O que a reforma do IR pode representar para o setor cultural?

A proposta de fomento mais conhecida na legislação brasileira é a Lei 8.313/1991, que recebeu o nome de um de seus idealizadores, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet/erwin brevis via Flickr
A proposta de fomento mais conhecida na legislação brasileira é a Lei 8.313/1991, que recebeu o nome de um de seus idealizadores, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet/erwin brevis via Flickr
Proposta de financiamento é vista como fundamental por quem integra a área.
Fecha de publicación: 29/07/2021

O Congresso Nacional retorna aos trabalhos na próxima semana para enfrentar um dos projetos mais importantes da agenda proposta pelo atual governo: uma das quatro propostas de feforma tributária - mais precisamente a que promove ajustes no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas - irá a votação já no início de agosto pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A proposta, que tem um relatório do deputado Celso Sabino (PSDB/PA), já conta com o sinal positivo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL). 

Apesar do ânimo positivo às propostas, um setor acompanha com apreensão o desenrolar das discussões: o da cultura, cuja produção no Brasil é calcada não apenas no modelo de incentivo público, mas também de renúncia fiscal incentivada de agentes privados. Fomentados por projetos em todas as esferas da União, empresas podem passar a destinar menos verba a este setor, já que a própria alíquota do imposto será reduzida.

A proposta de fomento mais conhecida na legislação brasileira é a Lei 8.313/1991, que recebeu o nome de um de seus idealizadores, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet. Em seu texto, a Lei Rouanet traz a possibilidade de que até 80% de um projeto cultural seja financiado com o Fundo Nacional da Cultura. 

O ponto mais relevante e utilizado até hoje permite que empresas deduzam, do imposto de renda devido, valores com doações e patrocínios a projetos culturais de oito categorias diferentes. De shows de grandes artistas a pequenos espetáculos de teatro, a Lei Rouanet, por vezes vilanizada por membros do governo de Jair Bolsonaro, chega aos 31 anos como uma das forças motrizes da cultura brasileira (e sem ser alterada pelo atual Congresso Nacional).

Este cenário, no entanto, pode sofrer uma mudança, caso a proposta de Celso Sabino vá a sanção da maneira como está. O texto fala em reduzir a alíquota geral do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas), de 15% em 2021 para 12,5% no próximo ano, e um novo corte para 10% em 2023. Com isso, um menor valor a ser recolhido representa, também, menos valor disponível a projetos culturais.


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O medo de um esvaziamento de capital para o incentivo à cultura no país já era real mesmo antes desta proposta de reforma tributária: nas outras duas PEC (Propostas de Emenda à Constituição) e no PL (Projeto de Lei) que o Congresso analisa sobre reforma de impostos, há a mesma consequência indireta. Agora, a chance de aprovação causa uma apreensão maior na plateia.

Questionado sobre o tema, o sócio do Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados, Eduardo Szazi, chamou a proposta de “o quarto cavaleiro do apocalipse”. O advogado explica que a redução da alíquota cria um grande problema ao setor. “ Reduz-se substancialmente o potencial de doações e patrocínios, pois a base cai em um terço, enquanto a redução do imposto pago, pela manutenção do adicional de 10%, cai 1/5, de 25% para 20%”, ponderou. “Se a alíquota base cair para 5% - com a manutenção do adicional de 10% sobre a parcela do lucro que exceder R$ 20 mil, como tem sido ventilado na imprensa - a perda de doações e patrocínios chega a 80%”. 

O advogado sugere que seja mantido um adicional de 10%, para se manter a alíquota-base em 15%. “Para as empresas, daria na mesma, mas para o setor, se preservaria os atuais potenciais de dedução.


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Luiz Noronha, que é produtor cultural e fundador da Cassangue Produções, atua no Distrito Federal e explica que a filosofia por trás do incentivo cultural funciona em seu objetivo principal. “Uma influência positiva é fomentar a cultura - e falo de uma maneira ampla”, comenta Luiz Noronha. “Festivais locais, sejam eles no interior da Bahia, no interior Minas Gerais, em Brasília ou na periferia de Brasilia, assim como em outras capitais, fazem com que a cultura local e nacional seja difundida e vista por mais pessoas.”

A consequência não são apenas empregos, diz o produtor cultural - apesar de elas serem extremamente importantes. “O incentivo fiscal colocado para cultura é muito menor que o incentivo fiscal da indústria automobilística, que emprega muito menos que a cadeia produtiva cultural”, compara Luiz Noronha. “E isso impacta uma cidade e uma região de uma maneira absurdamente positiva - e sem dúvida nenhuma também impacta para quem produz cultura. Também fomenta um ambiente de contato para que as empresas estejam em contato com o público”. No fim, todos ganham com este círculo virtuoso, defende o produtor brasiliense.

Eduardo Szazi também reflete que a proposta de incentivo à cultura tem importância dentro do projeto de país que o Brasil busca executar. “Precisamos da cultura para avançar como civilização, ainda que determinadas expressões culturais não sejam unânimes”, disse. “E isso é bom porque mostra a diversidade da Humanidade e o uso da Lei Rouanet deve expressar essa diversidade. Não há polarização, mas opressão quando se pretende impor um gosto ou padrão estético a toda a sociedade.”

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