A polêmica da nova tarifa sobre o cheque especial

Bacen
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Cobrança sem prestação de serviço dos bancos começa em junho para clientes antigos e pode criar um precedente perigoso para os consumidores no Brasil, afirmam especialistas
Fecha de publicación: 17/02/2020
Etiquetas: Brasil

O ano de 2020 começou com uma novidade em relação à cobrança de taxas no sistema bancário brasileiro. Desde o início de janeiro, o Banco Central (Bacen) limitou os juros do cheque especial a 8% ao mês, o equivalente a 151,8% ao ano. A resolução é do Conselho Monetário Nacional. No final de novembro do ano passado, a taxa média desse tipo de operação era de 12,4% ao mês e os usuários do produto haviam tomado R$25,4 bilhões de crédito.

A limitação dos juros do cheque especial não vale para empresas e demais pessoas jurídicas. Para esses clientes, os juros continuam liberados e negociados no momento da contratação do produto.

Num primeiro momento a novidade foi comemorada pelos consumidores, mas essa história traz outras questões bem mais sérias para o mercado de cobrança de tarifas.

Junto com a limitação para a cobrança de juros nas operações de crédito, entrou em vigor também a possibilidade de os bancos cobrarem uma tarifa de até 0,25% sobre o valor do limite disponibilizado aos clientes que têm cheque especial.

Os clientes com limite de crédito inferior a R$500 não poderão ser cobrados e a tarifa incide apenas sobre o que ultrapassar a faixa de isenção.

E é aí que a resolução abre um precedente legal perigoso para o consumidor e para todo o sistema de cobrança de tarifas no Brasil. Pela primeira vez, o Bacen aprovou a cobrança de uma tarifa, mesmo que ela não seja usada pelo cliente.

E isso, segundo os especialistas ouvidos pela Lex Latin, abre uma brecha legal. Imagine se a moda pega e as instituições financeiras resolverem cobrar por serviços sem que o cliente tenha utilizado?

Para Murilo Sechiere Costa Neves, advogado e especialista em Direito do Consumidor, o Bacen tentou passar a imagem, num primeiro momento, de melhora nas relações de consumo no país.

“O fato é que houve uma aparente vantagem para o consumidor quando se criou um teto máximo para os juros. Mas o Banco Central autorizou que os bancos criassem uma tarifa nova, a cobrança por um serviço não utilizado”, afirma.

Um exemplo de comparação: para quem tem limite no cheque especial de R$ 1 mil a tarifa de 0,25% incide sobre R$500. Nesse caso, o cliente paga R$1,25 para ter o limite de crédito. Se tiver um limite de R$ 5 mil, pagará tarifa sobre R$ 4.500, ou R$ 11,25 por mês, mesmo sem utilizar o valor disponibilizado.

A cobrança da tarifa começou em janeiro apenas para novos contratos de cheque especial. Os clientes que já contavam com cheque especial em 6 de janeiro só poderão ser tarifados a partir de junho.

Até lá, os bancos deverão renegociar os contratos em vigor, informando aos clientes que haverá incidência de tarifa para limites superiores a R$500. Se não quiserem pagar a tarifa, os clientes poderão pedir a redução do limite.

É bom lembrar que a cobrança não é obrigatória. O banco pode isentar seus clientes, mesmo em caso de limites superiores a R$500, conforme sua estratégia comercial. A tarifa, no entanto, não poderá ser incorporada a pacotes de serviços. Ela deverá sempre ser cobrada de forma individualizada.

“É um absurdo total. É o Bacen criando uma regra que é totalmente favorável aos bancos e contrária aos consumidores. É mais um encargo para o consumidor, sem nenhuma contra prestação”, analisa Neves. 

Duas ações foram ajuizadas para que fosse reconhecida a inconstitucionalidade ou ilegalidade dessa cobrança: uma do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outra pelo partido político Podemos.

A do Podemos foi proposta no Supremo Tribunal Federal e a da OAB - uma ação civil pública - na Justiça Federal do Distrito Federal. Por conta da semelhança dos assuntos, elas foram reunidas no Supremo. O relator é o ministro Gilmar Mendes e há pedido de liminar para que a medida deixe de valer imediatamente.

Segundo representantes do Podemos, ao admitir a cobrança de tarifa pela mera possibilidade do uso de serviço de crédito, o ato normativo transforma as tarifas bancárias em tributo, o que subverte a relação de consumo entre cliente e banco, e equipara a uma relação tributária de cidadão-Estado.

Já a ação da OAB afirma que “a Resolução alvejada pela presente medida judicial estabelece, em seu artigo 2º, um novo exemplo de armadilha (antijurídica) aos brasileiros, costumeiramente expostos ao traçado político de atividade bancária e seus arranjos institucionais de risco diminuto e rentabilidade extraordinária”.

“O que essas ações pedem é que seja sustada a eficácia dessa resolução, exatamente porque ela ofende os direitos dos consumidores, o CDC, em particular por conta dessa questão de ser uma tarifa sem contraprestação”, analisa Neves. 

Com a decisão, as instituições financeiras ficam obrigadas a demonstrar, no extrato dos clientes, informações como valor e forma de apuração de tarifa cobrada pela disponibilização do limite de crédito, além do valor de juros devidos pela utilização do serviço no mês.

Além do valor e forma de apuração de tarifa cobrada e valor de juros devidos pela utilização do cheque especial no mês, as instituições deverão informar também o limite de crédito contratado, os valores utilizados do cheque especial diariamente, a data do fornecimento do extrato e a taxa de juros remuneratória efetiva no mês.

O extrato deverá conter informações sobre o valor dos juros acumulados pela utilização do serviço no período de apuração até a data do fornecimento, destacando, inclusive, eventual dedução realizada em decorrência da cobrança da tarifa pela disponibilização do limite.

Para os especialistas ouvidos na reportagem, o que está em jogo é a legitimidade de, por exemplo, algum fornecedor ter direito a cobrar um valor sem que haja uma efetiva contraprestação. "Então, ainda que o assunto seja específico nesse caso para bancos e para cheque especial, se o Supremo decide  que essa tarifa sem contraprestação é lícita, isso pode ser aplicável pra qualquer outro caso de fornecimento em que haja uma cobrança ilegítima como essa", analisa Neves. 

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