Pandemia pode abrir espaço para reforma tributária mais ampla no Congresso?

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Para especialistas, crise do novo coronavírus pode iniciar mudanças mais profundas na política de arrecadação.
Fecha de publicación: 01/04/2020
Etiquetas: COVID-19

O novo coronavírus ainda não chegou ao ápice de sua contaminação – mas os efeitos são sentidos em um país que, às pressas, foi obrigado a fechar as portas. Com setores inteiros em grave crise financeira e sem perspectivas de fluxo de caixa para o curto prazo, e com o legislativo focado em medidas emergenciais, textos antes considerados essenciais, como a reforma tributária, estão em segundo plano.

Analistas se dividem se este seria o momento para aprofundar discussões sobre a arrecadação no país.

"Devemos aproveitar que a economia está baqueada, patinando nestes meses, para aprovar uma reforma tributária mais ampla", argumenta o tributarista Bruno Henrique Coutinho de Aguiar, sócio de tributário do Rayes & Fagundes Advogados. "É uma oportunidade de ouro".

A discussão sobre a reforma tributária está em suspenso no Congresso Nacional: apesar da expectativa de parlamentares de que o relatório sobre a reforma tributária venha até o início de maio, como planejado pela comissão, há um consenso de que o foco, tanto de Câmara dos Deputados quanto do Senado, deve ser na aprovação de medidas emergenciais para áreas afetadas pela Covid-19.

Para um dos envolvidos na negociação, o momento atual é o mais grave já enfrentado pelo país e pelo mundo no último século. Aguiar, que representa empresas no setor farmacêutico e de tecnologia, aponta que a conjuntura econômica justifica o debate no Congresso. 

"Deve se pressionar o Congresso [pela reforma tributária] não por ser uma medida relevante, mas porque neste momento em que a despesa governamental vai às alturas, é inegável que uma reforma tributária deve ser discutida no âmbito da própria pandemia do coronavírus", disse. 

Na última semana, cresceu o debate entre deputados e senadores por uma legislação que  buscasse outras formas de arrecadação – como a tributação de grandes fortunas, que está em discussão no Senado Federal. Segundo o tributarista, há o esforço de categorias para convencer o parlamento de que a reforma deve ser avaliada, como uma solução estruturada de arrecadação. 

Ou talvez não agora

"É um momento de extrema insegurança, e um momento onde não conseguimos, diante de todas estas instabilidades, prever um mínimo do que possa acontecer", afirmou a sócia da Lavocat Advogados e consultora da Frente Parlamentar Mista da Reforma tributária, Mírian Lavocat.

A tributarista aponta que, em um momento onde nenhum setor pode tirar proveito da atual situação, uma reforma tributária poderia ampliar dificuldades em áreas já feridas de morte.

"Pensar neste primeiro momento na implementação de uma reforma tributária que possa prejudicar muitos setores pode acabar até tirando estes atores do cenário, diminuindo a arrecadação com isso", concluiu Mírian.

"Talvez por ser uma alteração tão significativa dentro do sistema tributário brasileiro, não seja o momento para andar com a reforma".

O papel do Executivo 

Mírian, porém, enxerga um outro obstáculo ao avanço de reformas tributárias no país: a própria indecisão do poder Executivo, que não parece se posicionar sobre nenhuma das duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) sobre reforma tributária analisadas no Congresso, ao mesmo tempo em que não envia as sua própria proposta para análise.

"Imaginávamos que o governo também embarcaria dentro desta política reformista, e acelerá-la", explica a tributarista da frente parlamentar mista. Após a pressão de setores que sairiam prejudicados com a atual proposta de reforma, a posição do governo permanece dúbia.

"É uma coisa que ainda não sabemos: se o governo se sensibilizou com alguns setores que tiveram a carga incrementada de maneira significativa, ou se propriamente o governo quer entender melhor as duas PECs que tramitam no Congresso Nacional".

O plano era que, no início de fevereiro, a equipe econômica capitaneada pelo ministro Paulo Guedes enviasse a proposta de reforma tributária ao Congresso "em até duas semanas". Mas o texto, assim como a reforma administrativa, outro projeto considerado crucial por Guedes, jamais chegou ao Legislativo, o que ajuda a criar desgastes entre as partes, e insegurança quanto à viabilidade da aprovação destas emendas, que precisam de um alto número de votos favoráveis (três quintos dos votos, o que corresponde a 308 votos favoráveis na Câmara e 49 votos no Senado).

Por isso, entende Mírian, os benefícios de uma discussão como esta, no cenário de hoje, poderiam trazer mais prejuízos que benefícios ao país. "Se olharmos o cenário para frente, veremos uma perda de arrecadação sem tamanho", apontou. "Começar um conflito maior neste momento...talvez seja algo que possa ser deixado para um futuro mais distante".

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