Qual o papel dos influenciadores digitais no processo eleitoral brasileiro?

Tema, que não é totalmente coberto por legislação, vai ser posto à prova durante as eleições/ Pixabay
Tema, que não é totalmente coberto por legislação, vai ser posto à prova durante as eleições/ Pixabay
Pessoas com marcas consolidadas em redes sociais não podem vender apoio para nenhum candidato.
Fecha de publicación: 03/02/2022

A disputa pelas eleições de 2022 - e pela presidência, em especial - deve colocar o Brasil em seu maior debate por corações e mentes desde a fundação da República, há 132 anos. Além das propagandas eleitorais em rádio e TV, históricas e ainda eficazes, a discussão nas redes sociais, tal como em outros ciclos eleitorais, se mostrará predominante. Mais interessante que a postura dos eleitores e dos candidatos na internet, a figura dos influenciadores cai em uma zona cinzenta, onde ações aparentemente contraditórias podem ocorrer com a permissão legal.

Pessoas com marcas consolidadas em diversas plataformas e redes sociais não podem vender o apoio da sua marca para nenhum candidato, por conta de uma recente decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Mas, como é difícil estabelecer um limite entre o que faz um influenciador e o que faz sua pessoa física, este segundo pode ainda expressar livremente seu pensamento. 


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Na prática, analisam especialistas ouvidos por LexLatin, uma permissão pode acabar por anular a proibição. Também fica difícil definir quem seria responsável por coibir excessos - se o poder público ou as próprias plataformas digitais.

Em uma resolução de dezembro do ano passado, o TSE buscou atacar a questão como foi possível: nas regras de propaganda eleitoral, passou a ser vedada a “contratação de pessoas físicas ou jurídicas para que realizem publicações de cunho político-eleitoral em seus perfis, páginas, canais, ou assimilados, em redes sociais ou aplicações de internet assimiladas, bem como em seus sítios eletrônicos”.

O doutorando em direito pela UERJ e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Bruno Andrade, explica onde chegam os limites da lei. “Esse tipo de contratação por parte das campanhas políticas é vetada”, avalia. “Ele pode manifestar apoio a determinado candidato, uma vez que há a liberdade de pensamento - mas não pode haver a contrapartida de dinheiro.”

Bruno dá um exemplo hipotético de onde as coisas começam a ficar confusas: a vencedora do Big Brother Brasil em 2021, Juliette Freire, amealha não apenas uma multidão de seguidores altamente engajados (no Instagram são 33 milhões; no Twitter, quase cinco), mas uma carreira de cantora pop igualmente acompanhada pelos seus fãs. 


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Ela não pode, de acordo com a legislação, ser contratada para fazer campanha em sua página - mas ela pode ser chamada e devidamente paga para produzir um jingle de campanha. “Ainda que não se cobre do candidato, isso tem de constar nas contas da campanha como um ‘bem estimado em dinheiro’, como uma doação do artista ao candidato”, pondera. “De alguma maneira, isso tem de ser monetizado, nem que seja de maneira fictícia.”

O especialista aponta ainda mais sombras no arcabouço legal: e se um influenciador ceder seu espaço, gratuitamente, para que um candidato nele se promova, por meia hora, para milhões de seguidores? “Em tese a legislação não proíbe, já que estaria dentro da manifestação do pensamento”, indica Bruno. “Mas se houver algum tipo de propaganda dentro do vídeo, mesmo que seja uma propaganda do próprio canal, a legislação atua vedando a cessão do espaço, já que empresas não podem exercer esse tipo de influência”.

“A lei resguarda a artistas e influenciadores, como cidadãos que são, o direito de se manifestarem política e eleitoralmente em seus canais, inclusive pedindo votos, desde que essa manifestação seja gratuita e espontânea”, nos explica Luiz Eduardo Peccinin, especialista em Direito Eleitoral sócio da Peccinin Advocacia.“Porém os influenciadores devem tomar cuidado sobre a forma de se manifestarem, como não ofenderem a honra de candidatos, promoverem discursos de ódio ou veicularem fake news, o que também pode ser objeto de processos judiciais”.

O dilema brasileiro não é incomum em outras partes da América Latina. No México, a influencer Mariana Rodríguez (2.3 milhões de seguidores no Instagram) usou das suas redes sociais para demonstrar apoio ao governador eleito do estado de Nuevo Leon, Samuel Garcia - seu marido. À época, a autoridade eleitoral mexicana multou a influenciadora em 55,4 mil pesos mexicanos (ou R$14,1 milhões), ou duas vezes o que a celebridade teria ganho

A discussão pode chegar a um novo patamar caso o Código Eleitoral, em discussão no Congresso Nacional, finalmente seja aprovado. “No projeto do Novo Código Eleitoral está inserido o artigo 495, que busca vedar a propaganda eleitoral, ainda que gratuita, nos canais dos influenciadores digitais, posto que são diferentes de pessoas comuns utilizando as redes sociais, comparáveis aos grandes artistas e com uma capacidade ainda maior de desequilibrar as eleições”, indica Andrea Costa, sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados. “Se aprovado, poderá evitar esse desequilíbrio como o feito na proibição dos showmícios.”


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Nesta tênue linha entre o legal e o ilegal no mundo dos influenciadores, quem deve arbitrar a situação? As plataformas ou a Justiça Eleitoral? Bruno Andrade diz que as plataformas não possuem condições de analisar tantos casos limítrofes, uma vez que não há critérios nem sobre o que é ser influenciador. “As plataformas têm atuado em colaboração com a Justiça Eleitoral, mas cabe somente a ela fiscalizar as eleições e qualquer ilicitude”, argumenta Luiz Eduardo Peccinin.

“Ambos devem ser parceiros na busca pelo fortalecimento e preservação da democracia que passa necessariamente pelo processo eleitoral”, defende Andrea Costa. “Essa parceria tem sido feita nas eleições anteriores, principalmente na questão de coibir a propagação de fake news, mas ainda não se conseguiu evitar os abusos, em face das infinitas possibilidades de escape fornecidas pela própria internet.”

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