Os desafios tributários do Chile

O aumento daria ao Boric mais um ponto percentual do PIB em receita, cerca de 2,53 bilhões de dólares. / Foto: redes sociais de Gabriel Boric.
O aumento daria ao Boric mais um ponto percentual do PIB em receita, cerca de 2,53 bilhões de dólares. / Foto: redes sociais de Gabriel Boric.
A partir de março país terá a administração de Gabriel Boric.
Fecha de publicación: 14/01/2022

O aumento da inflação e o déficit fiscal deverão ser atendidos pelo novo governo chileno, liderado por Gabriel Boric, antes de implementar o plano econômico que propôs durante sua campanha eleitoral. Isto tomará o Executivo – ao menos – nos dois primeiros anos de governo para poder iniciar as mudanças prometidas. O caminho econômico que Boric planejou é delineado por uma política solidária. Entre seus eixos está a maior arrecadação de impostos sobre a mineração, por meio do aperto dos royalties – renda atualmente paga pela indústria do cobre – e a inclusão de um imposto sobre grandes riquezas.

Além disso, na lista de tarefas urgentes do presidente eleito também há a de lidar com um sistema de aposentadoria sobrecarregado pela pandemia: muitos dos contribuintes deixaram as contas zeradas por meio de saques, uma situação que coloca na mesa, na perspectiva de Boric, os planos de um novo sistema de aposentadoria mais solidário, com uma aposentadoria universal.


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De acordo com a Superintendência de Pensões, há 2,1 milhões de afiliados com suas contas vazias, enquanto outros 990 mil têm um saldo em suas contas de 1.000 pesos chilenos (pouco mais de um dólar) e 100.000 pesos chilenos, o que se traduz em apenas 121 dólares.

Diante desse cenário, Sergio Godoy, doutor em finanças e economista-chefe do STF Capital, considera que vale perguntar “quanto o novo governo pode reduzir o déficit de 8% na arrecadação de impostos e baixar a inflação, quase na mesma proporção com que fechou em 2021, aumentando 7,2%, conforme relatado na sexta-feira passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) do Chile

“Boric enfrenta uma situação fiscal muito complicada: o déficit que ele herda é o pior que um presidente democrático já teve no Chile. Em 2020 tivemos um de 8% (do PIB) e em 2021 haverá um número semelhante”, estimou o especialista, que também é membro do Comitê Consultivo de potencial do PIB, grupo consultivo do governo chileno que faz estimativas da economia andina do país há quase duas décadas.

No relatório de finanças públicas do terceiro trimestre, a diretora de Orçamentos do Ministério da Fazenda, Cristina Torres, explicou que a crise sanitária obrigou o governo chileno a estender a renda familiar emergencial (IFE) até o final de 2021, o que resultou em um déficit de 8,3%, já que o gasto fiscal ultrapassou 35 bilhões de dólares.

“Embora isso tenha levado a dívida bruta a atingir 34,9% do PIB, enfrentar a maior crise sanitária e econômica da história moderna envolveu todos os esforços para apoiar as pessoas, trabalhadores e famílias na proteção de sua renda”, disse Torres no final da Setembro de 2021.

Reforma tributária

Boric está ciente da necessidade de realizar uma reforma tributária para aumentar a arrecadação e, assim, estabilizar a economia deficitária do Chile. Esta reforma procurará arrecadar cerca de 8% do PIB com o aumento dos impostos, que será gradual e cuja implementação deverá ser concluída num período que varia entre 6 e 8 anos.

O objetivo será aumentar a carga tributária para 1,5% do total de contribuintes no Chile, para isso, são considerados os cidadãos que obtêm renda mensal acima de 4,5 milhões de pesos chilenos por mês, ou seja, cerca de 5.400 dólares por mês. Com isso, o plano fiscal do candidato que tomará posse em 11 de março estima que a arrecadação possa ser aumentada em cerca de 1%.

Ao mesmo tempo, será buscada a melhor fórmula para reduzir a evasão fiscal dos investidores na retirada de seus lucros, ao mesmo tempo em que se reafirmam as facilidades das pequenas e médias empresas (PMEs). Vale ressaltar que o Chile possui um regime tributário especial chamado ProPyme. Com isso, por exemplo, a prestação mensal provisória (PPM), que normalmente para as empresas é de 1% do lucro líquido obtido no período, as PMEs têm uma taxa de 0,25% durante o primeiro ano de operação e até meio ponto percentual nos anos seguintes, desde que ultrapassem 50.000 Unidades de Fomento (UF), que é um índice reajustável.

Este aumento daria a Boric um ponto percentual a mais do PIB em arrecadação, uns 2,530 bilhões de dólares, se comparado com o tamanho da economia de 2020, quando – segundo dados do Banco Mundial -, a renda do Chile foi de quase 253 bilhões de dólares.

Godoy indica que o plano do novo presidente é ambicioso, embora tenha um capital político sólido em comparação com Sebastián Piñera, que, após as manifestações de 2019, não conseguiu recuperar sua popularidade ou ter margem para realizar mudanças fiscais.

Em contrapartida, o economista-chefe do STF Capital garante que o governo Piñera se dedicou a queimar o orçamento buscando diminuir o impacto da pandemia, concedendo ajudas solidárias que afetaram a estrutura econômica do país.

Vale ressaltar que no Chile o chefe do Executivo é o único com poderes na Constituição para enviar iniciativas orçamentárias, diferentemente de outros países da região, como México e Peru, onde os gastos são discutidos e acordados entre o Congresso e o chefe executivo.

Imposto sobre a riqueza

Por enquanto, Boric concordou em herdar o orçamento já aprovado em outubro do ano passado pelo governo Piñera, mas - segundo Godoy - é muito provável que na redação da nova Constituição, que ficará pronta no final do primeiro semestre do ano, haja novas regras para a discussão do orçamento de despesas, com um papel mais ativo de senadores e deputados.

Nesse primeiro cenário, Boric depende da construção de alianças com os demais movimentos políticos de esquerda e centro, enquanto em um segundo cenário, que envolve o Congresso, seria possível que ele tenha que concordar com os novos parlamentares sobre se a nova Carta Magna estabelecerá a realização de novas eleições.

Conseguir alianças será um desafio importante para o próximo governo: no segundo turno, o agora presidente eleito conseguiu forjar alianças com os políticos mais próximos da ideologia política do 'centro', como a ex-presidente Michelle Bachelet e Ricardo Lagos, que também foi presidente chileno há algumas décadas.

Os acordos e alianças são necessários para promover suas mudanças tributárias, inclusive o imposto sobre a riqueza, ponto de seu plano econômico que converge ideologicamente com a esquerda europeia, já implementado em vários países da região latino-americana.

Na Alemanha, o imposto é cobrado a pouco menos de 10% dos contribuintes com maior rendimento anual, enquanto na França os cidadãos que ganham mais de 1,3 milhões de euros pagam um imposto solidário de até 1,5% do seu faturamento.

Durante a pandemia, a Espanha decidiu aumentar os impostos das grandes empresas para financiar o apoio social, enquanto a Argentina deu luz verde ao aumento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que afeta contribuintes de maior renda e, mesmo no México, foi colocada na mesa do Congresso a necessidade de um imposto sobre os mais ricos, que ainda não foi aprovado.


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Boric estima que este imposto —que se aplicaria às pessoas de alta renda com residência ou domicílio no Chile, com respeito à sua riqueza no país ou no exterior— embora comprometa menos de 0,01% da população adulta, lhe daria uma margem de 1,5% adicional do PIB.

Godoy indica que, mesmo com boa aprovação e margem para negociar no Congresso, Boric não poderia enfrentar uma guerra com os mercados, já que corre o risco de um aumento na saída de capitais, situação que se faz presente há alguns meses.

"A experiência europeia com este tipo de imposto sobre a riqueza não foi muito boa, porque a riqueza se move e é rápida, as pessoas sabem como movimentar seu dinheiro, têm todos os recursos necessários para movê-lo, tenho a sensação de que é um imposto que soa muito bem para a esquerda, mas na prática se não arrecada muito, o imposto é irrelevante”, diz o doutor em finanças pela Columbia University.

Por enquanto, uma das decisões que o novo presidente deve tomar é a nomeação do ministro da Fazenda: entre os economistas mais próximos de Boric está Nicolás Grau, que o acompanhou na última sexta-feira durante a recepção que o presidente eleito deu aos funcionários do o Banco Central, que também contou com a presença do presidente da instituição, Marlo Marcel.

Enquanto isso, em sua primeira entrevista para um jornal chileno, o presidente eleito disse que quer que o processo de reforma tributária seja justo, que não seja visto como uma ameaça aos mais ricos.

"Na América Latina, houve momentos em que governos de esquerda conseguiram entender o círculo virtuoso fazendo amizade com os mercados, como Lula em 2002. Com isso, os custos de financiamento caem e dão mais espaço fiscal", aconselha Monroy ao novo governo.

Caso contrário, diz ele, o mercado vencerá a guerra contra o governo, e desses há muitos exemplos na América Latina.

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