Orçamento secreto: A queda de braço entre o Congresso e o STF

Rosa Weber, do STF, recuou após argumentos de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco/ Nelson Jr/STF/Fotos Públicas
Rosa Weber, do STF, recuou após argumentos de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco/ Nelson Jr/STF/Fotos Públicas
Entenda o que está em jogo na disputa entre o Judiciário e o Legislativo.
Fecha de publicación: 07/12/2021

Na queda de braço entre os poderes Legislativo e Judiciário a respeito de como o país gere seu Orçamento, o Congresso Nacional parece, por ora, ter vencido. Uma decisão da ministra Rosa Weber surpreendeu ao rever um posicionamento seu dado no início do mês passado (5/11), permitindo o retorno das chamadas “emendas do relator-geral”, conhecidas pelo termo técnico (RP9), ou pelo pouco elogioso termo popular Orçamento Secreto.

Cada país tem uma maneira distinta de gastar seu dinheiro - e nenhuma, até onde se sabe, possui as características do orçamento secreto do Brasil. Desenvolvido com base nas emendas impositivas, ele permite que os parlamentares indiquem diretamente onde e quanto gostariam de ter investidos do Orçamento em projetos que podem ser importantes para sua região. 


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Em tese, a proposta seria saudável e até bem-vinda, mas atraiu críticas generalizadas no Brasil por sua falta de transparência e excesso de capital concentrado na mão de uma pessoa. Acredita-se que as dezenas de bilhões de reais em investimentos na mão do senador Márcio Bittar (PSL/AC), relator do Orçamento de 2021, e de Hugo Leal (PSD/RJ), relator de 2022, sejam na verdade uma poderosa arma de compra de apoio parlamentar e que o montante seja na verdade direcionado, em sua maioria, a quem vote de acordo com as inclinações do governo federal. 

O esquema, revelado por uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo em maio deste ano, gerou ações no STF (Supremo Tribunal Federal). Uma delas, aos cuidados da ministra Rosa Weber, acabou sendo acolhida de maneira cautelar em novembro: por oito votos a dois, o Congresso ficou proibido de apresentar emendas de relator ao Orçamento e o poder Executivo ficou proibido de realizar tais obrigações.

A reviravolta da decisão de Rosa Weber veio após uma pressão do poder Legislativo para manter para si o controle de parte do Orçamento público. O Congresso Nacional se acelerou e, em 30 de novembro, aprovou alterações na maneira como são executados e tornados públicos os dados das emendas do relator. Mas além de apresentar mudanças apenas para casos futuros,  ainda pode permitir que se oculte quem é o parlamentar agraciado com o valor para a execução de obras, compra de equipamentos como tratores e afins. As mudanças não fizeram com que as emendas do relator deixassem de existir - e Hugo Leal terá, no ano que vem, acesso para manejar R$ 16,2 bilhões, mais verba que alguns ministérios de Jair Bolsonaro. 

Rosa Weber indicou que tais mudanças aprovadas pelo Congresso, a partir de agora, deverão ser consideradas na execução das emendas de relator. Sua razão principal para voltar a permitir o “Orçamento secreto”, é o argumento apresentado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) de que a não execução das emendas já planejadas para 2021 poderia causar graves problemas a setores como saúde, educação e infraestrutura.

“Metade das verbas autorizadas para despesas classificadas como RP 9 destinam-se ao custeio dos serviços de atenção básica e assistência hospitalar, a revelar que a suspensão da execução dessas parcelas orçamentárias prejudica o cumprimento de programações orçamentárias vinculadas à prestação de serviços públicos essenciais à população”, disse a ministra em sua decisão, aludindo a uma nota técnica do Congresso Nacional.

Isso poderia representar um desfalque de R$ 2,4 bilhões em saúde básica, assim como projetos de desenvolvimento sustentável local integrado (R$ 1,6 bilhão ainda não executados), ou mesmo R$ 1,2 bilhão em desenvolvimento viário. 

Com esses argumentos, a ministra recuou: “A necessidade de proteger a continuidade dos serviços públicos prestados à comunidade em geral – como via permanente de acesso das pessoas aos seus direitos básicos e às condições de existência digna – tem orientado a jurisprudência desta Suprema Corte”, escreveu Rosa Weber. 

A nova decisão da ministra será submetida a novo julgamento no Plenário Virtual da Suprema Corte. Até a noite desta terça-feira (7), ainda não havia data marcada para esta deliberação.

O sócio fundador da Metapolítica Consultoria, Jorge Ramos Mizael, considera que o Judiciário trouxe um debate importante sobre as práticas orçamentárias do Congresso, mas que ao fim há um equilíbrio neste choque de placas tectônicas. 

“Não houve, necessariamente, uma vitória [do Congresso], sendo que já era previsto esse rearranjo do Legislativo dando uma nova roupagem ao tratamento das emendas de relator”, comentou, “mas que não necessariamente significa uma vitória - é sim uma reorganização que só é possível com o trabalho constitucional de equilíbrio dos poderes que o Judiciário tem de fazer mesmo.”

Na visão do professor de Economia do IBMEC São Paulo, Alexandre Pires, a reação do Congresso - e sua vitória no braço-de-ferro contra o STF - aponta para uma consolidação da política de emendas impositivas, que surgiram em 2006 e só ganharam corpo a partir de 2013, com o enfraquecimento do governo de Dilma Rousseff.

“Bolsonaro entra na presidência sem maioria legislativa e de certo modo sem maneiras claras de combater esse sistema”, analisa. “Com a entrada dele, o Parlamento vai intensificando seu aparato constitucional de Orçamento impositivo.”

Por isso, enxerga o professor, as medidas que o Congresso toma são constitucionais. “É uma situação onde o Parlamento se assegurou constitucionalmente fazendo emendas, dificultando que isso fosse revertido. Ao mesmo tempo, coloca essa discussão no STF. Agora, para tentar reverter isso, todo o debate será no STF, porque já são quatro emendas parlamentares”, explica. “E o Parlamento não vai mudar isso. Não à toa que, mesmo depois das decisões da Rosa Weber pedindo um pouco mais de transparência, o que se viu são as mesmas regras, as coisas saindo da mesma maneira. O Parlamento está apostando que o que ele está fazendo é constitucional.”

E esse cenário, argumenta o professor, torna as emendas de relator mais permanentes: uma revisão das emendas constitucionais que autorizam o Orçamento impositivo do Parlamento ( Emendas 85, 100, 102 e 105) precisariam passar por uma Ação Direita de Inconstitucionalidade, uma ADI. O que Roda Weber julga hoje é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma ADPF. Por isso, sua decisão tem escopo limitado sobre o tema.

Ao fim, Alexandre Pires aponta que a batalha entre os dois poderes indica a ascensão de um “superparlamento” em termos de poderes - mas isso não é necessariamente um bom sinal. “O Congresso Nacional nunca teve tanto poder quanto teve no período entre 2015 e hoje. Nunca tivemos um ‘supercongresso’ assim. As derrubadas de vetos do governo Bolsonaro ao Orçamento impositivo ocorreram por cerca de 400 votos favoráveis a derrubar o veto e dois contrários. Ao mesmo tempo, o Congresso controla pedidos de impeachment de ministros do Supremo”, ponderou. “É um jogo pesado, e hoje estamos vendo, mesmo que de forma transitória, um parlamentarismo disfuncional. Aqui temos um parlamento que produz pouquíssimo resultado e um imenso poder. E isso jamais foi visto.”


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O cientista político e professor Rodrigo Prando indicou que, apesar da vitória, o Congresso não sai mais “independente” da disputa. “Nenhum poder é soberano em relação a outro”, lembrou o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. A situação denota, em sua visão, uma deficiência de um terceiro ator, o presidente Jair Bolsonaro. 

“O presidente passou muito tempo confrontando e se preocupando com questões ideológicas, que conseguiram manter sua base coesa nas redes sociais... e ele deixou de governar, deixando reformas para um plano secundário ou terciário”, disse. “Isso tudo acabou enfraquecendo o presidente, que teve abrir mão de liderar o processo e ficar refém do Centrão.”

O Orçamento Secreto seria, portanto, uma espécie de entrega do que o Centrão exigia, segundo o professor. “O poder não fica órfão. Se o presidente não exerce o poder como deveria, aí o Centrão acaba tomando esse espaço.”

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