Os precedentes de Bolsonaro para faltar ao depoimento na PF

O presidente na última sexta-feira (28) de manhã, durante lançamento de programa de voluntariado. Pela tarde, negou-se a ir ao depoimento(Foto: Estevam Costa/PR)
O presidente na última sexta-feira (28) de manhã, durante lançamento de programa de voluntariado. Pela tarde, negou-se a ir ao depoimento(Foto: Estevam Costa/PR)
Presidente se valeu de recursos envolvendo seu maior rival político para não depor
Fecha de publicación: 31/01/2022

O poder Judiciário ainda estava de recesso na última sexta-feira (28) - mas nem este recesso impediu uma altercação inédita entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o presidente Jair Bolsonaro. O presidente havia sido convocado, no final da tarde da quinta-feira (27), a depor em um inquérito contra si, por suposto vazamento de dados de uma investigação que apurava um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).  

Durante a manhã da sexta, no entanto, cresceram os rumores de que Bolsonaro não seguiria a decisão do ministro Alexandre de Moraes - o que acabou se concluindo às 14h, hora marcada para o depoimento: o presidente da República não estava no local marcado.

Ao mesmo tempo, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com um recurso na corte contra a necessidade de depoimento. Para tal, a defesa do presidente se valeu em um julgamento envolvendo o Lula, hoje o principal nêmese político do presidente. Na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 395, apresentada em abril de 2016, o Partido dos Trabalhadores buscou impedir o dispositivo da “condução coercitiva”, em um momento em que o ex-presidente ainda era um réu não condenado pela Operação Lava Jato.

Na ADPF, o partido argumenta que a Constituição assegura ao réu – assim como a qualquer acusado, indiciado, investigado ou suspeito – o direito de não produzir prova contra si mesmo. “Por conseguinte, aquele de quem não se pode esperar nem exigir colaboração com a acusação não estará sujeito a qualquer espécie de dever de responder às perguntas formuladas”, concluiu o partido. O caso só foi concluído em junho de 2018, com a corte formando maioria pela inconstitucionalidade da condução coercitiva.

Outra das jurisprudências trazidas pela AGU à suprema corte remete à ADPF 444, apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil em março de 2017, com o mesmo tema. O caso foi igualmente julgado em junho de 2018.


Leia também: O que falta para o Brasil entrar na OCDE?


No caso de Bolsonaro, o recurso feito pela AGU foi negado por Moraes por conta do prazo exíguo: a petição da AGU foi protocolada às 13h49, 11 minutos antes do horário do interrogatório. Como o gabinete de Moraes recebeu a peça às 14h08, o recurso foi considerado intempestivo, e o depoimento mantido, mesmo sem o depoente presente.

Também pesou contra o presidente o fato de que Moraes levantou o sigilo de todos os documentos relativos à investigação. Entre eles, um se destacou: um documento da Polícia Federal, assinado pela delegada Denisse Ribeiro, onde se afirma, pela primeira vez, que o presidente cometeu crime funcional ao vazar os dados da investigação.

O crime não foi imputado apenas a Bolsonaro, mas também ao deputado federal Felipe Barros (PSL-PR). “Os elementos colhidos apontam também para a atuação direta, voluntária e consciente[...]considerando que, na condição de funcionários públicos, revelaram conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências, ao qual tiveram acesso em razão do cargo de deputado federal relator de uma comissão no Congresso Nacional e de presidente da república, respectivamente”, anota a delegada. O tema do sigilo de informações de inquérito em aberto é definido pela súmula 14 do STF.


Saiba mais: Houve conflito de interesses na conduta de Sérgio Moro depois da saída do governo?


O criminalista e mestre em Direito Penal Econômico e Compliance, Bernardo Fenelon, esclarece que o Bolsonaro figura como investigado e não testemunha. Por isso, de qualquer modo, ele possui direito constitucional ao silêncio - e, de certa forma, o direito de não prestar depoimento. 

O advogado retorna ao raciocínio das ADPFs que declararam a condução coercitiva inconstitucional: “no curso do inquérito, não há regra que determine a submissão ao interrogatório”, disse. “Pelo contrário: consagra-se ao investigado o direito ao silêncio. Por isso, a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado ou réu não é obrigado a comparecer”. 

Camilo Onoda Caldas, que dirige o Instituto Luiz Gama, lembrou que a estratégia de Bolsonaro pode acabar indo não apenas contra a sua condução para o depoimento, mas mesmo contra a ação de Alexandre de Moraes. “Provavelmente os defensores do presidente vão tentar usar esses dois elementos para tentar descaracterizar a ocorrência de crime de responsabilidade”, indicou.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.