Um desafio aguarda a humanidade nas próximas décadas: a evolução da inteligência artificial, assim como seus usos aplicados no dia a dia, deve ser um dos panos de fundo da disputa entre Estados Unidos e China pela hegemonia no século XXI, junto com a viabilização da conectividade 5G. No Brasil, o tema ainda é relativamente pouco debatido, mas já começa a chamar a atenção das autoridades: há, neste momento, dois projetos de lei em debate no Senado Federal para regulamentar a questão.
Um dos projetos, apresentado em março deste ano, busca instalar bases e diretrizes mínimas para o uso da IA no país. Uma outra proposta, mais antiga, que vem de outubro de 2019, quer instituir bases do uso pelo governo, durante uma eventual política nacional sobre o tema.
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“A Inteligência Artificial, assim como o 5G é um dos pontos centrais que certamente mudarão nosso modo de lidar com a tecnologia”, explica Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira, coordenador da área de Direito Digital do Rayes & Fagundes Advogados Associados. “A regulamentação de uma automaticamente interfere na da outra.”
Ambas as propostas foram tratadas em uma discreta sessão do Senado Federal na última sexta-feira (16), último dia antes do recesso parlamentar. Em uma sessão de debates temáticos, os dois textos - assim como a proposta do poder público em regulamentar o tema - foram tratados com especialistas do governo e da sociedade.
Uma destas propostas foi apresentada por Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), e tem como objetivo “marcos éticos e as diretrizes que fundamentam o uso da Inteligência Artificial no mundo”. O autor fala em seguir parâmetros internacionais sobre o tema, tais como a Declaração de Montreal sobre a Inclusão e as recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre o tema. A proposta tramita diretamente pelo Plenário e ainda aguarda seu encaminhamento.
Há também duas propostas na Câmara pelo mesmo sentido: o Projeto de Lei (PL) 21/2020 acabou anexando uma proposta mais recente, que tratava especialmente do mesmo tema: princípios, direitos e obrigações na utilização de sistemas de inteligência artificial. Os textos da Câmara, mais completos, definem quem são usuários, sistemas de inteligência artificial, seus provedores e eventuais dados biométricos a serem coletados e tratados por estes sistemas.
Especialistas ouvidos pelo Senado naquela sessão consideraram que os debates sobre o tema no Brasil ainda precisam amadurecer, antes de eventual ação legislativa. “Sugerimos um debate mais amplo, como foi realizado na ocasião do Marco Civil da Internet, no contexto da própria Lei Geral de Proteção de Dados”, diz Jackeline Conca, subsecretária de Inovação e Transformação Digital no Ministério da Economia.
A subsecretária aponta que a proposta de Vital do Rêgo ainda precisa definir questões importantes, tais como a definição de agentes públicos, privados e cidadãos para a aplicação da lei. Outro problema seria que os softwares e mesmo as empresas por trás de tais tecnologias podem estar fora da jurisdição brasileira.
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“Nós acreditamos que [o PL] pode gerar certa insegurança jurídica, uma vez que muitos serviços e produtos utilizados no Brasil não estão abrigados ou não foram desenvolvidos em território nacional”, alerta. “Esse é um dilema já conhecido e enfrentado atualmente por diversos países no que tange à regulação da internet e a outras tecnologias, como computação em nuvem, por exemplo.”
Já Loren Spíndola, que coordena o estudo sobre o tema na Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software), explica que uma atuação regulatória hoje seria prejudicial. “Submeter toda e qualquer aplicação de inteligência artificial à supervisão humana traria insegurança jurídica e travaria a inovação. É preciso analisar cada caso, cada uso”, argumenta.
Felipe Carteiro Moreira, do Rayes & Fagundes, também enxerga a proposta de regulamentação apresentada por Vital do Rêgo como rasa demais para a importância do tema. “A proposta deve ser técnica, neste primeiro momento”, diz. “Este não é um projeto que traga elementos técnicos suficientes para que façamos um marco regulatório da Inteligência Artificial”.
O advogado argumenta que os projetos da Câmara são mais robustos, mas ainda pecam na conceituação de ferramentas que serão utilizadas no futuro. “E se a gente de fato quer estabelecer um marco regulatório, temos que fazer algo que se mantenha sem alterações por um prazo de dez anos.”
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