PL sobre regularização fundiária conseguirá impedir grilagem?

Medida pode ser uma alternativa para a preservação ambiental da Amazônia/ Ascom Ideflor
Medida pode ser uma alternativa para a preservação ambiental da Amazônia/ Ascom Ideflor
Proposta foi retomada por deputado federal mineiro após MP 910 perder a validade.
Fecha de publicación: 23/07/2020
Etiquetas: Meio Ambiente

O Congresso Nacional deve analisar, pela segunda vez em dois anos, o tema da regularização fundiária em ocupações incidentes em terras da União. O PL (Projeto de Lei) 2633/2020, que trata do tema, foi apresentado em maio na Câmara dos Deputados durante a pandemia. Já há requerimento dentro da Casa, porém, para que o projeto seja tratado com urgência. 

O texto prevê alterações em uma legislação de 2009, conhecida como "Terra Legal" e aponta diferentes requisitos para a regularização de terras, de acordo com o seu tamanho: o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) poderá dispensar a vistoria prévia de imóveis em propriedades passíveis de regularização que possuam até seis módulos fiscais. Terrenos de apenas um módulo fiscal, normalmente ocupados por pequenos agricultores voltados à subsistência, terão prioridade no trâmite administrativo. 

A medida pode resolver grande parte da fila de regularização fundiária no país, já que, segundo o projeto de lei, cerca de 78% das propriedades a serem regularizadas possuem até um módulo fiscal e 96% até seis módulos. A adoção, apontam advogados, pode também representar uma estratégia de regularização fundiária na região da Amazônia, transformando-se assim em uma alternativa para a preservação ambiental na região. 

"O que está em debate é a possibilidade de dar o título de terra para 109 mil pequenos proprietários e pequenos produtores brasileiros. A condição para ter o título é provar a posse mansa, pacífica e produtiva", afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), ao comentar o texto em plenário.

O PL também busca dar força de lei à possibilidade de sensoriamento remoto dentro deste processo. A nova redação busca contornar um problema estrutural do Incra, uma autarquia que tem 30% menos servidores hoje do que na comparação com a década de 1990. A redução tirou capacidade de ação do órgão e tornou a obtenção do título de propriedade um processo mais lento. 

Em suas justificativas para apresentar o projeto, o autor do projeto, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), afirma que o PL busca retomar as discussões previstas na Medida Provisória 910, apresentada pelo governo em dezembro do ano passado e que perdeu a validade em maio de 2020, sem no entanto ser convertida em lei. 

"Naquela oportunidade construímos junto aos líderes do parlamento um texto substitutivo capaz de conciliar todas as facetas de um desenvolvimento efetivamente sustentável, possibilitando a regularização fundiária, sem abrir mão da proteção ambiental e ao trabalhador rural brasileiro", afirmou o autor. Zé Silva aceitou diminuir de 15 para seis o limite de módulos fiscais que passam a ser dispensados de vistoria prévia, ponto de divergência com representantes da área socioambiental.

O PL foi fortemente criticado pelo Ministério Público. Em nota técnica, também de maio de 2020, a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) argumentou que o texto apresentado à Câmara contém os mesmos erros da MP 910.

A eventual aprovação não beneficiaria pequenos produtores, "mas sim representará mais uma abertura de porta à legitimação da grilagem e da violação de leis ambientais", defendem os procuradores que assinam a nota. Ambos acrescentaram: "se o propósito fosse enfrentar a enorme desigualdade no campo, a política adequada seria a da reforma agrária, paralisada desde 2019."

Para o especialista em agronegócio da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de  Queiroz), Victor Fernandes Fiquene, o texto MP sofria críticas por supostamente legitimar a grilagem e o desmatamento ilegal, graças a critérios amplos. 

"Superficialmente, o texto gostaria de favorecer pequenos agricultores, de agricultura familiar e de subsistência. Mas, por falta de melhor definição do Incra, um módulo rural no Rio Grande do Sul possui cinco hectares e, em alguns lugares no norte do país, mais de cem", afirmou o sócio do Fernandes Fiquene Advogados, e referindo a uma lei de 1979 que trata o módulo fiscal de maneira diferente pelo Brasil. "Pelo texto da MP, 15 módulos rurais poderiam representar até 1500 hectares, ou seja, uma área considerável."

O advogado Wilson Sahade aponta outro ponto sensível na discussão: o da autodeclaração para fins de regularização. "Uma vez que, apesar do rol de documentos que deverá instruir o processo administrativo, não há qualquer indicação de como se dará a verificação dessas informações", comentou o sócio do Lecir Luz e Wilson Sahade Advogados. 

O advogado definiu dois pontos principais de divergência no texto a serem discutidos no Legislativo: o afrouxamento da legislação ambiental, que permitiria a titulação mesmo para aqueles que foram autuados ou embargados e aderido a programa de recuperação ambiental; e a isenção de vistoria prévia à titulação. O projeto, aponta Sahade,  não é capaz de reforçar as medidas de combate à grilagem e de fiscalização.

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