O golpe dos OnlyFans falsos e o crime de violência contra a mulher

“Queridas, boa tarde. Gostaria de pedir seu apoio para denunciar esse perfil do IG que roubou minhas fotos, nome e informações para supostamente vender conteúdo sexual 'explícito'”, denuncia M.O./Robin Worrall - Unsplash
“Queridas, boa tarde. Gostaria de pedir seu apoio para denunciar esse perfil do IG que roubou minhas fotos, nome e informações para supostamente vender conteúdo sexual 'explícito'”, denuncia M.O./Robin Worrall - Unsplash
Delito inclui roubo de conta e de identidade e é aplicado há pelo menos dois anos em seis países.
Fecha de publicación: 01/04/2022

Começa com 'eu sou', seguido do nome de uma menina que temos adicionada às nossas redes sociais e inclui uma promessa de fotos explícitas e um convite para uma conta 'OnlyFans' — a plataforma digital de conteúdo erótico que funciona como uma rede social 'on demand'— criada, supostamente, por ela. Termina com uma página que captura os dados bancários do usuário interessado na oferta. Essa forma de phishing, que começa com uma conta fake de Facebook, Instagram ou Twitter, envolve outros crimes que vão desde o roubo de identidade até a violação da imagem e honra da pessoa sobre a qual o serviço é promovido. 

Essa forma de violência digital contra as mulheres se tornou uma tendência nos últimos meses no México, conforme indicado por denúncias em mídias sociais como Instagram e Twitter.

M.O.: “Boa tarde. Gostaria de pedir seu apoio para denunciar este perfil do IG que roubou minhas fotos, nome e informações para supostamente vender conteúdo sexual 'explícito'”. 

Esses crimes foram cometidos inicialmente no Canadá, Estados Unidos, Tailândia, Reino Unido e França, em meados de 2020. Naquela época, o perverso clickbait levava a sites criados com Wix, todos com uma interface muito semelhante à plataforma do OnlyFans. Uma vez lá, era possível ver o vídeo de uma mulher se masturbando, sem mostrar o rosto, dando a impressão de que era a pessoa cuja identidade havia sido clonada.  

As plataformas onde essas práticas criminosas foram desenvolvidas em 2020, assim como os casos mais recentes relatados principalmente no México, possuem formas de denunciar conteúdo abusivo ou roubo de identidade. O problema deste lado do hemisfério surge quando se tenta lidar com o caso por meios criminais. A humilhação fecha o círculo. Quando as pessoas denunciam o ocorrido, as autoridades apresentam uma série de argumentos e atitudes mostrando que elas não estão suficientemente capacitadas para lidar com tal denúncia. 


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A pior parte: faltam dados (e educação digital)

Por enquanto, não há dados que tenham estudado especificamente a modalidade. Alguns relatos ajudam a vislumbrar o contexto. Entre o ano passado e este ano, o México está entre os três primeiros países com maior número de ataques cibernéticos na América Latina, segundo organizações como Estadista, Metabase Q e Fortinet.

Esta última empresa, especializada em segurança cibernética, registrou um recorde de 60,8 bilhões de tentativas de ataque de janeiro a setembro de 2021. Essas tentativas, não especificamente sob a modalidade descrita, segundo o Banco de México (BdeM), constituíram uma das maiores ameaças contra instituições financeiras durante a pandemia. 

"(...) Passaram de menos de 5.000 por semana, em fevereiro de 2020, para mais de 200.000 nesse período no final de abril de 2021", detalha a entidade em seu último relatório de estabilidade financeira

Esse contexto virtual constitui um lugar muito inseguro para as mulheres. Os dados coletados ao longo de uma década pela Rede de Meios de Comunicação da Austrália fornecem uma pista, mostrando que as mulheres são 50% mais propensas a serem vítimas de roubo de identidade do que os homens. Embora distantes no tempo e no espaço, essas informações retornam como eco nas denúncias que notamos em manuais e guias articulados principalmente pela sociedade civil. Por exemplo, a Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de seu white paper A Cibersegurança das Mulheres durante a pandemia de Covid-19 nos mostra como a lacuna no ambiente virtual nos coloca em desvantagem e, portanto, nos torna um alvo fácil para ataques cibernéticos. 

Além disso, até 2020, a União Internacional de Telecomunicações revelou que menos da metade das mulheres no mundo tinham acesso à Internet, contra 55% dos homens que podiam acessar esse espaço. A essa lacuna de 17% deve-se somar a conectividade ruim e – a pior parte – um baixo nível de habilidades de segurança digital. Tudo isso se torna o combo perfeito da falta de proteção. 


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Não há livre circulação de mulheres no espaço virtual 

Grecia Macías
Grecia Macías

No LexLatin nos concentramos em revisar a segurança cibernética das mulheres, por isso contatamos Grecia Macías, advogada da Rede em Defesa dos Direitos Digitais (México) e Fátima Toche, counsel da Iriarte & Abogados (Peru). Macías é advogada especializada em direitos humanos e tecnologia; Toche é advogada especializada em direito digital, propriedade intelectual, cibercrime e telecomunicações. 

Atenta a esta crescente onda de reclamações, Grecia Macías considera oportuno manter à mão instrumentos jurídicos e não jurídicos para lidar com este tipo de evento. Embora relembre que, em geral, as mulheres que lidaram com esse tipo de crime “só querem que a conta seja derrubada dessas plataformas e não realizam nenhum outro procedimento legal”.

Isso é compreensível, principalmente quando não há muitas autoridades capacitadas ou o uso efetivo de marcos regulatórios sobre o assunto. 

“O Estado deve analisar as diversas manifestações da violência digital e entender que a violência de gênero se replica nos espaços digitais, o que implica, por sua vez, compreender as causas dessa violência e realizar uma abordagem preventiva a esses comportamentos. Devemos analisar criticamente a legislação que temos e buscar soluções que não se concentrem apenas no punitivo”, explica a advogada. 

Fátima Toche
Fátima Toche

Segundo Fátima Toche, esse contexto de violência limita as capacidades das mulheres e, portanto, o pleno exercício dos direitos humanos, principalmente no que se refere à liberdade de expressão. 

“O anonimato, a normalização do agressivo, a falta de rigor com que esses comentários e comportamentos são avaliados e moderados, bem como a ausência do Estado nessa área, tornam esses espaços virtuais hostis às mulheres. Enquanto as estruturas sexistas e desiguais não mudarem em nossas sociedades, a violência seguirá as mulheres em todos os espaços. Na América Latina essas dinâmicas funcionam de forma homogênea, infelizmente”. 

Mudar o contexto da ciberviolência

Ambas as advogadas apontam três frentes fundamentais para melhorar essa realidade: a regulamentação de aplicativos, o uso de regulamentações ou a técnica para desenvolvê-la e a prevenção.

 

Em novembro de 2021, Vicente Alberto Onofre Vázquez (Morena), legislador mexicano, propôs reformas no Código Penal Federal para punir o roubo de identidade por qualquer meio. Sua proposta incluía uma pena de 10 anos de prisão para quem cometer o crime. 

Essa discussão, registrada como a mais recente sobre o assunto no âmbito legislativo, não contempla o alerta que desenvolvemos aqui. Nem o fato de já ser possível —através da Lei de Proteção de Dados Pessoais, a Lei de Dados em Posse de Pessoas Físicas e a Lei de Sujeitos Obrigados, como nos explica Grecia Macías — atender as centenas de casos de uso não autorizado de fotografias, onde não apenas os dados bancários dos usuários são fraudados e violados, mas também a imagem e reputação de centenas de cidadãos que procuram circular livremente na Internet.  

Fátima Toche alerta que embora este problema já esteja no radar das organizações de alto nível, o que se tem resolvido a este respeito ainda é limitado.

“A esse respeito, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que, no ambiente digital, o princípio da não discriminação obriga o Estado a 'garantir que todas as pessoas — especialmente aquelas que pertencem a grupos vulneráveis ​​ou que expressam opiniões críticas sobre assuntos de interesse público – podem divulgar conteúdos e opiniões em igualdade de condições'. No entanto, ao proteger esse direito, tanto os Estados quanto as empresas que administram aplicativos e redes sociais devem tentar não violar de forma desproporcional ou injustificada o direito à liberdade de expressão de outras pessoas, o que gera um grande dilema que ainda não tem respostas claras. 

Por sua vez, Grecia Macías evoca o senso crítico que deve ser usado quando se trata de iniciativas legislativas que negligenciam um aspecto essencial como a prevenção. 

“Devemos ser críticos sobre a legislação sobre esse tipo de comportamento e a má técnica legislativa com que esses crimes são tipificados. Ela, em especial, não leva em consideração que já existem outros crimes que enquadram as condutas discutidas e que também, no direito penal, essa não é a única solução para poder atender às necessidades das vítimas. Uma abordagem preventiva é cuidar da segurança digital. Por exemplo, desde ter uma senha forte e verificação em duas etapas até estar ciente de páginas falsas ou de phishing que buscam comprometer nossas contas ou dispositivos.

O desafio de educar e conscientizar sobre os riscos potenciais do ambiente digital, como aponta Toche, deve ser promovido, por enquanto, por conta própria. Para isso, é vital cuidar da pegada digital que deixamos na Internet. Não evite transitar, mas tome cuidado.

 

Plataformas como Denuncia.org, da organização Impunidad Cero; publicações como o Guia de Segurança Digital para feministas autogestionárias da organização 'Safe Hub Collective' e o Manual de Segurança Digital: Kit de Ferramentas para uma Internet feminista, da jornalista e ativista brasileira Larissa Saud, são iniciativas para começar a abordar nossa segurança e salvaguarda nossa integridade contra um tipo de violência, na prática, invisível.

*Infográfico elaborado por Miguel Loredo e Jhosanna Pacheco.

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