
O setor de startups desacelera no Brasil. Desde o início do ano os investimentos têm diminuído, apontam consultorias especializadas. O resultado mais visível desse universo é a redução de pessoal entre alguns dos unicórnios, as empresas que alcançaram valor de mercado de US$ 1 bilhão. Na semana passada, a Ebanx, que realiza pagamentos internacionais para companhias que estão na América Latina, anunciou a demissão de 340 pessoas de forma gradual, nos próximos seis meses.
A empresa, que se tornou unicórnio em 2019, trabalha com a Uber, Shopee, Shein e Airbnb, entre outras companhias globais. Os cortes representam cerca de 20% dos 1700 funcionários. Por conta das mudanças, projetos serão encerrados e operações serão revisadas. Em nota ao mercado, a empresa afirma que “a decisão foi tomada com base no cenário atual do mercado de tecnologia como um todo, impactada de forma profunda e veloz pelo ambiente macroeconômico".
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Em abril, cerca de 500 pessoas foram demitidas de outros três unicórnios: QuintoAndar e Loft, do ramo imobiliário, e a Facily, que atua no ramo de compras coletivas.
A movimentação inspirou até a criação de um site que compila as demissões das maiores e mais importantes empresas de tecnologia do país, o Layoffs Brasil.
O site traz listas públicas sobre os cortes e permite que os próprios demitidos informem os cargos que deixaram e as equipes que foram afetadas. De acordo com o levantamento, Kavak (300 demissões), Vtex (193), Favo (170), Olist (150), Liv Up (100) e SumUp (92) são empresas de tecnologia que também reduziram o quadro de funcionários nos últimos meses.
Para os especialistas ouvidos por LexLatin, as incertezas atuais vivenciadas pelo mercado, em função da guerra entre Rússia e Ucrânia, aumento na demanda por commodities e pressão nos setores básicos - como energia e transporte - promovem um cenário de inflação generalizada e sinalizam a necessidade de muita cautela.
Além disso, há o recente aumento da taxa básica de juros pelo Federal Reserve (FED), o Banco Central dos Estados Unidos, demonstrando que uma das maiores economias do mundo, responsável por receber quase 50% de toda captação de investimentos para o setor de startups, deseja frear o consumo de produtos e serviços.
“Isso promove a fuga de capitais eventualmente aplicados em países emergentes, tradicionalmente de maior risco, que por sua vez retornam às economias dos países centrais, cuja aplicação é redirecionada a investimentos de baixo risco, atualmente com melhor rentabilidade, justamente devido ao aumento na taxa básica de juros”, afirma Victor Hugo Brito, sócio de Direito Societário e Compliance do BBL Advogados.
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O advogado Hélio João Pepe, sócio do SGMP Advogados, destaca que juros altos são "destrutivos" para a capacidade de financiamento de startups.
"Quando analisa a viabilidade de investimento, tão necessário para o universo das startups, o investidor analisa o potencial de retorno e se essa oportunidade justifica o risco. Desse modo, juros altos, que estão sendo mundialmente elevados para conter o excesso de liquidez são altamente destrutivos para o ambiente de financiamento de startups”, avalia Pepe, do SGMP Advogados.
De toda forma, empresas vão precisar se adaptar a uma nova realidade de mercado, destaca Priscila Spadinger, CEO da Aleve Legaltech Ventures.
“As empresas grandes sofreram o impacto de terem captado muito dinheiro no mercado super líquido pós-pandemia e agora precisam se acomodar para uma nova realidade visando novas captações. É a acomodação de recursos de uma forma mais eficiente, tem que haver o resultado efetivo. O retorno tem que vir em algum momento”, explica ela.
Para a CEO da Aleve, a partir de agora é preciso entregar mais resultados com menos recursos humanos.
"O dinheiro há seis, sete meses atrás estava realmente muito mais abundante para propostas um pouco mais agressivas. Hoje em dia a gente percebe que ele ainda continua existindo, mas está mais difícil de acessar, porque você precisa de propostas mais concretas na utilização dos recursos".
E é exatamente esse movimento de mostrar resultados que está fazendo com que o mercado passe por esse período de acomodação, de acordo com os advogados da área.
“A partir do aperfeiçoamento da governança corporativa da startup, com o mapeamento dos processos internos e otimização dos custos, o investidor consegue projetar seus riscos de forma mais segura e assim a startup consegue incrementar o chamado valuation, o valor de mercado”, diz Victor Hugo Brito.
Essa movimentação vem na contramão de um crescimento contínuo e sólido até então. Em 2021, foram investidos US$9,5 bilhões (R$49,3 bilhões em 28 de junho) em empresas brasileiras, um valor 250% maior que no ano anterior.
Um levantamento da DataHub mostra que no ano passado nasceram mais de 35 mil novas startups e empresas da área da tecnologia, um aumento de 210% em relação a 2011.
O país também conta com um sistema legal maduro de regulação sobre o tema — o Marco Legal das Startups, promulgado em junho do ano passado, promoveu mudanças importantes na definição de empresas deste tipo e dos benefícios que elas podem alcançar.
Para os advogados que trabalham no setor, apesar do cenário diferente dos anos anteriores, o mercado segue seu fluxo normal de negócios e esses são ajustes necessários para o atual momento econômico mundial.
Por conta disso, o mercado jurídico tem recebido consultas sobre a viabilidade do modelo de negócios, sobretudo do ponto de vista regulatório. Há também a elaboração de projetos de risk assessment, que buscam antever potenciais eventos que gerem despesas ou afetem o valuation da startup no momento de apresentação e negociação junto a investidores.
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