É uma mudança radical na forma de fazer esporte no Brasil. A partir da possível promulgação do projeto que prevê incentivos para que os clubes de futebol se transformem em empresas (PL 5.516/2019), de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), as Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) poderão ser criadas a partir de clubes já existentes. O presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que vai aprovar a proposta nos próximos dias. Caso isso realmente se confirme, essas entidades esportivas poderão captar recursos no mercado por meio de títulos, ações ou investidores, submetendo os clubes à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A norma cria critérios de governança, controle e transparência, além de prever um sistema tributário específico.
“O projeto é uma grande conquista dos brasileiros. Futebol é um ativo nosso que precisa ser valorizado, melhor trabalhado, que exige profissionalismo, governança corporativa, para realmente valorizar esse ativo nacional que temos. Para além da paixão, é algo que pode gerar muito emprego e riquezas para o país”, afirma o autor da proposta.
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"Podemos dizer que, com a aprovação da lei e a regulamentação a ser editada pela CVM, pela primeira vez abre-se uma possibilidade real de os clubes organizarem o futebol de uma maneira empresarial, podendo realizar captações de recursos junto ao público investidor. A inserção no mercado de capitais que a aplicação da lei proporcionará vai significar uma nova fase para o futebol brasileiro, e mais oportunidades de diversificação de risco para os investidores locais e estrangeiros, em uma atividade que o brasileiro conhece profundamente", avalia Jean Arakawa, sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho.
É bom lembrar que, apesar das mudanças, não há uma completa desvinculação das dívidas e obrigações já existentes do antigo modelo de administração.
“A S.A. nasce limpa, porque ela precisa ir buscar no mercado, inclusive, porque o clube não consegue mais investimentos e recursos. Mas ela nasce com a obrigação, num sistema de duas caixas d'água, de alimentar com as receitas da atividade que ela está levando, que é o futebol e é o que gera as receitas, de alimentar o clube com a obrigação de pagamento dos seus credores, seja pela recuperação judicial, seja pelo concurso de credor, que é o ato trabalhista, incorporado ao texto, bem delimitado e padronizado, com prazo”, diz o relator da proposta no Senado, Carlos Portinho, do PL do Rio de Janeiro.
Outra questão relevante é a possibilidade de mudança de símbolos do clube, como nome, hino, cores e local de sede. Isso só poderá acontecer se houver autorização dos donos de ações ordinárias da SAF. Mas a adesão ao novo modelo não é obrigatória.
“É obviamente facultativo. Mas será o marco de diversos clubes no Brasil, outros talvez já estejam muito bem organizados com as suas contas, com planejamentos feitos como se uma empresa fosse, talvez não seja interessante aderir, mas outros tantos clubes certamente aderirão porque será um instrumento legislativo muito importante para a profissionalização do futebol”, afirma Rodrigo Pacheco.
No modelo atual, sem a aprovação da lei, os clubes são uma associação civil sem fins lucrativos. Com a mudança, eles poderão pagar menos tributos que uma empresa tradicional, mas terão que oferecer contrapartidas.
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Pessoas físicas, empresas e fundos de investimentos poderão participar da gestão dos times e os diretores deverão ter dedicação exclusiva à administração da SAF. Também fica proibida a participação de integrantes do conselho de administração, do conselho fiscal ou da diretoria da SAF de um clube em outro clube.
“Os clubes precisarão fazer estudos e avaliar os prós e contras para tornarem-se uma SAF. A maioria deles está numa situação financeira bastante delicada, com passivos expressivos e, como se costuma dizer, quase impagáveis. A transformação numa SAF não resolve tudo, mas pode permitir, quem sabe, a tentativa de angariar mais recursos e projetar um futuro melhor”, afirma Carlos Gustavo Reis, sócio de Rennó Penteado Sampaio Advogados.
Para o advogado, num primeiro momento os clubes serão mais conservadores, porque são instituições centenárias. Mas a médio prazo, conforme os estudos e as avaliações forem avançando e com base naquilo que for sendo observado em relação aos primeiros movimentos com sucesso, pode haver uma adesão maior dos demais clubes.
“Partindo da premissa de que os clubes sairão do amadorismo e finalmente ingressarão no profissionalismo, que tanto se espera, eles terão naturalmente gestões mais preparadas para atrair recursos financeiros, pensar em competições mais interessantes e atraentes, atuar com conjunto com os demais clubes - hoje ainda com certa dificuldade pelo amadorismo e em virtude da paixão de alguns dirigentes - e fazer um grande negócio com o futebol, sem esquecer dos torcedores”, avalia Reis.
Caio Machado Filho, sócio do Chediak Advogados, acredita que ainda é cedo para dizer o que mudará. “Essa adesão não é obrigatória em relação aos clubes: pode representar um impulso inicial para alguns em situação financeira mais complicada. De qualquer forma, a solução para os problemas estruturais depende muito mais de uma questão de práticas de governança e administração do que propriamente da introdução de um novo modelo de organização que parece ser a pretensão do projeto”, diz.
“Há clubes, de diversos tamanhos, que são organizados sob a forma de associação e são bem administrados. Da mesma forma há ‘clubes-empresas’ que funcionam muito bem e que inclusive têm se destacado no cenário desportivo brasileiro”, afirma o advogado.
Para os especialistas consultados por LexLatin, desde que o profissionalismo e a governança sejam realmente implementados – e não fiquem apenas no papel – há a possibilidade de atração melhores jogadores e angariar mais patrocinadores, tudo o que torcedor deseja a princípio. Com um clube organizado e competitivo, capaz de brigar por títulos, há ainda a possibilidade de mais público nos estádios.
“Poderia ser reduzido o atual abismo entre os clubes mais organizados e aqueles que ainda estão nos tempos do amadorismo, que não conseguem bons jogadores, não brigam pelos campeonatos, não atraem os melhores patrocínios e, o que me parece mais grave, perdem gerações de torcedores”, avalia Carlos Gustavo Reis. Também há a possibilidade desse torcedor se tornar um acionista ou ter debêntures do clube de coração.
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