A visita do presidente Lula à China e o fechamento de 20 acordos bilaterais nas áreas de tecnologia, inovação e desenvolvimento sustentável reforça uma relação com o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 e impõe uma série de questões jurídicas a serem discutidas num momento posterior e essa celebração de novas parcerias com o gigante asiático. Uma das pautas importantes tem relação com a proteção da propriedade intelectual (PI) de produtos brasileiros no mercado chinês.
Na relação entre os dois países, um ponto importante a ser considerado, segundo os especialistas consultados pela LexLatin, é a importação de produtos falsificados dos asiáticos, principalmente roupas, eletrônicos e produtos farmacêuticos. Hoje, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), quase dois terços dos produtos piratas vendidos por aqui vêm da China, especialmente eletrônicos e autopeças. Essas mercadorias entram no Brasil principalmente através das fronteiras terrestres da Bolívia, Paraguai e Guiana Francesa.
E esse é um mercado que afeta a produção nacional. Uma estimativa de 2020 do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP) mostra que houve perdas em pelo menos 15 áreas da indústria por conta da venda de falsificação de produtos. O valor chega a US$ 40 bilhões (R$ 196,8 bilhões).
Mas a China tem tomado outros rumos nos últimos anos. A potência econômica que antes copiava, sem respeitar direitos autorais, agora cria tecnologia. Hoje, os chineses recebem o maior número de pedidos de patentes por ano. O país é um dos que mais depositam patentes, ocupando posição de liderança em mais esse ranking global.
Para o empresário brasileiro que busca exportar para o gigante asiático, o desafio é entender a burocracia e as leis locais. E o mais importante: investir por lá na proteção da propriedade intelectual. O caminho jurídico, segundo advogados consultados, é buscar escritórios de advocacia que tenham o chamado "China Desk", uma representação local que faça todo o trâmite entre os dois países.
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De acordo com profissionais da área de PI, as medidas recomendadas são parecidas às que são tomadas no Brasil e em outros países e envolvem questões como o registro de marcas, desenho industrial, direitos autorais e patentes. É preciso também registrar direitos na alfândega chinesa, monitorar arquivos piratas e ficar de olho em possíveis infrações em todo o processo.
“A praxe é você contratar um escritório brasileiro que tenha correspondente lá na China para fazer o registro da sua marca. Para cada país que você quer comercializar o seu produto será preciso registrar sua patente ou sua marca. Também é importante ter um representante local, porque você vai ter uma cadeia com o próprio distribuidor. Você pode fazer um contrato para que uma empresa possa utilizar e vender os seus produtos por lá”, explica Lucas Antoniazzi, advogado especialista em Propriedade Intelectual e Direito do Entretenimento.
"A proteção da propriedade intelectual é fundamental para a concorrência no mercado chinês e em outros mercados e ela começa com a necessidade de que as empresas criem uma cultura de proteção dos ativos intelectuais. A cultura de proteção dos ativos intelectuais no Brasil e, posteriormente, no exterior, permitirá uma proteção adequada dos investimentos na inovação", afirma Claudio Barbosa, advogado especialista em direito digital e sócio do escritório Kasznar Leonardos.
A relação comercial entre os dois países
Só no ano passado, as exportações brasileiras para a China chegaram a US$ 89 bilhões (R$ 438,77 bilhões). Hoje, o que sai dos portos rumo ao gigante asiático é principalmente commodities: soja (36%), minério de ferro e derivados (20%), óleos brutos (18%) e carne bovina (8,9%). Para os especialistas, o esperado efeito positivo do aumento da safra brasileira sobre o PIB depende em grande medida da recuperação da demanda chinesa pelos produtos brasileiros.
Em 2012, as exportações para China representavam 17,2% do total de todas as trocas comerciais brasileiras com outros países. No ano passado, esse volume subiu para 26,8%, um aumento, em dez anos, de 56%. E a perspectiva é de que essa participação cresça ainda mais, principalmente no agronegócio, que representa quase um terço de tudo que enviamos para a segunda maior economia do mundo.
No caminho inverso, com relação aos produtos que vêm da China para o Brasil, a história é diferente. No ano passado importamos, em valores, US$ 60,74 bilhões dos chineses, com destaque para válvulas e tubos termiônicos (11%), orgânicos-inorgânicos (8,2%) e equipamentos de telecomunicações (6,8%).
Diante desse cenário, um desafio está sendo imposto à maior economia da América Latina: ser mais competitiva em outras áreas, principalmente na de produtos industrializados, o que pode diminuir a atual dependência das commodities. Não é à toa que a comitiva presidencial levou à China mais de 100 empresários.
E esse aumento da variedade da pauta exportadora brasileira envolve a proteção da propriedade intelectual (PI) dos produtos que saem daqui. Hoje, existem acordos globais que estabelecem questões básicas de proteção. Os dois países são signatários dos principais tratados internacionais para a proteção de PI: Convenção de Paris, Berna, o Acordo TRIPS da OMC e o Protocolo de Madri, que define o registro de marcas internacionais. Mas as práticas variam bastante e envolvem situações que muitas vezes são únicas, de acordo com as legislações locais.
Por aqui, a Lei 9.279/96 é a principal norma que reúne os direitos e obrigações e envolve patentes de invenção e de modelo de utilidade, registro de desenho industrial e registro de marca. A legislação impede, pelo menos no papel, falsas indicações geográficas e a concorrência desleal. A lei ainda determina o que pode ser protegido, regras de uso, violações e punições.
A pedido da LexLatin, especialistas em PI elaboraram um guia rápido de como empresas brasileiras podem proteger sua marca no mercado chinês.
Depósito de marcas:
Recomenda-se que empresas que tenham negócios com a China registrem suas marcas naquele país, em especial nos casos de exportação de produtos ou em caso de utilização de indústrias em solo chinês para a fabricação de produtos.
O registro perante a autoridade competente (no caso, a China National Intellectual Property Administration – CNIPA) garante o direito de uso da marca em território chinês, evitando que o signo seja apropriado indevidamente por terceiros (o que poderia resultar na proibição de fabricação, comercialização, importação ou exportação do produtos de ou para a China).
O registro permite que o titular do direito autoral possa combater a pirataria e ainda viabiliza a coleta de royalties mediante licenciamento da marca.
Empresas interessadas podem fazer o registro de marca diretamente na CNIPA, por meio de um agente de propriedade industrial local, ou por meio de um registro internacional perante a OMPI, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
"Via de regra, a primeira opção é menos onerosa se o único país estrangeiro de interesse for a China, enquanto o registro internacional via OMPI apresenta mais vantagens (inclusive financeiras) se a empresa brasileira quiser registrar sua marca em três ou mais países", avalia Peter Siemsen, sócio e especialista em propriedade intelectual do escritório Dannemann Siemsen.
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Depósito de patentes:
A proteção de inovações tecnológicas via patentes também demanda cuidados para que os direitos sejam estendidos a outros países. Neste caso, especialistas recomendam a utilização do PCT – Patent Cooperation Treaty, tratado internacional que visa a simplificar o depósito de pedidos de patente em múltiplos países.
O autor do pedido poderá depositar um pedido PCT dentro de um prazo de 12 meses a contar do depósito do pedido originário feito no Brasil. Após esse prazo, a tecnologia objeto do pedido de patente cairá em domínio público nos territórios em que a proteção não for requerida.
“Como a patente exige um investimento muito alto e muitas vezes o processo é lento, a empresa demora a tomar a decisão da exportação. É importante você fazer uma boa estratégia na largada, porque se você perder qualquer prazo a patente cai em domínio público e não tem volta”, explica Peter Siemsen.
Decidido o depósito no sistema PCT, o requerente deve designar a China como país de interesse e terá o prazo de 30 meses, contados da data de depósito no Brasil, para decidir entrar na fase nacional na China.
Mas é bom lembrar que a mera concessão do registro ou da patente não impede que terceiros venham a copiar a propriedade intelectual.
Nos últimos anos, a China tem aumentado o cerco a produtos piratas em seu território. Tanto o Legislativo quanto o Judiciário estão mais severos e têm aumentado o valor das indenizações em ações civis, com mecanismos de “danos punitivos” e “penalidades de crédito social” contra os infratores, com especial atenção aos que disponibilizam estes produtos que violam sistemas de PI em plataformas de venda na internet.
Segundo os especialistas, ainda há um longo caminho a percorrer quando o assunto é a discussão da propriedade intelectual, mas muito já foi feito, o que proporciona hoje mais segurança jurídica para o empresário brasileiro que quer exportar para a China.
“A proteção da propriedade intelectual é fundamental para a concorrência no mercado chinês e em outros mercados e ela começa com a necessidade de que as empresas criem uma cultura de proteção dos ativos intelectuais. A cultura de proteção dos ativos intelectuais no Brasil e, posteriormente, no exterior, permitirá uma proteção adequada dos investimentos na inovação”, afirma Claudio Barbosa.
“Os dois países evoluíram e têm hoje legislações bastante robustas, que garantem efetivamente o exercício do direito de titulares para lá e para cá. Brasil e China foram ingressando, nos últimos anos, em tratados internacionais que facilitam muito para que o chinês ou o brasileiro desenvolvam uma estratégia adequada de proteção do seu direito de marcas ou de patentes. Hoje o brasileiro consegue proteger sua propriedade intelectual na China e vice-versa. O chinês também tem no Brasil um parceiro que tem um arcabouço jurídico muito sólido na proteção e no exercício do direito, por exemplo, de marcas e patentes”, analisa Peter Siemsen.
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