Os motivos que levaram o Brasil a mais uma crise energética

Aneel reajustou bandeira tarifária em 52%. Setores produtivos serão diretamente afetados pela crise/Pixabay
Aneel reajustou bandeira tarifária em 52%. Setores produtivos serão diretamente afetados pela crise/Pixabay
Enquanto governo brasileiro apela para cautela dos consumidores, possibilidade de apagões agora no segundo semestre é real.
Fecha de publicación: 29/06/2021

O Brasil passa, neste ano de 2021, pela pior seca desde o início de medições históricas, em 1930. Os impactos ambientais que a falta de chuvas pode causar ao ecossistema já são conhecidos, mas agora um deles ameaça o bolso de todo o país: o risco de desabastecimento elétrico, já que os níveis baixos afetam diretamente a produção hidrelétrica no país, responsável por 61% da matriz energética do Brasil. 

O risco de ficarmos sem energia elétrica, como ocorreu há 20 anos, é real, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), mas pequeno, segundo o Ministério de Minas e Energia. E as ações já começaram a ser tomadas.


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Nesta terça-feira (29), a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) reajustou a chamada “bandeira tarifária”, um valor acrescido à conta de luz que é atrelado às dificuldades na produção da energia. Os meses de tarifa verde - onde não havia acréscimo na conta de luz - ficaram para trás, e hoje o segundo estágio da bandeira vermelha foi reajustado em 52%. Agora, a cada 100 kW/hora gastos por consumidores ligados ao Sistema Interligado Nacional, haverá uma taxa extra de R$ 9,49.

Dentro da própria Aneel houve discussões sobre o tema. “Aqui a gente daria um sinal de preço condizente com o momento de escassez que se vive”, ressaltou o diretor-geral da agência, André Pepitone. “E essa bandeira com certeza iria prevalecer por pelo menos cinco meses, com um sinal de preço de escassez. A lógica da bandeira é essa.” 

O momento é de apreensão dentro do governo federal. Nesta segunda-feira, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi para frente das câmeras e fez um pronunciamento em rede nacional, alternando momentos onde tranquilizou a população (“Hoje temos um setor elétrico robusto, que nos traz garantia do fornecimento de energia elétrica aos brasileiros”) com o anúncio de medidas e requerendo cautela no consumo de energia elétrica (“É fundamental que, além dos setores do comércio, de serviços e da indústria, a sociedade brasileira, todo cidadão-consumidor, participe desse esforço, evitando desperdícios no consumo de energia elétrica, com isso, conseguiremos minimizar os impactos no dia-a-dia da população.”). 

Algumas medidas práticas já visam evitar o caos no segundo semestre: uma Medida Provisória foi editada nesta segunda-feira (28) para adotar uma Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética. O ministro também anunciou que, em parceria com a indústria, deve propor um programa voluntário para incentivar empresas a deslocarem o consumo dos horários de maior demanda de energia para os horários de menor demanda.

O momento é sim, delicado, na visão de quem acompanha o tema. “O sistema elétrico está em perigo em decorrência da crise hídrica, não há como negar”, afirma Urias Martiniano, sócio da área de energia e infraestrutura do Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados. A decisão de hoje da Aneel está, em sua visão, na linha do que propõe a Lei das Agências - que a proíbe de decidir fora da legislação. ”Mas a diretoria da Aneel, em decorrência do momento vivenciado pelo país, alterou a metodologia para trazer um custo real da energia elétrica ao consumidor”, ponderou. 

A crise energética brasileira é extremamente grave, ressalta o sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados em direito de energia, Felipe Alves Pacheco. “Historicamente, pouco se aprendeu com o racionamento de 2001. Os governos que se sucederam não promoveram os investimentos necessários ao longo dos anos nem concederam satisfatoriamente incentivos para diversificação da matriz energética”. Em 2001, quando a primeira crise estourou, o país era dependente da água para gerar 85% da sua energia. Hoje, com maior diversificação, o patamar ainda é alto, de 61%.

“A postura do MME em pedir ‘cautela’ aos consumidores e buscar inverter o horário de funcionamento da indústria está visivelmente contaminada pelas eleições de 2022”, continuou Felipe Alves. “O atual governo precisará adotar ações concretas para o enfrentamento da crise, mesmo que impopulares, já que a crise provavelmente se prolongará por mais alguns anos. O setor produtivo será afetado, tanto pelo aumento dos custos quanto pelo risco de racionamento e apagões. A imagem do país no exterior também se deteriora, podendo afastar investidores caso o governo não consiga gerir a crise por meio de ações concretas. E quem paga a conta é o consumidor.”

Urias lembra que o caso tem influências indiretas em outros temas caros ao setor: apesar de não estarem ligados, a estimativa de redução de tarifa  prevista com a privatização da Eletrobrás será capturada pelos aumentos causados pela crise hídrica. Ao fim, concorda que as consequências podem ir para além de quando a chuva cair: “É essencial observar que o país está trilhando os mesmos passos com o racionamento em 2001, o que poderá causar um grande impacto político como visto no passado.”


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