O que muda na relação entre Brasil e EUA com a posse de Joe Biden?

De um lado, Biden deve atacar o tema da Covid, e em outro, na imigração, com uma proposta mais humanizada /Unsplash
De um lado, Biden deve atacar o tema da Covid, e em outro, na imigração, com uma proposta mais humanizada /Unsplash
Perdemos relevância no cenário internacional, mas fluxo comercial pode aumentar no médio prazo.
Fecha de publicación: 20/01/2021

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Nesta quarta-feira (20), ao meio-dia em Washington – 14h em Brasília – Joseph R. Biden Jr. deve subir as escadas do Capitólio, jurar defender a Constituição, e ser proclamado o 46º presidente dos Estados Unidos da América. A posse do democrata marca um momento de mudança radical na política do país, quando sai o autocentrado (e muitas vezes beligerante) Donald Trump para a entrada de um velho nome do Senado do país, vice-presidente durante os anos Obama.

Com isso, as relações do Brasil com os Estados Unidos tendem também a sofrer mudanças no curto e médio prazo, apontam analistas ouvidos pela LexLatin. Por mais que o Brasil não esteja entre as ações prioritárias dos norte-americanos, questões como o meio ambiente e setores como o agronegócio se tornarão centrais. E, calculam, caberá a nós mostrar que estamos dispostos a uma parceria, e não o contrário.

Joe Biden conhece bem o Brasil. Quando vice de Obama, fez duas visitas: em 2013 e 2014. A primeira foi protocolar e a segunda ocorreu para remediar o estrago causado pelo escândalo dos grampos da NSA, a Agência Nacional de Segurança dos EUA, sobre líderes como Dilma Rousseff. Após a brasileira adiar a visita de Estado que faria a Washington por conta das denúncias de Edward Snowden, coube a Biden vir ao Brasil remediar a situação. 

Na mala, Biden trouxe um ativo valioso para Dilma: documentos do governo norte-americano que traria maiores detalhes sobre o golpe militar de 1964 e a ação de militares e de americanos no evento. O documento ajudou a encaminhar a Comissão Nacional da Verdade – assim como aumentaria o fosso de antipatia que separaria os militares das forças armadas com o petismo.


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Nos últimos sete anos o arranjo entre os dois países mudou. "O Brasil não tem, hoje, a relevância que teve no passado, infelizmente", disse Antonio Tavares Paes, sócio do Costa Tavares Paes em São Paulo e Nova Iorque. "Mas isso também não é tão difícil de reconquistar quanto pareça". Tavares Paes aposta em um cenário de aumento do fluxo de negócios entre os países, com benefícios ao Brasil por conta do câmbio hoje desvalorizado.

Mas isso é uma questão de médio prazo. "Pode haver uma certa freada em um primeiro momento, para que [o governo Biden] trate de assuntos internos", advertiu o advogado. Com maioria no Congresso, Biden pode pressionar por mudanças na política interna mais ousadas que seus antecessores – que, sem a maioria em uma das casas, só tinham real liberdade em política externa.

O cenário é positivo, apontou Tavares Paes, para empresas que nos Estados Unidos seriam de medium size – e que seriam grandes empresas no Brasil. O interesse de tais companhias no país teve aumento nas últimas semanas, em busca de entender melhor o processo licitatório e a concorrência pública do país.

Um exemplo seria a em grande parte inexplorada carteira de investimentos em infraestrutura no país – portos, aeroportos e rodovias que poderiam passar para as mãos da iniciativa privada. Para que haja essa entrada do capital, reformas como a tributária e administrativa precisam sair do papel para tornar os ativos atrativos aos investidores. "Há sim o apetite", disse Thales Saito, que é sócio do Machado Meyer em Nova Iorque, "mas o Brasil precisa fazer seu dever de casa." 

Todos estes cenários são de médio prazo porque as prioridades de Biden, ao entrar na Casa Branca, devem ser duas. Covid (que já matou mais de 400 mil vítimas no país) e a imigração, com ajuda a países da América Latina e Central. "De um lado, o presidente deve atacar o tema da Covid, e em outro, na imigração, com uma proposta mais humanizada e até mesmo condescendente, ajudando as pessoas a ficarem nos seus países e não migrarem para os Estados Unidos", analisou a professora de Direito Internacional e Comparado da USP (Universidade de São Paulo), Maristela Basso.

Mudança de atores

"O Brasil não se encaixa em nenhum momento nessa agenda principal do governo Biden", continuou Maristela. "Tudo irá depender de como o Brasil vai se comportar diplomaticamente a partir da posse do governo Biden".

O governo brasileiro de Jair Bolsonaro conseguiu destaques impensáveis durante a eleição norte-americana: foi a última democracia relevante a parabenizar o presidente-eleito; o presidente brasileiras alegou, constantemente e sem provas, que a vitória de Biden foi obtida mediante maciças fraudes; e nunca deixou de esconder, publicamente, seu apreço ideológico a Donald Trump, que sai da Casa Branca como o único presidente a sofrer dois impeachments em um mandato.

A pressão sobre o Brasil deverá vir em relação à sua atual política ambiental e ao setor do agronegócio, mais precisamente à influência do segundo sobre o primeiro. "A gente não sabe efetivamente se isso ocorrerá ou não. Mas do ponto de vista do investimento privado, as questões ambientais estão sendo consideradas pelos investidores ao analisar investimentos no Brasil, principalmente na comparação com outros competidores", explicou Thales Saito.

Desde a eleição de Biden, cresceu a pressão pela troca - pelo governo brasileiro - de nomes que se alinhariam ideologicamente à postura de Trump, para nomes mais pragmáticos. Os alvos principais seriam o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Todos os entrevistados disseram que a mudança pode indicar um sinal de que o Brasil – o lado mais fraco desta balança – está disposto a se abrir e mudar seu discurso, mais condizente com os compromissos já firmados pelo país e mais alinhado ao discurso da comunidade internacional. "É um sinal importante. O governo brasileiro tem de se preocupar com questões que são importantes para o mundo inteiro", comentou Thales Saito, lembrando que investidores já se alertaram para a necessidade dessa mudança. "É uma indicação do que o governo brasileiro poderia fazer para melhorar sua relação não só com o Brasil, mas com outros países do mundo."

Maristela Basso foi mais direta. "Quando um time está perdendo, ou se muda o técnico ou se mudam os jogadores. Com a diplomacia é a mesma coisa", disse, referindo-se ao fato de que esta é uma área muito próxima ideologicamente ao ex-presidente Trump. "O Biden tem grandeza suficiente política, intelectual e moral para virar a chave. Mas não sei se nós temos, e se nossa equipe diplomática, da maneira como está montada nesse momento, teria essas condições de encaminhar a diplomacia para outro lado." 


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