O futuro do voto será no papel - ou no celular?

Durante o primeiro turno das eleições deste ano, em 15 de novembro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) visitou um colégio eleitoral em Valparaíso de Goiás, nos arredores da capital federal, para acompanhar uma demonstração de métodos que podem ser adotados para eleições futuras / Flickr
Durante o primeiro turno das eleições deste ano, em 15 de novembro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) visitou um colégio eleitoral em Valparaíso de Goiás, nos arredores da capital federal, para acompanhar uma demonstração de métodos que podem ser adotados para eleições futuras / Flickr
Enquanto presidente ainda critica voto eletrônico, TSE passa a considerar o blockchain
Fecha de publicación: 01/12/2020
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Enquanto saía do seu local de votação no Rio de Janeiro, durante o segundo turno realizado neste domingo (29), o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a criticar, em frente às câmeras, o processo eleitoral brasileiro do qual tinha participado minutos antes. 

Entre as críticas – todas elas carecem historicamente de prova – estaria uma defesa da volta do voto impresso: para o presidente, as urnas, por serem eletrônicas, não seriam auditáveis, e o eleitor não poderia ter certeza de quem votou (o TSE dispõe de métodos públicos de auditamento).

A proposta que o presidente tem ao processo de votação é um sistema próximo ao voto impresso: ao votar na urna, o eleitor imprimiria uma versão de seu voto, que iria para uma urna física, ao lado da máquina. A ideia é defendida por Bolsonaro desde o início da década, quando ele era ainda um deputado federal. Depois que ele deixou o parlamento para assumir a chefia do Estado, ao menos outras seis propostas foram apresentadas por sua base aliada sobre o tema. 

Duas delas são Propostas de Emenda à Constituição (PEC) para que "seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria". Uma delas pede a criação de uma "Frente Parlamentar Mista pela contagem pública dos votos", enquanto o deputado Hiran Gonçalves busca alterar, por meio de lei, as normas para as eleições de maneira a se permitir a "recontagem física". 

Até hoje, não foram apontadas fraudes nas urnas eletrônicas brasileiras, que são consideradas um exemplo de rapidez na apuração. A Justiça Eleitoral, inclusive, vai em sentido contrário ao retorno do voto impresso.

Durante o primeiro turno das eleições deste ano, em 15 de novembro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, visitou um colégio eleitoral em Valparaíso de Goiás, nos arredores da capital federal, para acompanhar uma demonstração de métodos que podem ser adotados para eleições futuras. Chamadas de "Eleições do Futuro", o experimento – também realizado em São Paulo e Curitiba – apresentou diversos modelos de avanço, permitindo por exemplo uma votação pela internet ou pelo celular.

Barroso disse que a hipótese de voto se valendo de tecnologias como o blockchain – que já é uma realidade em sistemas como o bancário – pode ser adotada tão cedo quanto no próximo ciclo eleitoral, daqui a 23 meses. “A aplicabilidade ou não de um novo modelo em 2022 vai depender da segurança que possamos ter com as alternativas oferecidas. Nós temos um teste triplo: segurança, sigilo e eficiência", disse Barroso na ocasião. "Se algum dos modelos se mostrar confiável, imagino que sim, já possamos implantar em 2022.”

O TSE garantiu que os novos modelos, por mais descentralizados que sejam, ainda sim seriam auditáveis e seguras, capazes de gerar um resultado rápido e mais barato às votações. Em um comunicado publicado dias antes das demonstrações públicas, o tribunal buscou lembrar que, por mais que empresas estrangeiras estejam envolvidas na discussão, a soberania do país estaria resguardada. "Não está em discussão a possibilidade de o TSE abrir mão do controle do sistema de votação, que está e continuará sob o comando do Tribunal Superior Eleitoral", defendeu o Tribunal em um comunicado.

Para Flávio Henrique Costa Pereira, que coordena o Departamento de Direito Político Eleitoral do BNZ Advogados, o processo eleitoral passa por constante evolução, no mundo todo. Flávio considera que a conferência do voto impresso é um caminho importante para melhorar a sensação de segurança da população. "Hoje, a falta de possibilidade de auditar os votos já impregnou na sociedade brasileira uma desconfiança que precisa ser amainada", disse. Para ele, "é de se pensar não só na segurança em si do sistema de votação, mas também, e principalmente, a transparência e segurança do eleitor."

O advogado constitucionalista e sócio do Almino Afonso & Lisboa  Advogados Associados, Almino Afonso Fernandes, tem visão oposta do tema. "Qualquer alteração que se faça atualmente no sistema eleitoral vigente representará grande retrocesso, até porque o Brasil ostenta, indiscutivelmente, o melhor e mais eficiente sistema eleitoral do mundo, não só pela celeridade na coleta e apuração dos votos, mas sobretudo pelo segurança das urnas eletrônicas", disse. Entre os problemas por ele para um voto impresso apontados estão a possibilidade de corrupção e da quebra do sigilo.

Quando o assunto é a possibilidade de avanços no método de votação, Fl'vio aponta que, havendo a necessária segurança, um hipotético voto por celular poderia estimular a participação cidadã no processo eleitoral. O advogado argumenta, entretanto, que não estamos prontos para isso. "Aplicar o voto pelo celular permitiria a quebra do sigilo do voto, o que seria grave. Em comunidades controladas pelo tráfico ou pelas milícias, por exemplo, teríamos um controle absoluto do voto das pessoas que vivem nos territórios por estes controlados, através de simples aplicativos desenvolvidos e inseridos nos aparelhos celulares", listou. "Primeiro, precisamos cuidar que o Estado esteja presente em todo o território nacional."

Almino considera inevitável que um dia adotemos tais mecanismos. "Em um primeiro momento pode até parecer utopia, mas o tempo irá mostrar que o sistema eleitoral avançará em sintonia com o desenvolvimento tecnológico", comentou.

O TSE parece disposto a não recuar. Enquanto visitava as demonstrações em Goiás, Barroso se mostrou cético a um retorno para o papel. “Não podemos ter medo da modernidade. Não podemos retroagir à cédula impressa. Já descartamos essa possibilidade. Todo candidato que perder vai pedir verificação dos votos eletrônicos com as cédulas de papel e o processo eleitoral vai deixar de ser simples e seguro”, afirmou.

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