O que muda com o fim do voto de qualidade no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo

As regras de desempate são adotadas porque a maioria dos tribunais administrativos têm uma composição paritária em suas turmas de julgamento/Pixabay
As regras de desempate são adotadas porque a maioria dos tribunais administrativos têm uma composição paritária em suas turmas de julgamento/Pixabay
Prática permite aos presidentes das câmaras votar duas vezes quando há empate em um julgamento, ao julgar os recursos de empresas contra autuações por débitos fiscais. 
Fecha de publicación: 21/06/2022
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O fim do voto de qualidade no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do estado de São Paulo, tema atualmente em discussão no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), deve contribuir para diminuir a judicialização entre os contribuintes paulistas e pode ter impacto na revisão de autuações fiscais mantidas nos julgamentos administrativos de acordo com especialistas. O voto de qualidade permite aos presidentes das câmaras votar duas vezes quando há empate em um julgamento, ao julgar os recursos de empresas contra autuações por débitos fiscais de ICMS. 

O assunto, que começou a ser analisado no último dia 15, chegou ao TJSP após a Câmara Superior do TIT-SP manter, por voto de qualidade, um auto de infração que exigia recolhimento de ICMS de uma empresa do setor têxtil. Após a decisão, o contribuinte recorreu à Justiça e pediu a anulação da autuação, com o argumento de que a regra de desempate é inconstitucional.


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No Estado de São Paulo, o voto de qualidade está previsto no artigo 61 da lei do processo administrativo tributário (nº 16.498, de 2017), que estabelece que “em caso de empate, prevalecerá o voto de qualidade do Presidente da Câmara”.

As regras de desempate são adotadas porque a maioria dos tribunais administrativos têm uma composição paritária em suas turmas de julgamento - com um número igual de representantes dos interesses dos contribuintes e do Fisco.

O voto de qualidade é utilizado para decidir casos controversos e dá às presidências das câmaras, que normalmente são ocupadas por um juiz da Fazenda, o direito de um voto extra em caso de empate.

No caso do TIT-SP, por exemplo, há 12 câmaras julgadoras, sendo que metade delas são presididas por juízes indicados pela Fazenda paulista e a outra metade é comandada por representantes dos contribuintes. Na Câmara Superior, a presidência é sempre ocupada por um representante do Fisco.

Para Thiago Amaral, sócio da área tributária do Demarest, a paridade que existe pode ser considerada “relativa”.

“Porque se o contribuinte ganhar na câmara baixa, mas o caso for levado à Câmara Superior, e houver empate, o processo será definido por um juiz que representa o fisco”, explica.

Ao analisar o caso, o desembargador Ferreira Rodrigues, relator do caso, entendeu que, se houver empate, o processo deve ser decidido a favor do contribuinte. 

“O voto de qualidade é inconstitucional, e assim deve ser declarado, tanto quando beneficia a Fazenda ou o contribuinte. O que importa é que o voto duplo de um dos juízes é incompatível com a imparcialidade”, disse o relator, ao se referir especificamente ao caso da empresa têxtil.

Ele destacou ainda que deve ser aplicado o artigo 112 do Código Tributário Nacional, que estabelece que, em caso de dúvida, “interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado”.

Na sequência, o desembargador Moacir Peres pediu mais tempo para analisar o tema, cerca de duas semanas, e disse que seu posicionamento tende a ser favorável ao contribuinte.

Para os advogados, o resultado do julgamento deve ter repercussão em outras decisões definidas por desempate, o que deve levar os contribuintes a recorrer para tentar anular esses processos. E a decisão pode levar até mesmo a uma revisão da legislação de outros órgãos em outros estados, porque qualquer contribuinte prejudicado por esse mesmo modelo terá mais força para advogar a tese em seu favor, independentemente do Estado envolvido.

“Muitos autos de infração mantidos pelo voto de qualidade poderão ser revistos favoravelmente aos contribuintes”, avalia Maurício Barros, sócio da área tributária do Demarest, ex-juiz do TIT-SP e membro do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV.

Thiago Amaral destaca outro aspecto que pode ter impacto positivo com o fim do voto de qualidade. “Com a decisão favorável aos contribuintes, haverá menor judicialização, na medida em que os contribuintes teriam maiores chances de êxito com o empate sendo-lhes favorável”.

Enquanto o tema não for julgado, os especialistas acreditam que a insegurança jurídica aumenta. “Seguidos adiamentos causam uma sensação de insegurança tanto para o fisco quanto para os contribuintes”, diz Maurício Barros.

“O adiamento da decisão aumenta a incerteza sobre o tema e uma possível judicialização de casos hoje já decididos pelo voto de qualidade, desfavoravelmente aos contribuintes”, explica Thiago Amaral.

A discussão sobre o fim do voto de qualidade no TIT – e de forma mais ampla nos tribunais administrativos - ganhou mais destaque depois que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) mudou o método de desempate na maioria das situações. A Lei nº 13.988, de 2020, prevê que, em caso de empate no julgamento, a decisão será a favor do contribuinte.

No Supremo Tribunal Federal (STF), três ações diretas de inconstitucionalidade discutem o desempate pró-contribuinte no Carf. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Nunes Marques e até o momento há cinco votos favoráveis aos contribuintes.


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“A discussão do TIT SP, na essência, se vale dos mesmos fundamentos do que se discutiu no Carf, dentro da lógica do princípio ‘in dubio pro contribuinte’. A particularidade é que o TIT, na instância ordinária, tem uma paridade entre presidentes de Câmara representantes do fisco e dos contribuintes, de modo que também existem casos desempatados com voto de qualidade a favor dos contribuintes. Isso gera insegurança e mesmo uma instabilidade jurisprudencial”, afirma Thiago Amaral. 

Para o advogado, existem casos idênticos decididos antagonicamente, simplesmente porque o colegiado era ora presidido por representante do fisco, ora dos contribuintes. “Nesses casos, a situação só é pacificada na Câmara Superior, onde, invariavelmente, o empate é pró fisco”, explica.

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