A Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno, por uma estreita margem na madrugada desta quinta-feira (4), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 23/2021, que altera o método de pagamento dos precatórios pela União, estabelecendo uma flexibilização de como e quais títulos judiciais a União pagará em 2022. Enquanto a discussão principal do texto era a possibilidade de financiamento do Auxílio Brasil -que substituirá o Bolsa Família - outros temas devem ser cobertos pela proposta.
Um deles, indicou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a chamada “desoneração da folha de pagamentos”, uma proposta de substituição da contribuição previdenciária da empresa por um tributo que incide sobre a receita bruta da pessoa jurídica. A proposta torna menos oneroso para que a empresa contrate - o que, de maneira direta, influencia na contratação de diversas áreas.
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Antes de a votação ser iniciada, ainda na noite de quarta-feira (3), Lira indicou que a proposta poderia ajudar uma gama de setores. [Com a aprovação] vai se poder abrir espaço para poder dar desoneração de folha para os 17 setores que pleiteiam o benefício”, disse Lira.
O alagoano ainda reiterou que, apesar da possibilidade aberta com a PEC dos Precatórios, o tema ainda depende de um projeto de lei específico, o PL 2541/2021, que aguarda tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). “O que nós temos são 17 setores, com milhões empregos, que estavam sem espaço fiscal”, disse o presidente, que alegou que escolher quais setores receberiam o benefício representaria uma escolha de Sofia. “Eu acredito que todos os setores do Brasil merecem ter sua folha de pagamentos desonerada”, justificou.
Para que a PEC foi aprovada, o governo articulou por semanas o apoio de parlamentares, e Lira precisou flexibilizar a votação para que os deputados que estão na COP26, na Escócia, pudessem votar. Mesmo com o voto do próprio Lira, favorável ao texto, a aprovação aconteceu com 312 votos - apenas quatro além dos 308 necessários para a aprovação de uma PEC.
Bancadas de oposição ao texto, como o PDT, tiveram parte significativa dos deputados votando a favor do texto - em parte, por conta de acordos envolvendo o setor de educação. A postura da bancada abriu uma crise no partido, e motivou o pré-candidato à presidência, Ciro Gomes, a suspender seus planos para 2022 com a legenda.
A proposta é de interesse da maior parte do setor produtivo no país - e na próxima semana, centenas de empresários, apoiados por uma frente parlamentar, deverão estar em Brasília, pressionando pelo tema. “A desoneração da folha é de extrema importância porque é uma medida que tem se mostrado como um dos principais instrumentos para garantir o aumento da competitividade econômica, bem como estimular a geração de emprego e renda”, explica o sócio do escritório Bento Muniz, Eduardo Muniz Cavalcanti.
No entanto, a ideia de promover a desoneração com o rompimento do teto de gastos parece, para o advogado, uma má ideia. “Parece-me inconstitucional, especialmente porque, conforme se verifica do artigo 165, §5º, da Constituição Federal, o orçamento público possui três eixos, quais sejam, o fiscal, de investimento e de seguridade social”, explica, antes de concluir: “Misturar a medida de parcelamento de precatórios, que está relacionada ao orçamento fiscal, para desonerar uma outra fonte orçamentária, que é a da seguridade social, caracterizaria um desvirtuamento das autonomias e rubricas orçamentárias.”
O sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, Roberto Junqueira de Souza Ribeiro, também aponta que a proposta de abrir espaço para a desoneração também é arriscada. O problema, argumenta, é a própria ideia de postergar os débitos.
“O parcelamento de precatórios representa moratória das obrigações do governo, transferindo-se para exercícios futuros o ônus financeiro decorrente de decisões judiciais já transitadas em julgado”, comentou. “Estará se rolando uma dívida já exigível, que impactará nos orçamentos dos anos subsequentes.”
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Para Roberto, a discussão da desoneração da folha salarial deve ser tratada de forma desvinculada do orçamento. “A desoneração da folha não pode ser ‘enxergada’ como mera renúncia fiscal, mas sim como mecanismo de estímulos às contratações formais que acarretarão menores taxas de desemprego e evolução da economia como um todo”, ponderou.
Já Muniz Cavalcanti indica que o país deve investir em maior tributação sobre a renda e o patrimônio, com aplicação de um nível mais adequado de progressividade, “desagravando a tributação sobre o consumo e o emprego, de modo a alcançar maior geração de renda e emprego”. A Câmara voltará a debater a PEC dos Precatórios na próxima terça-feira (9), ainda com a incerteza se haverá os 308 votos necessários para encaminhar o texto ao Senado Federal.
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