O perdão de Bolsonaro a Daniel Silveira e a crise entre Executivo e Judiciário

Indulto deverá ser julgado pelos próprios ministros do Supremo/Zeca Ribeiro/Agência Brasil
Indulto deverá ser julgado pelos próprios ministros do Supremo/Zeca Ribeiro/Agência Brasil
Presidente decreta indulto a deputado utilizando instituto da graça constitucional, mas discussão pode passar novamente pelo Supremo.
Fecha de publicación: 22/04/2022

Menos de 24 horas depois de o STF (Supremo Tribunal Federal), em uma maioria de dez votos a um, condenar o deputado federal Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão, o presidente Jair Bolsonaro agiu, sozinho, contra a principal Corte do país: no início da noite desta quinta-feira (21), em uma live de cinco minutos, o presidente publicou um decreto onde concedeu o indulto presidencial ao deputado, retirando todas as acusações contra o parlamentar.

É a maior crise armada pelo presidente contra a Suprema Corte em todo o seu mandato – que já contou com momentos de altíssima tensão e ataques diretos de Bolsonaro aos ministros da casa. Também cumpre uma antiga promessa do presidente de descumprir as ordens do ministro Alexandre de Moraes, que relatou o caso.


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No texto, lido por Bolsonaro e que ainda depende de publicação no Diário Oficial da União, o mandatário faz uso do artigo 84, inciso XII da Constituição, que autoriza ao presidente “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. Bolsonaro também pode se ancorar no artigo 734 do Código de Processo Penal, que permite ao presidente conceder o indulto “espontaneamente” a quem ele julgar necessário.

Com isso, Bolsonaro inutiliza as mais de seis horas de julgamento de Daniel Silveira – ocorridas sem intervalos e até o meio da noite, em uma raridade para o STF. Em um momento de Corte unida contra ataques externos à sua instituição, os presentes dirigiram duras palavras ao ex-deputado.

Momentos antes de cassarem seu cargo em uma ação penal, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, disse que o então deputado agiu com dolo e consciência em suas seguidas ameaças contra ministros da Corte. A subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, chamou de “intoleráveis” as ameaças feitas pelo parlamentar. 

De todos os votos, apenas o ministro Nunes Marques, o primeiro indicado por Bolsonaro ao cargo, votou por absolver totalmente Daniel Silveira. Em sua análise, todas as ameaças de “pegar o ministro Alexandre de Moraes” pelo colarinho não passariam de mera bravata.

O esforço de Bolsonaro foi combinado com sua base de apoiadores, que imediatamente comemorou e compartilhou a decisão. Mas outras concertações estavam sendo desenhadas: na Câmara, uma proposta de anistia a Daniel Silveira foi desenhada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), outra defensora de primeira hora do bolsonarismo. Até o meio da tarde, mais de 50 deputados haviam assinado a proposta de indulto legislativo aos crimes de Silveira. No entanto, tal medida pode não ser utilizada.

Até a instituição do decreto, Silveira era um condenado comum a uma pena em regime fechado (já que era superior a oito anos) e responsável por uma multa de R$ 212 mil. Na visão do jurista Wálter Maierovitch, a Corte tomou a decisão correta, mas teria pesado a mão na dosimetria da pena. “Se forçou a mão para que a somatória fosse superior a oito anos e desse cadeia direto”, pondera o jurista. 

Para ele, algumas questões não foram levadas em consideração: Daniel Silveira é tecnicamente um réu primário, que confessou seu crime, duas atenuantes que diminuem a punibilidade. “A dosagem foi com mão de ferro, se calcou a mão na balança.”

A primeira questão aberta em relação à concessão de graça é se a decisão do indulto poderá manter os direitos políticos de Daniel Silveira. Uma vez que a pena superior a oito anos implica na perda de direitos políticos, a extinção da pena joga em um limbo a manutenção do mandato do deputado.


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A segunda, e mais séria, é como a Corte irá tratar a questão. Uma limitação sobre o poder da graça constitucional pode afrouxar ainda mais a força que o Supremo tem sobre a questão. Uma corrente de pensamento é que o STF não poderá poupar maiores danos se o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reconhecer antes a inelegibilidade de Daniel Silveira. A Corte se reunirá na próxima terça-feira (27) e é composta em parte por ministros de STF, incluindo o relator, Alexandre de Moraes.

Uma questão importante é que a decisão de Bolsonaro de perdoar Daniel Silveira deverá ser julgada pelos próprios ministros do Supremo. E ainda deve acontecer uma chuva de ações de partidos de oposição questionando a constitucionalidade do indulto.  

Independente do caminho que a Corte faça para manter sua decisão operante, a Justiça terá de fazê-lo, e fazê-lo rápido. 

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