Por que a PEC dos precatórios afronta o Judiciário?

Advogados tributaristas e da área empresarial criticam a proposta/Pixabay
Advogados tributaristas e da área empresarial criticam a proposta/Pixabay
Proposta cria dívida impagável para futuras gerações, pega de surpresa credores do Estado, viola direitos e garantias individuais e gera insegurança no ambiente de negócios.
Fecha de publicación: 16/08/2021

O projeto que parcela os precatórios com valor acima de R$ 66 milhões em dez vezes (15% à vista e o restante em parcelas anuais) e muda o índice de correção não agradou ao mercado e é considerado uma das propostas mais polêmicas desse segundo semestre. A chamada PEC dos precatórios terá um desafio e tanto pela frente, porque precisa de 308 votos na Câmara dos Deputados e 49 no Senado para ser aprovada (3/5 das duas casas).

De acordo com advogados tributaristas, a proposta do governo é inconstitucional, abre caminho para uma espécie de orçamento paralelo e deixa ainda mais complicada a percepção do mercado sobre o risco fiscal brasileiro.

É considerado precatório o valor devido pelo governo federal a estados, municípios, pessoas jurídicas e físicas que ganharam ações contra a União. Esses valores precisam estar previstos no Orçamento do ano seguinte.


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Um dos principais argumentos da União, quando enviou a proposta na semana passada, é a previsão de pagamento de R$ 90 bilhões no Orçamento de 2022, quase 150% a mais do que os valores pagos em 2018. Desse total, 47 precatórios são maiores que R$ 66 milhões. O parcelamento geraria, de imediato, uma economia de R$ 22,7 bilhões de reais aos cofres públicos no ano que vem, podendo chegar a até R$ 33,5 bilhões, segundo o Ministério da Economia.

Além do parcelamento desses precatórios pelo prazo de até dez anos, a PEC estipula que precatórios de qualquer natureza passarão a ser corrigidos pela taxa Selic. Hoje os índices dependem da natureza do pagamento (são corrigidos pela Selic e IPCA +6%). Com a mudança, credores podem receber menos.

O projeto define ainda que outros pagamentos poderão ser parcelados se a soma total deles for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será pelo parcelamento dos precatórios de maior valor.

No caso de estados e municípios, o texto permite que contratos, acordos, ajustes, convênios, parcelamentos ou renegociações de débitos firmados pelo governo federal com os entes federativos tenham cláusulas que autorizem o abatimento nos precatórios dos valores devidos pela União. 

O governo também quer criar o Fundo de Liquidação de Passivos da União. O fundo é formado por vendas de imóveis, recebimentos de dividendos de empresas estatais, concessões e partilha de petróleo. Quando pagos com o recursos desse fundo, os precatórios estarão, pela proposta, fora dos limites do teto de gastos.

A opinião dos especialistas
 
Advogados tributaristas e da área empresarial criticam a proposta. José Roberto Cortez, especialista em Direito Empresarial, sócio fundador do Cortez Advogados, afirma que a União sempre, “tratou de inviabilizar o cumprimento da decisão sobre a matéria de fato e direito proferida nos Tribunais de segunda instância”. Segundo ele, por essa razão, há ações que tramitam no STJ há mais de 20 anos. “Com o acréscimo de juros e correção, hoje eles representam valores bilionários”, afirma.
 
Para o advogado, a PEC apresentada mostra uma falta de habilidade do governo no tratamento do assunto. “Tal utilização inequivocamente tem natureza jurídica de monetização desses valores. Sendo assim, por que não transformá-los em títulos da dívida pública, permitindo ao credor que faça deles o que bem entender?"

Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), avalia a PEC como insuficiente e mal elaborada. “Só não é inédita. Se considerarmos a atual Constituição Federal, os precatórios já foram divididos em 8 vezes, em 12 vezes, de acordo com a receita do devedor e agora em 10 vezes novamente. Cada vez que esse tipo de norma é reeditada, ofende a coisa julgada, a segurança jurídica e a responsabilidade fiscal. Deixar de pagar o que se deve é coisa que nem os milicianos ousam fazer no dia a dia. No mundo deles, esse descumprimento tem pena severa”, diz.
 
O tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, considera a PEC uma proposta de calote, acompanhada da alteração no índice de correção das dívidas e criação de compensação forçada do precatório com débitos em nome do credor. “Ao assim proceder, este governo mais uma vez afronta a autoridade do Judiciário, mais especificamente do STF, que, em diversas ocasiões, julgou inconstitucionais tais postergações irrazoáveis da dívida pública, bem como a imposição de compensação forçada e índices de correção e juros incompatíveis com os utilizados pelo próprio Poder Público no cálculo de seus créditos”, avalia.

O advogado explica que a União está há décadas em dia com o pagamento de seus precatórios e possui mecanismos legais de financiamento de sua dívida. “Já existe mecanismo para a União negociar diretamente com os credores formas especiais de pagamento de suas dívidas com descontos e parcelamentos. Trata-se da Lei 14.057/2020, que também seria afetada pela proposta do governo, que limita a possibilidade de acordo aos casos em que ‘não penda recurso ou defesa judicial’, desestimulando o encerramento de litígios que podem poupar bilhões de reais ao orçamento público”, afirma.
 
Szelbracikowski entende, como José Roberto Cortez, que, quanto mais tempo passa em função da apresentação de recursos ou defesas protelatórias da União, mais juros e correção monetária são somados à conta. Ele explica que o conceito de "super precatório" já existe e foi inserido no texto constitucional após debate no Congresso Nacional, com participação da sociedade civil e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 


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“Em resumo, nada justifica essa proposta que vai romper com um cenário de normalidade no pagamento de precatórios da União, rolar a dívida para o futuro, criar um passivo impagável para as futuras gerações, pegar de surpresa os credores do Estado, violar direitos e garantias individuais e criar absoluta insegurança no ambiente de negócios já fortemente abalado pela pandemia”, conclui.

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