O que muda no programa de privatizações do país sob o governo Lula?

A retirada da Petrobrás do programa de privatizações era um desejo não só de Lula, mas de boa parte de sua equipe ligada à área/Agência Petrobras
A retirada da Petrobrás do programa de privatizações era um desejo não só de Lula, mas de boa parte de sua equipe ligada à área/Agência Petrobras
Petrobrás, Correios e outras 5 estatais saem dos planos de venda do governo brasileiro. Entenda os motivos.
Fecha de publicación: 13/01/2023

Mal assumiu o mandato, em 1º de janeiro, e uma das primeiras medidas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi retirar uma série de estatais da fila do programa de privatizações. A decisão gerou grande repercussão nos meios político, econômico e jurídico. Com isso, empresas como a Petrobras e os Correios, duas das companhias mais cobiçadas pelo mercado e investidores estrangeiros, saíram da lista de possíveis vendas, pelo menos no curto prazo. 

Essa foi uma promessa de campanha do então candidato Lula, algo que foi confirmado logo em seu primeiro discurso depois da eleição. A declaração foi uma das muitas que deixaram o mercado financeiro tenso nas últimas semanas.


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A retirada da Petrobras, uma das joias da coroa do governo, do programa de privatizações (ela foi incluída durante a administração de Jair Bolsonaro) era um desejo não só de Lula, mas de boa parte de sua equipe ligada à área. Um dos principais é o senador Jean Paul Prates, que foi indicado na última quinta-feira (12) pelo Ministério das Minas e Energia para a direção da petrolífera.

Prates também é um defensor de rever a política de venda de dutos de gás e refinarias, algo delicado, porque envolve um acordo feito com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pela retirada de sanções por abuso de poder econômico. 

Já a privatização dos Correios estava um pouco mais adiantada até então, já com processo de análise de integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU). A venda foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2021 (foram 286 x 173 votos a favor na época), mas a continuidade do processo parou na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. 

Outra empresa que o atual governo não abre mão é a EBC, que deve ser desmembrada em duas: uma que trata da comunicação pública e outra só de assuntos do governo. Outras companhias que saíram dos planos de vendas são a Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), Dataprev, Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), além de armazéns e imóveis da Conab, a Companhia Nacional de Abastecimento.

Na opinião dos analistas ouvidos pela LexLatin, os processos de privatização que foram revogados correspondem a projetos que não estavam completamente maduros ou que não ainda não haviam despertado um real interesse do mercado em relação a esses ativos, o que enfraquecia a continuidade dos estudos para modelagem e venda dos ativos. Há ainda que se considerar que duas das empresas incluídas na lista são da Petrobras.

 “De toda forma, esta medida não deve ser entendida como nenhum tipo de ruptura em relação aos processos de privatização já concluídos no passado recente, sem representar risco àqueles que adquiriram os ativos por meio de processos públicos de leilão”, afirma Bruno Aurélio, sócio das áreas de Infraestrutura e Direito Público e Regulatório do Demarest Advogados

Para o advogado, a medida adotada pelo Presidente Lula não deve trazer uma preocupação geral ao mercado, uma vez que não sinaliza a intenção do governo federal em descumprir com as obrigações pactuadas anteriormente ou com projetos de parceria com o setor privado que estejam avançados.

Porém, na análise dos advogados consultados, o texto do despacho do presidente da República não traz uma posição definitiva sobre a privatização destas companhias, ao afirmar que o objetivo é “assegurar uma análise rigorosa dos impactos da privatização sobre o serviço público ou sobre o mercado no qual está inserida a respectiva atividade econômica”. 

A questão agora é saber se, na prática, haverá mesmo uma análise rigorosa dos impactos de uma possível privatização e se uma tomada de decisão será baseada nela. “Tecnicamente, essa seria uma medida mais acertada do que uma decisão que venha a ser tomada por motivos que nada ou pouco tenham a ver com os efeitos práticos dessas privatizações”, afirma Mauro Moura, consultor do Veirano Advogados.

“Espera-se que o presidente rechace qualquer iniciativa que vá ao encontro da reestatização de empresas anteriormente privatizadas, tal como já fez em seu primeiro mandato, quando barrou a intenção do seu partido em anular a privatização da Vale”, avalia Luis Fernando Zenid, sócio da área de construção e infraestrutura do DSA Advogados.

Um ponto positivo em relação ao despacho foi a não inclusão do Porto de Santos e da Autoridade Portuária de Santos (SPA). Acredita-se que o governo seguirá com os estudos de privatização, uma vez que o próprio novo ministro de Portos e Aeroportos, em sua posse, não descartou a possibilidade de transferência do Porto de Santos à iniciativa privada, mesmo que de forma fracionada.

Outra questão relevante, na opinião dos especialistas, é que, até o momento, não há no governo uma sinalização negativa em relação ao desenvolvimento de concessões públicas e parcerias público-privadas. “Pelo contrário, em manifestações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ressaltada a intenção do governo em fomentar este tipo de parceria, que é fundamental para o desenvolvimento da infraestrutura no país e que tem sido largamente utilizado por diferentes governos nos últimos anos”, diz Renan Sona, também do Demarest Advogados.

Se é inegável que o país possui um déficit relevante na área de infraestrutura, o fomento da estruturação de concessões e parcerias público-privadas deve receber atenção especial do novo governo, inclusive para a expansão e desenvolvimento de políticas públicas.

De acordo com o Portal PPI, seguem em curso 147 projetos nos vários setores para parcerias de investimento com o setor privado. Inclusive, discute-se um “superplano de PPPs” no governo Lula, que prevê reunião do governo federal com representantes dos estados e dos principais municípios para definir os projetos de infraestrutura prioritários, bem como dirigir mais recursos e apoio técnico para a modelagem desses projetos.

“O que se espera, em curto e médio prazo, e diante da necessidade de investimento privado, é o fortalecimento dos instrumentos vigentes de concessões comuns e parcerias público-privadas, com aumento dos processos licitatórios para este fim, especialmente no setor de infraestrutura”, analisa Juliana Raffo, coordenadora da área cível e de contratos públicos do Briganti Advogados.

Para a advogada, com o fortalecimento do modelo de concessões e outorgas no país, a expectativa é que tal medida aumente os investimentos externos no Brasil, especialmente o estrangeiro. “Vemos o bom relacionamento do presidente Lula com a comunidade internacional, que compareceu em número inédito a sua posse, atraindo novos negócios e aumento de empregos no país, também no ano em que a nova Lei de Licitações entra em vigor, com a facilitação de acesso aos estrangeiros e licitações de caráter internacional”.


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Mas antes que isso possa acontecer no médio e longo prazo, essa primeira iniciativa, no início do novo governo, coloca novos investimentos em compasso de espera, na opinião dos especialistas. 

“A ausência de definição quanto ao prazo em que a análise de impactos mencionada no despacho será realizada também pode gerar incerteza quanto ao posicionamento que será tomado pelo novo governo a respeito da questão privatizações. Será preciso entender quando, como e se essa avaliação de impactos será realizada – e como o novo governo irá se posicionar, de maneira mais ampla, em relação a esse tema”, afirma Mauro Moura.

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