Por que Brasil rejeita a Sputnik V e outros países da América Latina aprovam a vacina?

Agência brasileira, uma das mais respeitadas do mundo, encontrou inconsistências no processo como ausência de relatório técnico/Agência Brasil
Agência brasileira, uma das mais respeitadas do mundo, encontrou inconsistências no processo como ausência de relatório técnico/Agência Brasil
Imunizante russo já foi autorizado na Argentina, Bolívia, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Venezuela.
Fecha de publicación: 28/04/2021

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu por unanimidade não autorizar a importação da vacina russa Sputnik V no Brasil. O pedido havia sido feito por catorze estados no país. A decisão foi tomada depois do Supremo Tribunal Federal (STF) ter dado um prazo de 30 dias para o pedido ser avaliado. 

A avaliação do pedido de importação excepcional da vacina Sputnik V foi feita com base na Lei nº 14.124/2021, que determina que os entes que solicitarem autorização para uso emergencial e temporário de vacinas contra a Covid-19 devem apresentar uma série de informações à Anvisa. 

Entre as exigências estão o relatório técnico da avaliação, emitido por determinadas autoridades sanitárias internacionais, capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade, de eficácia e de segurança preestabelecidos. Na ausência do relatório técnico, o prazo de decisão da Agência é de até 30 dias.


Leia mais: Escritórios se juntam ao movimento Unidos pela Vacina


A decisão foi baseada em dados levantados e avaliados por três equipes técnicas das gerência-gerais da Anvisa, de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON).

De acordo com a GGMED, foram identificadas falhas no desenvolvimento do produto, em todas as etapas dos estudos. Também há ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. 

Um dos principais aspectos é que a vacina pode acarretar em infecções, podendo causar danos e óbitos, especialmente em pessoas com baixa imunidade e problemas respiratórios, entre outros problemas de saúde. Isso vai contra os padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano, que são seguidos pelas principais agências reguladoras no mundo, incluindo a Anvisa. 

Além disso, foram detectados impurezas e vírus contaminantes durante o processo de fabricação, além de ausência de validação e qualificação de métodos de controle de qualidade, entre diversos outros aspectos. A GGFIS informou ainda que, na Rússia, foi negado à equipe de inspeção o acesso às instalações do Instituto Gamaleya, desenvolvedor da vacina.   

O relator do processo, o diretor Alex Machado Campos, destacou que “a Agência é conhecida por viabilizar o acesso a medicamentos e vacinas e que, neste momento de pandemia, a instituição tem atuado no limite, mas que não há flexibilização em relação à segurança dos produtos”. 

Ele afirmou também que o desafio diário da Anvisa é estabelecer se os benefícios das vacinas superam os riscos do produto. “A segurança é um aspecto inalienável diante da incerteza do risco. Chegamos até aqui de mãos dadas com a ciência e amparados por evidências”, disse Alex.

O diretor do fundo que financiou o desenvolvimento da vacina Sputnik V, Kirill Dmitriev, afirmou que a desaprovação da vacina no Brasil é uma questão política brasileira. Além disso, afirmou que a Anvisa pediu mais documentações e diferentes das que a Agência pediu para outros produtores de vacina.

Segundo o The Management Company of the Russian Direct Investment Fund (RDFI), a efetividade do imunizante é de 97,6% nos 60 países onde foi certificada e aplicada entre 5 de dezembro de 2020 e 31 de março deste ano.

No Brasil, o diretor Romison Costa Rodrigues reforçou: “Nós não podemos abrir mão da nossa responsabilidade, da competência da Anvisa de atuar nas questões relativas à vigilância sanitária, que é o objetivo da instituição existir”.

A Sputinik V na América Latina

A vacina russa já foi autorizada em diversos países na América Latina, entre eles Argentina, Bolívia, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Venezuela.

A Argentina foi o primeiro país onde o imunizante foi certificado e o primeiro a fabricar em grande escala na América Latina com a intenção de exportá-la ao resto do continente. O laboratório argentino Richmond pretende instalar e operar uma fábrica de 1.500 metros quadrados para fabricação e comercialização da vacina Sputnik V e outras especialidades médicas. 


Veja também: Brasileiros buscam turismo das vacinas nos EUA


No México, o uso emergencial da vacina foi autorizado no final de janeiro deste ano, quando o presidente López Obrador anunciou, após uma ligação com Vladimir Putin, que o México havia concordado em comprar 24 milhões de vacinas Sputnik V. A Comissão de Proteção contra Riscos Sanitários (Cofepris) do México já aprovou o uso da Pfizer, da AstraZeneca e da Sputnik V.

Na Bolívia, a vacina foi autorizada com base nos resultados dos ensaios clínicos de fase 3 feitos na Rússia, sem quaisquer estudos adicionais no país, que integra o consórcio Covax, uma iniciativa criada pela Organização Mundial da Saúde que tem como objetivo ampliar a distribuição de vacinas de forma a não deixar para trás os países subdesenvolvidos.

Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro chegou a chamar a Sputinik V de “a vacina mais segura do mundo”. O governo venezuelano fez um acordo com a Rússia para receber dez milhões de doses. O primeiro lote foi enviado ao país no início de fevereiro.

Especialistas defendem posição da Anvisa

Para Roger Leal, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e procurador da fazenda nacional, o Brasil fez uma opção política em ter uma agência própria para fazer uma avaliação técnica rigorosa sobre a segurança das vacinas. “Essa agência não pode se pautar pela análise dos outros. A Anvisa já aprovou três vacinas: Pfizer, Coronavac, Astrazeneca/Oxford. Não imagino que ela vá dar tratamento diferente ou mais rigoroso a uma vacina em relação a outras”, avalia.

Para o especialista, as exigências são altas e para todos, mas é possível o caminho da judicialização - no caso, os estados que fizeram um pré-acordo com a empresa fabricante russa questionarem a decisão da Anvisa.

“Não me surpreenderia se eventualmente o Judiciário venha a interferir nessa questão de maneira a afastar a decisão da Anvisa, ou em parte, ou cobrar um determinado prazo ou alguma revisão. A questão da pandemia torna as coisas muito mais incertas, difíceis e prementes”, afirma. 

Segundo Angela Kung, sócia da área de Life Sciences & Health Care do escritório Pinheiro Neto, se um governador conseguir uma decisão judicial para importar a Sputinik V o estado assume o risco. "Não seria muito correto com a população, já que a Anvisa disse claramente e de forma muito fundamentada que ela não é segura e eficaz com base no que eles viram”. 

A especialista afirma que outros países autorizarem a vacina em bases emergenciais e excepcionais não pode ser critério para a agencia brasileira. “A Anvisa sempre foi uma agência muito independente e sintonizada com as melhores práticas regulatórias. É um órgão extremamente técnico, então as análises, podemos ter algum componente político na esfera da diretoria colegiada, até pelo sistema de nomeação dos diretores, mas todas as análises são realizadas por um corpo técnico”, afirma. 

Para a advogada, o fato de inúmeros países terem aprovado não significa que a vacina não tem problemas de eficácia e segurança. "O que a Anvisa deixou muito claro foi que não foram apresentadas informações mínimas para ela poder verificar segurança e eficácia. Ao longo de cinco horas de reunião, eles apresentaram inúmeras questões. Não foi um outro fato, foram inúmeros. Em uma pesquisa clínica, tem que ter muito claro quais são os procedimentos que serão realizados, vai aplicar a vacina, vai fazer testes ao longo do tempo, etc. A Anvisa mencionou que isso não está claro, quando que esses testes foram realizados, porque com isso você também pode trabalhar os números de eficácia. Então se esses dados não estão muito bem definidos, então você começa a criar dúvidas em relação a pesquisa”, diz. 

"Está super fundamentado e do ponto de vista técnico tem coisas realmente preocupantes. Em hipótese alguma a Anvisa poderia aprovar uma vacina com essas deficiências de documentação", explica. 

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.