O que é trade dress e por que ele é importante para a defesa da PI no Brasil?

Existem diversos casos na indústria farmacêutica que vêm discutindo a questão do trade dress: dois dos mais famosos envolvem as marcas Dorflex e Engov/Divulgação
Existem diversos casos na indústria farmacêutica que vêm discutindo a questão do trade dress: dois dos mais famosos envolvem as marcas Dorflex e Engov/Divulgação
Por aqui, casos se enquadram na prática de concorrência desleal. STJ tem analisado caso a caso. 
Fecha de publicación: 25/10/2022

O termo trade dress surgiu nos Estados Unidos e trata da forma como um produto é “dressed up to go to market”. Em tradução livre para o português, é como um produto é "vestido para ir ao mercado", ou seja, a forma do produto e como ele é apresentado para o consumidor, por exemplo, nas prateleiras dos supermercados e das farmácias. 

Em um primeiro momento, o trade dress era visto apenas como a “vestimenta” do produto e constituía uma proteção complementar às marcas, como um fator de associação e objeto de desejo do público. Exemplos típicos de trade dress são o formato da garrafa da Coca-Cola e o solado vermelho dos luxuosos sapatos de Christian Louboutin, marcas inconfundíveis para os consumidores e que recebem proteção do direito de marcas.

Esse conjunto de características particulares e essenciais dos produtos e serviços pode incluir o formato, a cor, ou combinação de cores, o tamanho, a textura, gráficos, desenhos, embalagem e disposição de elementos visuais, estabelecimento ou serviço, suscetível de criar a imagem-de-marca de um produto em seu aspecto sensível.

Trazendo o termo para a discussão no mundo jurídico, o trade dress e o conjunto/imagem que representa pode ser um aspecto importante na proteção de um ativo de propriedade intelectual, já que esse conjunto de características particulares formam uma identidade visual e pode ser protegido de forma jurídica. 


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A legislação brasileira não possui mecanismos legais específicos para o trade dress, mas a Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial ou LPI), em seu artigo 195, proíbe o emprego de meio fraudulento para desviar clientela e classifica este tipo de conduta como ato de concorrência desleal, passível de punição nas esferas cível e penal.

Até 2016, a jurisprudência nacional em torno do tema era pulverizada. A partir de então, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a se posicionar sobre o tema. “O STJ passou a decidir, sistematicamente, que a proteção de um trade dress deve ser verificada caso a caso, por meio de perícia que demonstre a presença, concomitante, dos seguintes requisitos: distintividade,  não-funcionalidade e  risco de confusão entre o público consumidor, o qual deve ser apurado por meio da análise de diversos quesitos, como hábitos de consumo e aspectos de mercado, dentre outros”, explica Paulo Lilla, sócio da área de Tecnologia, Proteção de Dados e Propriedade Intelectual do Lefosse Advogados.

A importância do trade dress se dá justamente porque o titular da marca original pode invocar a jurisprudência e comprovar violações, concorrência desleal, reparar danos e impedir que terceiros não autorizados adotem um conjunto-imagem igual ou semelhante para seus produtos ou serviços.

Dorflex e Engov: casos emblemáticos na indústria farmacêutica

Existem diversos casos na indústria farmacêutica que discutem a questão do trade dress. Um dos mais famosos envolve a marca Dorflex, um medicamento popular e amplamente consumido por aqui e que enfrentou a concorrência de duas marcas: Doralflex e Neodoralflex. Os remédios trabalharam no mercado não só nomes parecidos como identidades visuais próximas.

O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça e a Terceira Turma do STJ manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que anulou as duas marcas, de propriedade da Pharmascience Laboratórios Ltda. 

Dorflex e Doralflex

Ao rejeitar o recurso especial da Pharmascience, o Tribunal levou em consideração que as marcas são medicamentos para a mesma finalidade terapêutica, que o registro da marca Doralflex foi solicitado 40 anos depois do registro da marca Dorflex e ainda que o remédio mais antigo tem expressiva notoriedade perante o público brasileiro.

O relaxante muscular, produzido pelo laboratório Sanofi, é o medicamento mais vendido do Brasil, de acordo com estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).Na ação, a Sanofi questionou os registros concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) aos dois medicamentos da Pharmascience. O pedido de anulação foi julgado procedente em primeira instância, em sentença mantida pelo TRF2.

Segundo o tribunal, os acréscimos das partículas "al" e "neo" aos radicais "dor" e "flex" não conferiam grau de distinção suficiente às marcas canceladas, fato que impediria a possibilidade de coexistência entre elas e o Dorflex. Além disso, a identidade visual era parecida.


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Engov e Posdrink

Situação parecida aconteceu com as marcas Engov e Posdrink, analgésicos e antialérgicos que evitam enjoos e náuseas. O STJ concluiu que as duas marcas de medicamentos não podiam conviver no mercado, porque a embalagem do remédio Posdrink era muito parecida com a do Engov, produto reconhecido e bastante usado no mercado nacional. “Não se trata de simples utilização de cores semelhantes, mas de imitação de todo o aspecto visual (original e distintivo) da embalagem criada pela recorrida”, diz a decisão do STJ.  

De acordo com os especialistas ouvidos pela LexLatin, normalmente os tribunais, ao analisarem tais tipos de disputas, avaliam não apenas o aspecto da marca e a eventual semelhança, mas também a forma como o produto é colocado no mercado, por meio das embalagens e propagandas.

“Em ambos os casos, o critério adotado pelo tribunal foi o potencial de confusão que poderia causar ao público consumidor, ou sua associação errônea, em prejuízo ao titular dos direitos supostamente infringidos, cuja distintividade do produto já era consolidada no mercado ante sua notoriedade indiscutível, o que lhe garantiu sua utilização do conjunto-imagem com exclusividade, impedindo o aproveitamento indevido por terceiros", analisa Thalita Vani, sócia da área de Societário, M&A e Propriedade Intelectual, do escritório VBD Advogados.

Para Tatiana Campello, sócia da área de Propriedade Intelectual, Inovação e Tecnologia e da área de Privacidade de Dados e Cibersegurança do Demarest, especialmente em casos que envolvem medicamentos genéricos a discussão do trade dress é de extrema importância.

“O que podemos observar em tais ações é que os tribunais vêm entendendo que a confusão entre os produtos não ocorre necessariamente apenas pela aquisição errônea do produto pelo consumidor, mas também pela aproximação calculada e indevida para aproveitamento da fama do concorrente”, diz.

Para a advogada, o principal argumento, nesses casos, é de que apesar de um consumidor dificilmente adquirir um medicamento genérico pensando tratar-se de um original, a eventual semelhança entre as embalagens poderia levar o consumidor a acreditar que o medicamento genérico é produzido pelo mesmo laboratório da outra marca.

A grande discussão, nos casos que envolvem trade dress, diz respeito à possibilidade de confusão entre os produtos e a concorrência desleal entre as empresas.

De acordo com os especialistas, a semelhança entre as embalagens é capaz de transmitir ao concorrente todos os esforços de marketing da empresa que teve sua embalagem copiada, o que, para os tribunais, também configura concorrência desleal.

“Também é importante mencionar que, nos casos em que não há uma relação direta de concorrência, mas que há aproveitamento de um trade dress reconhecido no mercado, há possibilidade de ser configurado aproveitamento parasitário, que é considerado uma conduta ilícita pelo judiciário”, afirmam as advogadas Tania Liberman e Julia Diniz, do Cescon Barrieu Advogados.

Elas entendem como muito importantes as recentes decisões do judiciário envolvendo trade dress como forma de desencorajar que terceiros se beneficiem de todo o goodwill criado por empresas que fizeram altos investimentos para proteger seus sinais distintivos no Brasil. “Decisões como as mencionadas dão seriedade à proteção de ativos intangíveis no país, estimulando cada vez mais investimentos na área”. 


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Como isso impacta o direito de marcas e concorrência?

O Brasil preza pela livre concorrência. No entanto, em casos de violações de marcas ou de concorrência desleal, medidas devem ser tomadas em âmbito administrativo e judicial.

A cópia de uma marca e seu conjunto visual gera um risco de confusão ou associação indevida por parte do consumidor, que também resulta muitas vezes no desvio de clientela, diluição da marca, bem como possíveis danos à reputação do titular da marca.

“Nesse sentido, apesar de não existir um registro específico para o trade dress, esse instituto vem permitindo a defesa da identidade visual de produtos e serviços de formas mais amplas, não necessariamente precisando a se limitar a discussões marcárias, por exemplo”, afirma Betina Portella Cunha Ferreira, da área de Propriedade Intelectual, Inovação e Tecnologia do Demarest Advogados.

“O instituto do trade dress é essencial para ajudar na diferenciação com mais precisão das práticas de concorrência legítima das práticas de concorrência fraudulenta e, por esse motivo, vem sendo utilizado cada vez mais em ações que envolvem violações de propriedade intelectual em nossos tribunais”, conclui Tatiana Campelo.

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