“Durante a crise do subprime, em 2008, o FED comprou no mercado quantidade gigantesca de títulos, tanto papéis do Tesouro quanto ativos estruturados de hipotecas. Adquiriu esses títulos com emissão de reservas. Assim, o ativo do banco central cresceu muito com os títulos adquiridos, e seu passivo também. As reservas, que em 2006 foram na média de US$ 9,3 bilhões, subiram para US$ 1,0604 trilhão em 2010 e US$ 2,6431 trilhões em 2014”, escreveu o economista Samuel Pessoa, às vésperas da pandemia, em 2019.
O texto buscava explicar porque, apesar da teoria econômica dizer que tanta liquidez deveria produzir inflação, isso não aconteceu pela ação do banco central dos EUA. Naquele momento, a escolha era entre salvar a economia do colapso ou correr o risco de produzir inflação.
“Como caminhará a operação da política monetária nos próximos anos não está claro. O FED voltará a trabalhar em um regime de reservas restritas ou manterá o atual regime com muitas reservas? No primeiro caso, como vimos, o banco central opera injetando liquidez diariamente no sistema; no segundo caso ele opera enxugando a liquidez, isto é, remunerando as reservas”, concluía o economista.
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Pouco tempo depois, o desafio da Covid-19 adicionou novo elemento à história, exigindo que os governos ampliassem mais diretamente suas intervenções no ambiente econômico, com gastos tanto para salvar a economia, quanto a própria sociedade e os cidadãos. Assim, no ano passado a inflação voltou com uma força que não se via desde os anos 1980, nos países desenvolvidos. E com ela, seu remédio clássico e impopular: elevação de juros, em todo o mundo.
Este é o contexto em que o governo Lula assumiu, pela primeira vez na história do Brasil, herdando um banco central autônomo e com presidente indicado pelo governo anterior. A legislação neste sentido foi sancionada pelo presidente Bolsonaro, em 2021. A situação é alvo de críticas por quem enxerga perda de soberania do país, cujo governante eleito pelo voto popular não tem mais a prerrogativa de definir a política monetária.
“A aprovação dessa ampliação da autonomia do Banco Central é o término de um ciclo, iniciado em 1964, de esvaziamento do poder da Presidência da República sobre a política monetária e de afastamento de todo e qualquer controle democrático sobre a atuação da autoridade monetária”, escreveu em artigo recente o Doutor em Direito e Professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Bercovici.
Demandas sociais x déficit fiscal
A despeito da análise, este pode ser um álibi para que o governo que se inicia mantenha alguma reserva de apoio popular a tempo de conciliar as enormes demandas de um país emergente e marcado pela desigualdade social, com a necessidade de reduzir o déficit fiscal que já vinha se acumulando desde muito antes da pandemia. Isso considerando que, mesmo na Europa, a impopularidade provocada pelo aumento dos juros vem levando governos locais a questionarem a independência do Banco Central europeu. Em fevereiro, a presidente da instituição, Christine Lagarde, defendeu diante do parlamento europeu a importância de tomar medidas “livres de interferência política”.
No Brasil, o Psol, partido da base de apoio do presidente Lula, liderado pelo deputado federal Guilherme Boulos, apresentou um projeto de lei para acabar com a autonomia do Banco Central. Para Bercovici, de fato o “problema” da independência do Banco Central “não é jurídico, é essencialmente político”. “Para que seja superada essa tentativa de captura da política econômica brasileira pelo sistema financeiro, é necessário um Presidente da República com coragem e apoio político e popular suficientes para reconstruir o Brasil e resgatar o controle democrático sobre a moeda, instrumento central da política econômica de qualquer Estado”, diagnosticou.
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Autor de Bancos Centrais no Direito Comparado e sócio do DVAA, o advogado Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa discorda. Ele acaba de lançar outro livro sobre o tema, Aspectos da Teoria Geral do Direito Bancário, em que aprofunda o estudo sobre a moeda e a comparação do sistema financeiro nacional com outros do mundo. “Está demonstrado que país que tem banco central independente controla muito melhor a inflação”, afirma.
Ele esclarece pontos específicos da Lei Complementar 179, de 2021, que conferiu autonomia ao Banco Central, como o fato de o Conselho Monetário Nacional poder alterar a meta de inflação mesmo que o presidente do Banco Central seja contra:
“Não é uma matéria que seja objeto de uma deliberação pura e simples por maioria. Não tinha pensado nesse aspecto. Se acontecer, os reflexos serão extremamente negativos”.
No caso de a autonomia do Banco Central não ser revertida, há quem defenda ainda a retirada do atual presidente, Roberto Campos Neto, por “recorrente desempenho insuficiente”, uma vez que a instituição não tem conseguido cumprir as metas de inflação. Esse seria um julgamento feito apenas pelo Senado, mas cuja legislação deixou uma série de questões em aberto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) precisaria definir, como fez com os procedimentos da Lei 1.079, de 1950, que trata do impeachment.
“Esse é um problema que a lei deixou não muito bem resolvido porque não compete apenas ao Banco Central o papel de colocar a inflação dentro da meta. Nós temos um problema fiscal muito mais sério. Quer dizer, a política monetária é diretamente influenciada pela política fiscal. Portanto, colocar a culpa no Banco Central somente é fugir da realidade. É arrumar um bode expiatório”, avalia Duclerc Verçosa.
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Manifesto de economistas
Mesmo entre os especialistas em economia, há muita gente de peso criticando a atuação do Banco Central e defendendo mudanças. Economistas do porte de Luiz Carlos Bresser-Pereira, Monica de Bolle, Luis Gonzaga de Mello Belluzzo, Luciano Galvão Coutinho, Antonio Corrêa de Lacerda e Paulo Nogueira Batista Jr. lançaram um manifesto pela queda da taxa de juros, “em favor do desenvolvimento do Brasil”.
“A taxa de juros no Brasil tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis. O discurso oficial em sua defesa não encontra nenhuma justificativa, seja no cenário internacional ou na teoria econômica e o debate precisa ser arejado pela experiência internacional. Nenhum dos países dotados de recursos e economias estruturadas possui uma taxa de juros sequer próxima da que prevalece no Brasil e que o Banco Central pretende manter por longo período. E todos esses países reconheceram o caráter excepcionalíssimo do surto inflacionário recente, explicado pela pandemia e pelo conflito bélico, não por excesso de demanda”, afirma o documento.
O economista Armando Castelar aponta, contudo, que a premissa está errada, uma vez que “não é verdade que não tenha inflação de demanda”. Além disso, segundo ele, a taxa de juros real é mais alta no Brasil do que em outros países porque o gasto público aqui aumenta de maneira mais acelerada do que o PIB:
“Se o setor público cresce mais rápido do que o PIB, o setor privado tem que crescer mais devagar. Para fazer o setor privado crescer mais devagar, precisa ter juro alto, para segurar o gasto. Tem um juro neutro, que não é estatística do IBGE, mas uma estimativa. Se tem uma inflação alta, bota os juros acima do neutro. Se está baixa, bota abaixo. O juro neutro depende de como as expectativas são formadas, se a política monetária atua sobre todo o crédito ou só sobre uma parte do crédito. Quando se tem mais da metade do crédito, como se chegou a ter em 2015, que é público e simplesmente ignora qual a taxa que o Banco Central trabalha, o Banco Central está fixando, na verdade, os juros de menos da metade do crédito. Então, o objetivo é segurar a demanda privada, para que acomode a demanda pública que está crescendo muito. Se só influencia menos da metade do crédito, tem que botar lá em cima, porque essa metade tem que parar mesmo”.
Para ele, “é muito simples”. “Por isso o juros caiu com o teto de gastos. A PEC da transição aumentou o tamanho do gasto público, aí aumenta a pressão sobre preços. O juro real durante os oito anos do governo Lula foi bastante alto”, comenta em referência à Emenda Constitucional 95, a do teto de gastos, promulgada em 2016, terceiro ano seguido de déficit primário, e à Emenda Constitucional 126, oriunda da PEC da transição, promulgada no final de 2022.
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A Taxa Selic, pela qual o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil define os juros básicos da economia, vinha em uma trajetória de queda desde o teto de gastos proposto pelo Governo Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Roussef. Desde meados de 2015, a Selic havia atingido o maior nível em 10 anos, 14,25%. No início de 2020, antes da pandemia, ela foi reduzida para 4,25% e, com o desaquecimento da atividade econômica, no segundo semestre, ela foi a 2%. Na segunda reunião do Copom de 2021, a taxa voltou a ser elevada até chegar, em agosto do ano passado, aos 13,75% atuais. O último Boletim Focus, produzido semanalmente pelo Banco Central com base nas expectativas de agentes do mercado, prevê inflação em 5,89% para 2023, ou seja, acima da meta de 3,25% e mesmo do limite de tolerância, que é 4,75%.
Subir ou não subir a meta de inflação
Fato é que o tema está em nove de cada 10 debates sobre este início de governo. Ex-presidente do Banco Central do primeiro e segundo governos Lula e ex-ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles disse que “talvez seja preciso subir os juros mais ainda”.
Em evento do Banco Pactual, três dos principais gestores de fundos de investimento do país, Rogério Xavier, da SPX Capital, André Jakurski, da JGP, e Luis Stuhlberger, da Verde Asset Management, que têm mais de R$ 100 bilhões sob gestão, defenderam, como solução, subir a meta de inflação. Também ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga puxou a corda para o outro lado e afirmou que “mexer na meta é jogar a toalha”, ou seja, desistir de combater a inflação.
Castelar concorda que mexer na meta de inflação agora impactaria de forma negativa nas expectativas “e inclusive com a ideia de que vai alterar agora e pode alterar de novo daqui a pouco, por que não?”.
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“Houve muito debate sobre a meta, que começou lá em cima, em 6,5%. Havia a visão de que era muito alta. As economias desenvolvidas, em geral, trabalham com 2%. Havia o debate se o custo de reduzir se justificava. A visão predominante era de que o sistema de metas tinha construído uma credibilidade que, ao baixar gradativamente para 3%, conseguiria fazer isso sem colocar juros muito altos, pelas expectativas que o Banco Central conseguiria influenciar. Havia gente que se opunha com o argumento de que uma inflação mais alta era bom para fazer ajuste fiscal, porque permite que se reduza salário real”, explica sobre a importância de gerir as expectativas de mercado e como se chegou à meta de inflação atual.
Diante da inflação generalizada pelo mundo, o economista acredita que o tema, “sem dúvida, transcende o Brasil”. Parte do debate “lá fora” é “se as expectativas são tão bem ancoradas que a inflação vai voltar para 2%, independentemente de os juros continuarem negativos ou não”. “O mundo se acostumou numa pós grande crise financeira internacional ao governo se financiar com juros negativo, a inflação muito bem ancorada, mas ela desancorou. E aí, vai ter vontade política para subir os juros tudo que precisa? Vai ter briga”, acredita, lembrando da crise do subprime.
No Brasil, os ataques do presidente Lula ao Banco Central buscaram desqualificar Campos Neto, inclusive por ter ido votar com a camisa da seleção brasileira, o que virou um símbolo bolsonarista. Em recente entrevista ao tradicional programa Roda Viva, da TV Cultura, questionado por diversos jornalistas, o presidente do Banco Central lembrou que, se quisesse ter influenciado as eleições, teria atuado para que a instituição não tivesse aumentado os juros, no ano passado.
Nova matriz econômica x tripé macroeconômico
Há quem enxergue no imbróglio um desejo de Lula em retomar a experiência da Nova Matriz Econômica (NME), do governo Dilma Roussef. Esta foi feita a partir de uma série de medidas desenvolvimentistas, mas que violavam o tripé macroeconômico que deu estabilidade ao país desde o final dos anos 1990, com câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal. O resultado teria sido o desequilíbrio fiscal, que passou a produzir déficits a partir de 2014, sem a contrapartida do crescimento econômico.
Vale chamar atenção para o fato de que a relação entre a dívida do estado brasileiro sobre o PIB é menor do que a dos EUA ou dos países europeus. Isso, contudo, tem a ver com a confiança de que aqueles países vão pagar e com o fato de eles pagarem juros mais baixos.
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Como explica Castelar, “se eu pago o dobro de juros, só posso ter metade da dívida”. Na mesma linha de Castelar, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, reforça que não é de hoje que os juros reais são altos no Brasil:
“Se a gente olhar o histórico desde o sistema de metas de inflação, agora está dentro da média, que é 5,5%. O Brasil tem problemas estruturais de país emergente, como baixo nível de produtividade. Então, em qualquer momento de recuperação econômica, a inflação vem junto. A gente tem baixo nível de investimento, uma elevada carga tributária, a infraestrutura faz com que o custo de logística e distribuição seja bastante elevado".
Tudo isso, de acordo com Agostini, faz com que a NME, que é focada na expansão fiscal, se torne um problema ainda maior. “Porque na leitura desse governo e do Governo Dilma, se o governo estimula o consumo, isso gera emprego e renda. O problema é que toda expansão fiscal, no Brasil, é pautada em custeio e não em investimento. Há décadas, a gente aumenta o gasto, mas não aumenta a capacidade produtiva. Então, essa matriz econômica focada na expansão fiscal conflita com a política monetária com metas de inflação bastante ambiciosas para um país emergente. Isso preocupa porque não vemos o país mudar essa matriz para uma focada no investimento, porque isso dá retorno de muito longo prazo, e longo prazo para o governo são quatro anos, no máximo oito. É isso que faz o Brasil não sair desse atoleiro. O custo disso é como um caminhão com excesso de peso descendo a serra. Ele vai ter que descer engrenado, com marcha reduzida, e o excesso de peso vai fazer com que ele tenha desgaste mais acelerado de componentes que colocam em risco a vida do motorista”, lamenta.
Outro ponto, para o economista-chefe da Austin Rating, é a estrutura de preços da economia brasileira, que “não é tão favorável a uma meta de inflação tão baixa”:
“Aproximadamente 25% da composição do IPCA (principal índice de inflação) é formada por preços administrados, que são tarifas públicas imunes ao nível da taxa de juros e já ‘roubam’ um quarto da meta. Na última ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), o Banco Central estima que os preços administrados para este ano estão em 10,6%. Estamos falando que pelo menos 2,5 pontos percentuais da meta já estão comprometidos. Então, o Banco Central precisa manter os juros muito alto pra desacelerar a economia e fazer com que os preços livres, que representam 75% do IPCA, tenham uma queda, para compensar a alta dos administrados. Isso é uma anomalia.”
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Ainda assim, ele acredita que aumentar a meta de inflação “não é a saída”. O que precisaria, na sua opinião, é revisar todo o sistema de metas de inflação. Desde 2017, o Banco Central tem um grupo de estudos analisando a questão. Um exemplo de modificação possível seria o Banco Central passar a adotar como execução de política monetária um núcleo de inflação, que o deixasse menos refém dos preços administrados, que são imunes à taxa de juros. Agostini lembra que a economia não é uma ciência exata. Isso também explica por que toda a injeção de liquidez na economia, após a crise do subprime, em 2008, não gerou inflação, apesar de a teoria prever isso como consequência. Entretanto, agora, parte do pacote para combater a inflação nos países desenvolvidos foi retirar esses estímulos.
“É como a taxa de juros, vai calibrando até atingir um nível desejado de inflação, até as expectativas voltarem a ser ancoradas”, compara.
Futuro da governança fiscal
Ao olhar para o que historicamente conciliou estabilidade com algum resultado positivo em termos econômicos, invariavelmente volta-se ao tripé macroeconômico e, nele, ao problema fiscal. A solução proposta pelo novo governo Lula para equacionar a questão foi prometida para este mês de março pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Um dos criadores da Lei Complementar 101, de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso organizou um fórum em Lisboa, no final de fevereiro, para debater “Futuro da Governança Fiscal” com nomes como o ministro do STF Gilmar Mendes e o jurista Heleno Torres, além dos economistas Fernando Abrúcio, Felipe Salto, André Lara Resende e Joaquim Levy. Eventos para discutir questões sobre o Brasil têm sido cada vez mais realizados na capital portuguesa, por instituições como a FGV e o IDP, que ajudaram a criar o Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe). No início de fevereiro havia chamado atenção, na cidade, a conferência internacional do Lide, grupo empresarial que João Dória Jr. criou muito antes de ter sido governador de São Paulo.
A LRF continua em vigor. Quem a cumpriu parcialmente foi o governo federal, então muitos economistas e autoridades federais até esquecem da lei ou acham que ela é inócua. Agora, veja que estados e municípios, que se submeteram aos rigores da lei de forma plena, reduziram suas dívidas em mais da metade nos últimos 22 anos. Faltou completar a lei em aspectos fundamentais, como limites para dívida federal consolidada e mobiliária; avaliação anual e eventual revisão dos limites pelo Senado Federal; criação do Conselho de Gestão Fiscal; desenvolvimento da contabilidade de custos; e metas para dívida e para patrimônio.
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Outra falta foi a não atualização da Lei 4.320, de 1964 (que trata da elaboração do orçamento por União, estados e municípios). Não há como regras e princípios fiscais funcionarem bem se as contas e suas classificações estão ultrapassadas. Os problemas como a aplicação dos limites de despesas de pessoal, por exemplo, têm mais a ver com a ausência da lei geral de contas públicas, analisa Afonso.
O Fórum de Lisboa discutiu questões atuais do debate fiscal no mundo. Sobre o caso brasileiro, destaque para o chamado federalismo fiscal, que é parte do pacto federativo do país e trata da partilha do poder de tributar entre os diferentes níveis de governo. Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados, Fernando Facury Scaff não acredita em uma bala mágica, como a tão falada reforma tributária.
“A reforma tributária envolve apenas um dos aspectos do federalismo fiscal, pois trata apenas da receita pública, da arrecadação. É necessário tratar também da dívida pública, dos gastos e de muitos outros aspectos financeiros que fazem parte do federalismo. Destaca-se que a receita pública de estados e municípios, com a reforma tributária, poderá ser fortemente atingida”, alerta.
Sobre a nova âncora fiscal, ele diz que o que se comenta é que ela será uma fórmula vinculando a dívida pública e não mais os gastos públicos, “enterrando de vez o teto de gastos”. De todo modo, ele recomenda que se pense um pouco mais “fora da caixinha”, como propôs no Fórum de Lisboa: “Deveria se criar uma espécie de piso de investimentos, incluindo gastos sociais, além de obras públicas, a partir de um banco de projetos. Com esse piso de investimentos poderia se fazer políticas públicas adequadas e necessárias para desenvolver o país, sem gastar toda a arrecadação com despesas correntes.”
Para José Roberto Afonso, de fato, “será preciso reinventar o sistema tributário, digitalizar a gestão pública, revolucionar o gasto público”:
“Sem isso, o governo e o país fracassarão em equacionar os novos desafios. Antes de tudo, importa agora recuperar o processo de elaboração da LRF, para negociar e aprovar novas regras para os tempos pós-covid. O cenário certo será de governos mais endividados, arrecadação tributária com viés de alta e gasto público pressionado, sobretudo na área social, para dar assistência aos desempregados e abrigar na rede pública de saúde e de ensino os que tiveram que sair do setor privado. É preciso uma nova construção institucional para conciliar tendências tão contraditórias.”
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