A crise sanitária evidenciou não só as carências das estruturas de saúde dos países, mas também dos sistemas de educação e dos programas sociais. No México, Peru e Brasil as medidas tomadas não frearam o aumento nos índices de pobreza e nem houve o fortalecimento das instituições públicas.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) informou que, no final do ano passado, a pandemia somou 22 milhões de pessoas nas listas da pobreza. O índice global da região latina é de 209 milhões de pessoas nessa condição.
O Brasil, México e Peru estão nas cinco primeiras posições por número de contágios de coronavírus na região. Em conjunto, esses três países acumulam 61,4% dos casos registrados de infecção desde o início da pandemia.
Os governos do México, Peru e Brasil apostaram em injetar recursos em programas de assistência social, transferência de renda e uma série de promessas sobre a melhoria nos sistemas de saúde e educação. Mas essas “bandeiras” não só não tiveram os resultados esperados, como agravaram a situação de marginalização dos cidadãos.
México, “primeiro os pobres”
Em um discurso oficial, o Governo do presidente Andrés Manuel López Obrador é definido com o lema “pelo bem de todos, primeiro os pobres”. Paradoxalmente, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval), a população de pessoas em condições de miséria aumentou em 3,8 milhões em três anos do seu governo. Além disso, ao consultar o coeficiente Gini, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi), a desigualdade não variou drasticamente: passou de 0.426 no primeiro ano do atual governo, para 0.415 em 2020.
Fátima Masse, diretora de sociedade inclusiva do Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO), expõe sobre o contexto mexicano que as decisões de política social no país fracassaram, pois se concentraram na transferência de recursos monetários.
Com o governo atual certos programas se desmantelaram como o Prospera, destinado a pessoas em situação de pobreza extrema. O programa buscava gerar recursos, bem-estar econômico, de alimentação e saúde, assim como a inclusão financeira, trabalhista e de educação. Seu alcance incluía entre 15% e 18% das famílias desse grupo econômico. No seu lugar foi criado o "Becas para el Bienestar Benito Juárez" que, ainda que tenha uma cobertura entre 5% e 6% da população, possui critérios de seleção amplos.
Segundo Fátima Masse, com a diminuição do acesso aos recursos às pessoas que necessitam, agora qualquer pessoa - que cumpra requisitos básicos como a idade - pode, por exemplo, ter acesso a uma compensação econômica por ter 65 anos.
O programa de estadias de crianças que apoiam mães trabalhadoras também foi encerrado. Ele permitia sacar dinheiro para pagar a creche. Segundo avaliações do Coneval, pelo menos 93 programas federais foram bem-sucedidos, mas desses o governo Obrador decidiu eliminar 12.
Masse aponta que é evidente um fracasso em termos de direcionamento. Embora os recursos dos programas sociais tenham um aumento de 13%, em termos reais, nos últimos três anos, houve uma queda nas transferências recebidas pelas famílias com menos recursos e um crescimento de 15% para as famílias com os recursos mais elevados. “É neste sentido que se nota que o desenho simplista não é eficaz para atingir os grupos mais vulneráveis. Com o desenho universal dos programas, automaticamente se perde primeiro os pobres”, destaca.
A essa opinião, soma-se Adriana García, coordenadora de análise econômica do "México, como vamos?". Para ela, a universalidade de programas como a "Pensión del Bienestar para Adultos Mayores" é “irresponsável” porque não há administração eficiente dos escassos recursos públicos.
García destaca que, para uma família em situação de pobreza, a transferência de recursos pode se traduzir na oportunidade de um membro da família ir à escola ou poder manter uma alimentação e não cair na desnutrição. “Esses recursos significam, em alguns casos, a única forma de não cair na pobreza. Então, o fato de os recursos estarem sendo utilizados por mexicanos que não estão na primeira linha das necessidades dificulta o desenvolvimento de uma política social”, explica.
Entre os riscos está - alertam as duas especialistas - que o número de mexicanos que vivem na pobreza aumente no ano seguinte e o governo não tenha mais a ‘justificativa’ da pandemia. “Classificaria os programas como altamente regressivos e provavelmente com um componente clientelista e sem olhar para o desenvolvimento do país a longo e médio prazo”, diz García.
Brasil, a construção de um presidenciável
De acordo com Rodrigo Prando, professor de Ciência Política na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a administração de Jair Bolsonaro se concentrou em confrontar o Poder Judiciário, o Legislativo, a imprensa e os cientistas no lugar de atender à pandemia, o que deixou, até agora, quase 600 mil mortos no Brasil. Segundo dados da Cepal, durante a crise sanitária o país perdeu 10 milhões de empregos.
À medida que a crise brasileira se agrava - aponta o analista político - Bolsonaro eleva o nível de suas lutas com o Supremo Tribunal Federal. Para Prando, a atitude do presidente aponta a colocar uma série de dúvidas no sistema eleitoral em face das próximas eleições e o embate com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste cenário os programas sociais, sobretudo o “Bolsa Família”, estão esgotados. Milhões de brasileiros regressaram a condições de extrema pobreza, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. Quase 13% da população, ou seja, quase 27 milhões de habitantes, vive com menos de 50 dólares ao mês.
Uma situação que trouxe prejuízos à imagem do atual mandatário. A última pesquisa do Datafolha mostra que em julho a desaprovação do Executivo foi de 51%, a mais alta do seu governo. De acordo com Prando, a reprovação da gestão de Bolsonaro está ligada ao aumento de mortes pela pandemia e a problemas econômicos do Brasil.
“O presidente não apresentou nenhuma ideia, nenhum projeto que permita retomar a economia e avançar na vacinação, foram os governadores dos estados que impulsionaram as medidas”, detalha o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Com um elevado nível de dúvida, produto das transferências de renda do programa Bolsa Família, que significou ao redor de 5% do PIB brasileiro durante o ano passado, o mandatário começou a voltar a página para manter a todo custo o poder.
“O único objetivo de Bolsonaro é se manter no poder, é o único projeto concreto que ele tem, por isso essa situação de confrontação com a sociedade para colocar em dúvida a realização das eleições de 2022”, estima Prando.
Peru, a eleição da classe esquecida
Pedro Castillo, hoje presidente do Peru, foi o candidato mais votado no primeiro e segundo turno. No primeiro foi marcado por 2,7 milhões de votos e no segundo alcançou 8,8 milhões de votos.
Sua marca é seu chapéu serrano. É o primeiro presidente com sotaque provinciano, de Cajamarca, e que já foi professor rural.
Muitos analistas explicaram seu triunfo com sua identidade cultural e que todas as suas propostas foram destinadas às pessoas em condições de pobreza e marginalização, principalmente localizadas nas províncias do país.
Segundo Carlos Parodi, pesquisador principal do Centro de Pesquisas da Universidad del Pacífico, Castillo chegou ao poder com propostas populistas: mais oportunidades para os pobres, maiores gastos com educação e saúde.
O problema, segundo o especialista, é que não tem respaldo financeiro viável. O presidente ainda não está há um mês no Palácio do Governo, mas a partir de sua posse instalou-se uma incerteza no terreno político, econômico e social do país andino.
Relatado por Parodi, a primeira coisa que Castillo fez foi garantir que a indústria de mineração, principal motor econômico do Peru, que contribui com 14% do PIB e representa 60% do total das exportações, fosse nacionalizada.
As reações do mercado foram contundentes, tanto que o ministro da Economia, Pedro Francke, um intelectual que assumiu o cargo como compromisso com a aliança Juntos pelo Peru, de um partido político diferente de Castillo, se apresentou à opinião pública para dizer que não tocariam nas empresas privadas.
“Castillo venceu as eleições com propostas de caráter extremamente populista, ser de esquerda, direita ou centro não tem nada de errado, mas o populismo tem mostrado na América Latina gerar benefícios no curto prazo e depois destruir economias”, disse o pesquisador da Universidade do Pacífico.
Prova do incipiente populismo do novo Governo é o anúncio do repasse de 350 soles (cerca de 85 dólares ao câmbio atual) a pouco mais de 13 milhões de peruanos, sem fortalecer nenhuma das estruturas sociais, nem emitir iniciativas de lei que atendam as carências do fundo.
Essa medida, de acordo com Parodi, vai desequilibrar a economia do Peru, já que no ano passado houve queda de 11,2% no PIB, o pior resultado dos últimos trinta anos.
Segundo a análise do professor, medidas como essas questionam não só a viabilidade econômica do incipiente governo Castillo, mas o próprio governo. É importante considerar a fragilidade da convocação da Presidência, por se tratar de uma gestão que vem de uma profunda crise política entre Executivo e Legislativo.
“Há contradições dentro dos próprios membros do governo: o Ministro da Economia diz uma coisa, o ‘dono do partido’ no poder, Cerrón, o contradiz; o presidente não fala nada e o primeiro-ministro fala pouco ou não sabe o que diz”, estima Parodi.
Vladimir Cerrón fundou, em 2012, o partido Peru Livre, o mesmo que levou Castillo à presidência. A encruzilhada, lembrou Parodi, é que o próprio Cerrón tinha a intenção de participar das últimas eleições, mas não pôde devido a uma condenação por atos de corrupção que cometeu durante seu governo em Junín.
Para o pesquisador da Universidad del Pacífico, a incerteza agravará as condições econômicas do país, isso no marco de uma terceira onda de contágios no Peru. Na sua opinião, a maneira adequada de amenizar os efeitos econômicos da crise da saúde é enviar o sinal correto de estabilidade aos mercados, nomear um presidente do Banco Central do Peru (BCR) que mantenha a confiança e promova o investimento privado, que no Peru chega a 80%.
Com esses movimentos e distanciando-se do Peru Libre, partido que o levou ao poder, Castillo pode começar a ganhar maior aprovação da população, dos investidores e dos mercados estrangeiros.
“A solução na realidade é que Castillo tome a decisão de se separar da esquerda radical de Cerrón e se converta em um esquerdista moderado, o que envolve mudar o primeiro-ministro e outros seis de seu gabinete que são altamente questionados por corrupção e certos antecedentes: isso acalmaria a situação política ”, disse Parodi. No dia 26 de agosto será a apresentação do gabinete perante o Congresso, podendo este vetá-la.
A maior promessa de curto prazo é a criação de um programa de empregos temporários. O Ministério da Economia está confiante na redução do déficit, no controle do dólar e da inflação.
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