O que a reforma elétrica no México diz sobre lítio, energias verdes e CFE?

De acordo com informações da CFE, de 2019, a geração de energia elétrica a partir de sistemas de transformação solar-fotovoltaicos representava apenas 0,0006% do total/Unplash
De acordo com informações da CFE, de 2019, a geração de energia elétrica a partir de sistemas de transformação solar-fotovoltaicos representava apenas 0,0006% do total/Unplash
Mudanças apontam caminhos para decisões em outros países da América Latina.
Fecha de publicación: 19/10/2021

A iniciativa da reforma à Constituição mexicana apresentada pelo Executivo em matéria de energia elétrica não só despertou a preocupação do empresariado do setor, que antecipa uma perda da competência frente à Comissão Federal de Eletricidade (CFE), a paraestatal de energia mexicana, mas questiona o compromisso pela transição a energias renováveis que o México assinou, conforme o Programa Especial de Mudança Climática 2021-2024.

No dia 30 de setembro, o presidente Andrés Manuel López Obrador enviou à Câmara dos Deputados uma iniciativa que planeja a modificação de três artigos da Constituição relacionados à produção de energia elétrica no país e que dão maior controle à CFE na produção, compra, venda e distribuição de energia.

Além disso, há uma semana López Obrador assinou um decreto presidencial para prolongar o objetivo de gerar, para fins de 2024, 35% de toda a eletricidade que se consome no país com fontes renováveis de energia, como a eólica, solar e hidrelétrica. Com este decreto, o objetivo é adiado até 2030. Segundo Oscar Ocampo, coordenador de Energia do Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO), mesmo adiada, esta meta será difícil de cumprir se a iniciativa da reforma de titularidade do Executivo for aprovada. 

“Se devolvermos o monopólio para a CFE é simplesmente impossível pensar que podemos cumprir com isso”, afirma Ocampo, em entrevista para LexLatin.


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A iniciativa de reforma constitucional impulsionada pelo presidente implica a modificação de três artigos: o 25, 27 e 28. Com essas modificações, López Obrador pretende que a CFE assuma um papel preponderante na compra e venda de 54% da “eletricidade” que se consome em todo o país. 

“A CFE determinará as tarifas das redes de transmissão e distribuição, assim como as tarifas para os usuários finais”, aponta a iniciativa que, segundo o presidente, evitará o aumento do custo da energia elétrica.

Estes dois pontos, somados à intenção do governo de encarregar à CFE a transição energética para fontes renováveis evidenciam que a migração para energias renováveis não é prioridade do governo e, inclusive, com as modificações fica mais difícil a transição, estima Ocampo.

“O que a iniciativa faz é confiar ao CFE o reitor da transição energética e isso é completamente absurdo. Pensar que um único ator pode ser encarregado da transição energética não faz sentido”, acrescenta o especialista da IMCO.

De acordo com o Plano de Negócios 2021-2025 da CFE, a produção a partir de energias renováveis não está considerada nos projetos, mais do que nas obras de ciclo combinado, este é o processo de produção de energia em que se usa um fluido de vapor de água adicionado à combustão de um gás, o qual deixa de lado a produção de energias inteiramente renováveis.

Segundo informações da CFE, de 2019, a geração de energia elétrica a partir de sistemas de transformação solar-fotovoltaicos representava apenas 0,006% do total, enquanto que a eólica era de 0,05%.

Os contratos de energias renováveis em mãos de privados poderiam ter uma “luz no fim do túnel”. Esta quinta-feira (14), Manuel Rodríguez, presidente da Comissão de Energia da Câmara de Deputados, disse à Bloomberg que, caso a reforma seja aprovada, os contratos de energias solar e eólica não serão cancelados.


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O custo maior

Enquanto o governo aponta na iniciativa apresentada ao Congresso a construção de dois grandes projetos de energias limpas que envolvem a renovação de 10 centrais hidrelétricas e a construção de um parque fotovoltaico de “grande magnitude”, organismos como o Greenpeace prevêem que a reforma vai abrir a porta para energias contaminantes e custosas.

Pablo Ramírez, especialista em energia e mudança climática do Greenpeace México, elaborou um relatório em que ele assinala que “as energias renováveis (no texto “intermitentes”) não são consideradas nem seguras nem confiáveis pelas autoridades, por isso não serão levadas em conta no gabinete, apesar de ter custos de nível bem mais baixos”. De acordo com o referido relatório, o uso de combustíveis fósseis, como carvão e óleo combustível, para gerar a energia elétrica que sustenta a reforma em andamento, não teria apenas um custo maior para a saúde dos mexicanos, mas para seus bolsos, uma vez que a produção dessas fontes é mais cara.

Se o governo pretende usar fontes de geração de “luz” mais caras e, por sua vez, promete aumentar o preço para os cidadãos, há um dilema. A saída, segundo o coordenador da área de energia do IMCO, é o subsídio.

“O que teria que acontecer, necessariamente, é aumentar o subsídio que é dado ano a ano para a CFE, ou seja, a transferência de perdas por subsídios que vêm dos impostos”, afirma Ocampo.

Segundo os estados financeiros da paraestatal elétrica, durante 2019, antes da pandemia, os recursos obtidos por subsídios foram equivalente a 12,5% do total do faturamento da empresa. Ou seja, ao menos 75,1 bilhões de pesos (3,7 milhões de dólares) foram dados à CFE por parte da Fazenda.

Em 2020, estes recursos chegaram à 70 bilhões (3,5 bilhões de dólares), enquanto, para este ano, o subsídio aprovado é de 71 bilhões de pesos; durante o próximo ano, estima-se que sejam 73 bilhões de pesos (3,6 bilhões de dólares) em subsídios, um valor que aumentaria se aprovada a reforma elétrica e mantém a promessa de não aumentar as tarifas nas contas de “luz” no país.

A Confederação de Empregadores da República Mexicana (Coparmex) adverte que a produção de energias limpas é mais barata quando está nas mãos dos privados. Segundo dados da Comissão Reguladora de Energia (CRE), o custo médio de geração de energia eólica é 40,2% mais barata ao ser produzida por uma empresa do que pela CFE; enquanto que a energia solar tem um custo de produção 57% mais baixo nas firmas privadas; e a geotérmica é 57,2% menos cara em relação à produzida pelo governo.

“Além disso, considerando as plantas hidrelétricas da CFE, durante 2021, em média o custo por MWh foi entre 1.155 pesos (cerca de 56 dólares) mais caras que as plantas de energia eólica e solar do setor privado”, argumenta o organismo empresarial.


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Certificados de energias limpas

Com a reforma energética pretende-se, além disso, eliminar os Certificados de Energias Limpas (Cels), os títulos emitidos pelo governo para incentivar os investimentos de projetos de energia renovável ou limpa, e que dão um rendimento às empresas que realizam projetos ou obras de energia “verdes”.

Como a CFE vai decidir de quem comprar a energia elétrica, além de que os atores privados deverão se submeter às regras de preços definidos pelo próprio governo, o incentivo já não será aplicado, porque os novos projetos de energia ficam anulados.

As energias renováveis perdem também, porque nas novas regras de abastecimento o governo dará prioridade ao uso de energia produzida, distribuída e vendida pela CFE, isso é, pelo menos 54% do total no país.

Uma vez que a energia seja abastecida em, no mínimo, essa porcentagem, então poderão entrar os agentes privados. 

“As renováveis ficariam no final do final, uma vez que as usinas da estatal forem despachadas, então as privadas poderão entrar”, diz Ocampo.

Rocío Nahle, secretária de Energia, afirmou na segunda-feira, durante uma conferência matinal, que as energias provenientes de parques solares e eólicos serão posteriores à eletricidade gerada por óleo combustível, termonucleares e hidrelétricas e somente antes da energia obtida através da combustão de carvão.

Isso ratifica que a transição energética impulsionada pelo governo deixa de lado as energias renováveis e aposta nas hidrelétricas, o ciclo combinado e outros combustíveis fósseis para produzir energia necessária para o país.

Sem propiciar o investimento em energias renováveis através dos Cels, com o controle da transição energética nas mãos do governo e com a preponderância das fontes de energia contaminantes, o México chegará à COP26 sobre a Mudança Climática de Glasgow, que será realizada em novembro, sem estratégia para cumprir as metas de redução de emissões e uso de energias “verdes”.

Nessa reunião também se discutirá o papel do lítio na conformidade de soluções de armazenamento elétrico.

Concessões de lítio

Apesar de ser uma reforma da eletricidade, o governo estabeleceu em sua proposta que nenhuma concessão será feita sobre o lítio e outros minerais estratégicos necessários para migrar para a energia renovável.

O lítio é um mineral que, durante os últimos anos, ganhou relevância devido ao seu uso para baterias de armazenamento de energia elétrica, não só em celulares ou outros aparelhos pequenos, mas também em carros e inclusive em aeronaves como as fabricadas pela Boeing, uma das empresas líderes em aviação.

Para López Obrador, ter um controle absoluto sobre o lítio faz parte da segurança energética, ele inclusive afirmou que, ainda que não sejam aprovadas as mudanças na Constituição, ele não permitirá concessões a privados.

“Para que não tenham ilusões sobre o lítio, se houver um ato de traição contra a nação e não for aprovado que o lítio esteja nas mãos da nação, de todas as maneiras negaremos qualquer pedido de posse para exploração de lítio”, alertou o presidente em 7 de outubro, em sua conferência matinal.

Para Ocampo, colocar o futuro da energia nas mãos do governo e seu armazenamento torna o país menos competitivo porque, junto com a exploração do mineral, é necessário desenvolver a tecnologia necessária para poder utilizá-lo com eficácia.

“É um mercado que o futuro vai explorar e tem um potencial imenso. A questão é como maximizar o valor do lítio no México, como fazer uma indústria competitiva”, questiona Ocampo.

Países como Bolívia estatizaram o lítio, enquanto a Argentina e o Chile optaram por permitir a participação de agentes privados na exploração do mineral.

De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Chile é o país com as maiores reservas de lítio, com 9,2 milhões de toneladas; seguido da Austrália, com 4,7 milhões de toneladas. O México tem 1,7 milhões de toneladas em reservas.

Investimentos

Com a reforma energética aprovada em 2013, durante o governo de Enrique Peña Nieto, os investimentos em matéria energética, particularmente nas energias renováveis, começaram a ser de interesse dos agentes privados, sobretudo de empresas internacionais.

De acordo com um relatório da Espanha Export and Investments (ICEX), um grupo do governo espanhol que promove o investimento de empresas ibéricas no exterior, a reforma Peña Nieto levou a um investimento em projetos de energias renováveis ​​entre 2013 e 2019 de 9 bilhões de dólares, isto através de três leilões de eletricidade.

Com o novo governo, os leilões foram cancelados. Nos três primeiros anos da administração de López Obrador foram realizadas aquisições em energias renováveis por 1,8 bilhões de dólares, segundo informações do Ágora, ferramenta que registra os dados de aquisições, emissões e financiamentos na América Latina.

Entre dezembro de 2018 e outubro deste ano, apenas 7 operações de energias “verdes” foram realizadas no México. A operação que envolveu maiores recursos foi a venda de duas plantas de geração renovável de energia elétrica que a Alpek, empresa petroquímica mexicana, realizou por 801 milhões de dólares para a empresa britânica Contour Global.

“O portfólio de ativos adquiridos consiste em 932MW de capacidade de energia elétrica nos sítios petroquímicos da Alpek em Veracruz e Tamaulipas, das quais 518 MW estarão operando no fim da operação”, afirmou a empresa mexicana no início de 2019.

De acordo com a Bloomberg, em dezembro do ano passado, aproximadamente 200 projetos de energias renováveis, que incluem parques eólicos, usinas de gás natural, painéis solares e outros projetos, estavam detidos devido à suspensão de licenças no setor energético que ordenou o presidente mexicano.

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