Pets ganham espaço nas discussões jurídicas no Brasil

Já há decisões no Judiciário brasileiro que permitem aos animais serem autores de ações contra humanos/Pixabay
Já há decisões no Judiciário brasileiro que permitem aos animais serem autores de ações contra humanos/Pixabay
Animais de estimação passaram a ter peso maior nas relações humanas. Leis devem seguir junto?
Fecha de publicación: 26/11/2021

Com a reabertura dos aeroportos e a normalização de parte das rotas internacionais, muitos brasileiros estão aproveitando para deixar de vez o Brasil - e Alfredo é um deles. Alfredo, no entanto, não é um emigrante normal: ele tem pêlos, dentes e orelhas grandes. Agora, também possui fama, já que seus donos e a companhia aérea holandesa KLM protagonizaram uma briga dentro do Aeroporto Internacional de Guarulhos -que chegou às vias de fato- para saber se Alfredo podia ou não embarcar para Amsterdã e, em seguida, para Dublin, na Irlanda.

Depois de muita confusão, Alfredo chegou a seu destino

Alfredo, como já é possível notar, não é um humano, mas sim um coelho de estimação de um casal se mudando para o país europeu. A briga dentro do terminal 3 de Cumbica tornou público um fenômeno cada vez mais comum: para seus donos, cães, cachorros, pássaros e qualquer outro bicho de estimação não é mais um pet, mas sim um membro da família.


Leia também: Projeto obriga síndico a denunciar maus-tratos a animais


“Hoje se fala em família multiespécie, que é aquela composta por filhos ou não, por animais, onde a pessoa opta por ter ou não filhos e animais como seus filhos”, diz a presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Animais da OAB de Goiás, Pauliane Rodrigues da Silva Mascarenhas

A especialista em direito animal lembra que em alguns estados a jurisprudência caminha para este sentido, dando ao animal alguns direitos concedidos para humanos, como por exemplo a guarda compartilhada de um animal pertencente a um casal que se separa. Mesmo que sob a responsabilidade legal de um tutor, estes seres vivos não humanos passam a ser o centro de debates jurídicos criados ao redor deles.

No caso do coelho, houve inclusive a edição de liminares, e a ação de representantes legais para permitir a viagem. O escritório que tratou do caso foi o Furno Petraglia e Pérez Advocacia, da cidade de Santos (SP). Procurados pela LexLatin, o escritório não respondeu, mas tratou do tema em suas redes sociais. 

Nosso escritório buscou argumentar com o comandante, mas ele informou não se importar com a decisão judicial e retornou à aeronave, decolando sem nossos clientes”, escreveu o escritório em comunicado, relatando inclusive que o famoso vídeo da confusão não estaria completo e seria revelado em momento oportuno. “O nosso escritório repudia, veementemente, toda forma de violência e, mais ainda, o desrespeito às decisões judiciais, que são um dos pilares do estado democrático de direito. Sendo assim, seguiremos na luta incessante contra qualquer abuso aos direitos dos animais.”

Pauliane lembrou de uma decisão pioneira publicada em setembro deste ano, pela 7ª Turma do TJPR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná), que reconheceu que dois cães, Rambo e Spike, como sencientes - logo, capazes de serem autores de uma ação de maus tratos contra seus donos, que os deixaram em casa sem comida e água. (A ação, em si, foi apresentada por uma ONG de defesa dos direitos dos animais).

A 1ª instância decidiu que animais não humanos não têm direito a requerer direitos na Justiça dos homens - mas a decisão foi revista em 2ª instância. “Reconhece-se a importância do animal não humano como indivíduo, vez que seu sofrimento, físico ou mental, importa por si só, como ser senciente que reconhecidamente é, tanto pela legislação como pela doutrina e jurisprudência, carecendo, portanto, de amparo a sua dignidade assim como proteção a qualquer crueldade, em respeito ao mandamento constitucional”, escreveu o desembargador D'artagnan Serpa Pá.

Andrea Costa, sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados, enxerga que a Justiça tem sido a principal responsável pela mudança na visão sobre esses animais, que começou com as decisões nos julgamentos sobre processos de separação, divórcio e dissolução de união estável, quando passou a estabelecer questões de guarda de animais e possíveis direitos à visitação.

“Também foi fundamental, no reconhecimento dos direitos dos donos dos animais, fortalecendo o direito de tratamento veterinário, não realização de eutanásia, entre outros”, exemplificou. “A chave foram as decisões reconhecendo o direito de guarda e visita  e a convivência dos animais aos casais em processo de separação.”

Renata Santinelli, coordenadora de ações legislativas do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, concorda que o debate já existe, mas ainda é exíguo. “Os esforços para a ampliação deste debate e ele alcançar as esferas competentes para transformar a realidade dos animais ainda é exíguo e depende e muito a coletividade e a academia abarcarem o terceiro setor”, explicam, “na consonância das ações e discursos nesta perspectiva de atingir um nível máximo de excelência em benefício aos animais”. 


Veja também: STF valida decisão que proíbe indústria de cosméticos de fazer testes em animais no RJ


O Fórum concedeu entrevista enquanto atua em Brotas, no interior de São Paulo, no resgate de cerca de 600 búfalos abandonados em uma fazenda. 

Andrea Costa lembra que legislações já em vigor, relativas a animais, ainda encontram dificuldades. “Não conseguimos fazer cumprir sequer a legislação que garante às pessoas com deficiência visual que garantam a presença do cão guia”, disse. “Estamos ainda a passos muito lentos nesse processo de reconhecimento dos direitos dos animais.”

Que, na sua visão, não se restringem a cães, gatos e outros animais próximos da domesticação. “O que nos faz diferenciar um animal de pequeno porte doméstico de um boi, de um carneiro, ou mesmo um coelho que são criados para abate?”, questiona a advogada. A resposta pode ditar para onde a legislação brasileira levará nosso entendimento sobre a natureza que nos cerca.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.