Na longa lista de reformas estruturantes que o governo Bolsonaro indicou que faria no início de seu mandato, a reforma administrativa do serviço público brasileiro foi uma das que contou com o maior esforço do governo federal e maior articulação do poder Legislativo: desde a gestão de Rodrigo Maia como presidente da Câmara, o tema era considerado prioritário. Arthur Lira, sucessor de Maia no cargo, viu na proposta uma necessidade - o alagoano chegou a prever a votação do texto ainda no primeiro trimestre.
Com algum atraso, o projeto chega finalmente à votação no Plenário da Câmara dos Deputados nesta semana, com parlamentares da oposição indicando que conseguirão barrar a proposta.
O texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 32/2020, enviada pelo governo federal em setembro do ano passado, foi aprovado na madrugada da última sexta-feira (24) em uma comissão especial para abordar o tema, com 28 votos favoráveis e 18 contrários. No Plenário, agora, o texto precisa de três quintos dos votos, ou 308 deputados favoráveis para sua aprovação em dois turnos.
Leia também: Brasil poderá ter plebiscitos junto com eleições municipais
O plano hoje prevê um redesenho radical na forma como os servidores públicos - e eram 12 milhões deles, de acordo com a PNAD Contínua, realizada pelo IBGE - que passariam a ser contratados pela União. A estabilidade fica mantida aos servidores concursados, mas membros de empresas estatais, sociedades de economia mista e suas subsidiárias perdem este direito.
Apenas cargos exclusivos de Estado serão protegidos de cortes e despesas de pessoal. A medida contempla as áreas de elite do funcionalismo atual: segurança pública, manutenção da ordem tributária e financeira, regulação, fiscalização, gestão governamental, elaboração orçamentária, controle, inteligência de Estado, serviço diplomático, advocacia pública, defensoria pública e atuação do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Os concursos públicos passarão por uma segunda fase de “estágio probatório”, com avaliações semestrais dos novos contratados por até três anos. Com duas avaliações insatisfatórias, o contrato poderá ser rescindido.
A proposta atraiu a ira de diversos setores do serviço público: na semana passada, antes da votação na comissão, parlamentares foram recebidos no aeroporto com manifestações. Nesta semana, todos os postes da Esplanada dos Ministérios estão com mensagens contra a reforma. Um dos deputados mais destacados na defesa de servidores, Professor Israel Batista (PV-DF) preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), que se mostra contra a proposta.
“O governo não tem os 308 votos necessários para aprovar a PEC 32” disse o parlamentar, em uma live promovida pela Frente nesta segunda-feira (27). “No momento em que nós estamos conversando, o presidente da Câmara, Arthur Lira está fazendo pesadas articulações para poder conquistar estes 308. Mas se eles acham que nós vamos ficar parados, nós não vamos.”
A frente, que tem 242 parlamentares difundidos por 23 legendas, calcula que o projeto pode ser retirado de pauta caso este não seja votado em até três semanas. “Estamos hoje trabalhando com essa ideia de atrasar o máximo possível para a votação da PEC”, continuou. Caso isso não seja possível e o texto vá à votação, o jeito seria apelar para a apreciação de destaques.
A aprovação da PEC tem uma missão, aponta Lucas Sant´Anna, sócio da área de Direito Público do Machado Meyer. “A reforma administrativa tem uma tarefa específica, que é tratar cuidar do teto de gastos públicos”, afirma. “Houve o acréscimo de benefícios - e essa é uma discussão muito cara, pois geram despesas correntes - e a discussão é sempre como limitá-las, apesar da constituição falar sobre a estabilidade”. Sem estes freios, as contas públicas correntes, que não se alteram ano após ano, poderiam se tornar imprevisíveis em sua análise.
Algumas das previsões principais da reforma administrativa, como a redução de jornadas e salários já haviam sido tratadas na Lei de Responsabilidade Fiscal - que, por ser uma lei complementar, acabou sendo declarada inconstitucional pela Suprema Corte anos depois. Sant’Anna lembra que o governo federal já tentou outras vezes ajustar o funcionamento do funcionalismo, nos anos FHC e Lula.
Leia também: Nova PEC de Precatórios: economia de gastos ou institucionalização do calote?
A aprovação interessa inclusive a atores estrangeiros, que enxergam no controle orçamentário do país uma peça no quebra-cabeças da nossa imagem externa. “Ela não é mais importante que a tributária, ela não é mais importante do que a segurança jurídica das decisões do Supremo, ela não é mais importante do que a segurança jurídica de se discutir se haverá golpe militar ou não”, diz.
Por isso, defende o advogado, a pressa não deve ser o norte da discussão. “Precisa de diálogo, precisa ser entendida pela sociedade, e precisa ser discutida pelos seus representantes. Não acho que a pressa seja a melhor maneira de resolver problemas complexos”, avalia. “Não adianta fazer na pressa e ter de refazer depois”.
Add new comment