O Congresso Nacional retoma hoje as atividades num ano legislativo marcado, segundo os especialistas, pelo esvaziamento das pautas majoritárias para o país. Um dos principais motivos são as eleições presidenciais e legislativas de outubro. A maioria dos deputados vai tentar a reeleição e, por causa disso, os congressistas devem dividir os próximos meses entre as atividades legislativas e a campanha eleitoral em suas bases.
A sessão de abertura dos trabalhos desta terça-feira, marcada para começar às 16h (horário de Brasília) deve ter a presença de Jair Bolsonaro e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Os dois estão envolvidos em mais uma crise institucional. O presidente foi convocado a depor presencialmente no STF em um inquérito por suposto vazamento de dados de uma investigação que apurava um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas", disse Fux em sessão de abertura dos trabalhos do ano no Judiciário.
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O primeiro item da pauta de votações é a Medida Provisória 1066/21, que adia o prazo de recolhimento de contribuições federais para as distribuidoras de energia elétrica. Logo em seguida é a vez da MP 1070/21, que cria o Programa Nacional de Apoio à Aquisição de Habitação para Profissionais da Segurança Pública (Habite Seguro).
Análise do ano
Para o cientista político André Pereira César, a história mostra que, em anos eleitorais, os trabalhos do Congresso Nacional são restritos. “Os chamados grandes temas, as matérias polêmicas, acabam deixadas de lado. Em 2022 esse quadro tende a se repetir. O principal da agenda dos parlamentares ficará para a próxima legislatura”, diz.
Entre as medidas necessárias, está a reforma administrativa, que há meses aguarda inclusão na ordem do dia do plenário da Câmara dos Deputados. A expectativa é de que ela deve continuar parada. “A bem conduzida pressão de setores do funcionalismo e as dificuldades de se chegar a um consenso mínimo em torno do texto inviabilizam a votação da proposição em 2022. A depender do resultado eleitoral, ela inclusive poderá ser definitivamente sepultada”, avalia André César.
Já a reforma tributária tem previsão de ser analisada nos primeiros meses do ano legislativo na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Trabalham para isso o relator, senador Roberto Rocha (PSDB/MA), e o presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (DEM/AP). A mobilização dos dois, no entanto, pode ser insuficiente, segundo os especialistas.
A proposta que está em discussão não agrada a estados, municípios e setores da economia, como o de serviços e o agronegócio. O próprio presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), mantém reservas em relação à matéria. A previsão dos analistas é de que o texto no máximo seja aprovado entre os senadores, mas ficará trancado na Câmara.
"A reforma tributária é mais uma demanda do próprio Rodrigo Pacheco e de alguns setores empresariais, não todos, mas principalmente da indústria. Então, pode ser que ela ganhe um empurrão, mas não está claro se ela cria força para avançar", avalia Leonardo Barreto, cientista político.
Já as mudanças nas regras do Imposto de Renda, um dos projetos prioritários do ministro da Economia, Paulo Guedes, também não deve avançar esse ano. O relator da matéria, senador Ângelo Coronel (PSD/BA), já fez duras críticas à proposta e apresentou um texto alternativo. O ponto mais polêmico da proposta governista, a taxação de lucros e dividendos, foi excluído pelo senador em seu projeto.
A privatização do Correios, outro tema sensível e importante para o país, deve seguir parada. O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Otto Alencar (PSD/BA), onde a proposta tramita, não esconde sua insatisfação em relação ao texto. Ele aguarda mais dados do governo federal e, indo além, considera que a proposta gerará efeitos negativos para a população, em especial a de baixa renda e a que mora nos pontos mais afastados do país.
É bom lembrar que os Correios são o maior empregador do Brasil e têm peso político, ainda mais em um ano eleitoral. Basta lembrar que a crise do mensalão teve início justamente na estatal, em 2005.
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Para Leonardo Barreto, que também é diretor da Vector Research, consultoria de risco político baseada em Brasília, a política brasileira esse ano vai se dar em camadas. Ou seja, no início do ano, até março, é provável que tenha algum nível de discussão de políticas públicas. Ele destaca que a discussão sobre política de estabilização de preços de combustíveis pode ser interessante de acompanhar, pois se conseguir manter os preços estáveis, pode ajudar a campanha de Bolsonaro.
A partir de abril, tem a desincompatibilização daqueles que vão ser candidatos e a abertura de uma janela partidária para os deputados que quiserem mudar de partido.
"Deve ter muita gente do PSL indo para o PL, por exemplo. Isso vai coincidir com a definição dos presidentes e dos relatores de comissão, que é feito anualmente na Câmara. E isso é feito proporcional às bancadas existentes. Então, provavelmente, essa nomeação dos presidentes e relatores só vai acontecer depois desse troca-troca. E aí o funcionamento das comissões esse ano na Câmara vai atrasar", afirma.
Depois, veremos dois movimentos: as fusões, que são partidos se unindo e se tornando um para poder disputar com mais força as eleições desse ano, e as federações, que são essas uniões nacionais de partidos para disputar eleição.
Em agosto, ocorre a oficialização das candidaturas e o início das campanhas. Segundo Leonardo, não há expectativa que aconteça alguma coisa durante esse período. O Congresso só se reúne muito dificilmente, se houver alguma emergência.
No final do ano, acontecem três grandes eventos: a construção do orçamento, a formação do novo governo e a Copa do Mundo. Se Bolsonaro conseguir a sua reeleição, ainda assim haverá uma nova formação, mas a discussão sobre o orçamento deve seguir no mesmo sentido. Se outro candidato for eleito, teremos um cenário complicado: o orçamento do primeiro ano do novo governo sendo decidido pelo último ano do antigo governo.
Portanto, a previsão é de que as atividades do Congresso fiquem concentradas no primeiro semestre, mesmo assim com restrições em função dos interesses eleitorais de deputados e senadores. Já no segundo semestre deverão ocorrer as chamadas “semanas de esforço concentrado” - uma em agosto, outra em setembro. Mas as eleições devem esvaziar a presença dos deputados no Congresso Nacional. Com o quórum diminuído, muitos projetos devem ficar para 2023.
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