ou menos 48 meses, às vezes até 60.” Assim, o setor não é dos mais rápidos a acelerar para surfar as boas ondas da economia, nem para desacelerar diante de crises. A Keller Williams, uma das maiores agências imobiliárias do mundo, fundada em 1983, nos EUA, talvez não de olho nas perspectivas de curto prazo, mas na resiliência do mercado brasileiro no longo prazo, acaba de fechar, em 2022, seu primeiro ano no Brasil.

“A gente entendeu que, mais do que um negócio, era uma oportunidade de reinventar um setor no Brasil que conheço já de algum tempo”, explica José Roberto Federighi, empresário que trouxe a marca para o Brasil. Ele diz que nasceu em imobiliária, mas estava em um período de quatro anos sem poder atuar no setor, morando fora do país, depois que deixou o cargo de CEO da Brasil Brokers. Foram 7 anos nessa empresa, após ela ter comprado a imobiliária que ele havia fundado quase 30 anos atrás.

“Independentemente do que vai acontecer nos próximos dois, três ou quatro anos, a gente está olhando para 20, 30 anos. O Brasil, depois de eu morar cinco anos na Europa, tem uma diferença absurda em termos de oportunidade e de capacidade de geração de dinheiro. Apesar das turbulências, o Brasil continua sendo um país sensacional para qualquer tipo de investimento”, avalia. A meta dele é, até o final de 2023, saltar do primeiro para 6 escritórios e, ao final de uma década, chegar a 200 escritórios, com 20 mil consultores, só em São Paulo.

Futuro com menos burocracia e mais tecnologia

Sobre alterações legislativas significativas no ano, André Abelha cita a Lei 14.382/22, a Lei do SERP (Sistema Eletrônico de Registros Públicos), que ainda deve levar mais um tempo para surtir efeitos, mas caminha no necessário sentido de reduzir a burocracia no país: “A ideia é que daqui a algum tempo qualquer certidão a gente consiga obter num tempo extremamente curto, para servir de exemplo inclusive para outros países”.

O SERP deve ser implantado até 31 de janeiro de 2023. A partir dessa data, os oficiais de registro estarão dispensados de imprimir certidões civis ou de títulos. As certidões eletrônicas devem ser feitas com o uso de tecnologia que permita ao usuário imprimi-las e identificar sua autenticidade a partir de critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O famoso “custo Brasil”, causado pelo excesso de burocracia local, serve como freio aos negócios tanto com imóveis quanto com qualquer outra atividade econômica no país.

Abelha também aponta, como “outra coisa tem mexido com o mercado”, a tokenização imobiliária, com a transformação dos ativos imobiliários em criptoativos. Para Kizzy Motta, “a ideia é democratizar o mercado imobiliário. Mas o mercado do ponto de vista de investimento, não exatamente de compra e venda para uso próprio. Não precisa comprar um móvel inteiro, compra um ativo. Então, um ativo pode ser dividido em vários pequenos pedaços, dentro do blockchain.”

A quantidade de explicações que os conceitos acima mencionados ainda demandam, contudo, talvez deixe claro que as mudanças que eles podem provocar ainda não estão maduras o suficiente para causar grandes impactos no setor imobiliário em 2023.

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