A proposta do Banco Central para criar o “Real Digital”

Bacen quer seguir exemplos de outros países e criar moeda digital estável/Pixabay
Bacen quer seguir exemplos de outros países e criar moeda digital estável/Pixabay
Moeda pode entrar no mercado para concorrer com o Bitcoin e outros criptoativos.
Fecha de publicación: 27/05/2021

O Banco Central do Brasil planeja ter sua própria a CBDC (Central Bank Digital Currency, na sigla em inglês). Nesta semana, a instituição – responsável pela manutenção do sistema financeiro da economia brasileira – apresentou o que serão as diretrizes para que o banco opere, em um prazo ainda indeterminado, um novo dinheiro.

A proposta do Banco Central é de uma moeda que represente, no ambiente virtual, as mesmas características dos numerários emitidos na Casa da Moeda. Elas serão emitidas de acordo com ordens da autoridade financeira, e terão seu valor agregado a um ativo lastreável – o que os diferencia das criptomoedas mais comuns de hoje em dia, como Bitcoin e o Ethereum, que são ativos sem características como valor de troca.


Leia também: A nova febre dos NFTs e as repercussões no mundo jurídico


A proposta do BC em seu real digital é de intermediação da operação – isto é, a autoridade encaminhará os reais digitais aos bancos e sistemas de pagamento, tal como ocorre hoje na forma física.

O projeto ainda segue em fase embrionária e, antes de virar realidade, uma série de mudanças legais precisaria ocorrer. A primeira é que o Banco Central não possui, hoje, autorização para operar uma moeda digital – tal mudança do arcabouço só poderia ocorrer mediante alteração legislativa. Durante o lançamento, a instituição também indicou preocupação de adequar a operação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), igualando as operações do real digital àquelas com as quais os sistemas de pagamento digitais já estão sujeitas desde o ano passado.    

Por isso, tal proposta precisa ter cuidado em sua implementação. "Da mesma forma que a moeda digital pode facilitar o trabalho das autoridades investigativas, ela também facilita a violação da privacidade individual e do sigilo das transações bancárias", sinaliza o consultor de relações governamentais do ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário), Theófilo Miguel de Aquino. "Por isso, ela pode ser tanto uma ferramenta importante de combate ao crime quanto uma ferramenta de supervisão indevida do Estado sobre cidadãos.

Por esse motivo, indica Theófilo, é preciso que o desenho do Real digital tenha limites às condições sob as quais o Estado tenha acesso aos dados de pessoas e empresas. "Para isso já existe a legislação de sigilo bancário e de proteção de dados pessoais, como a recentemente aprovada LGPD", disse.  As regras valeriam também para as investigações criminais, que deveriam se ater às autorizações judiciais para acessar o histórico de transações do Real digital. 

A proposta do Banco Central não é inédita entre instituições do tipo: há casos como o do Equador, que já adotou uma moeda virtual em 2014, mas deixou de operá-la quatro anos depois por pouca adoção do público. Desde fevereiro de 2018, a Venezuela se vale de Bolívar e também do Petro, uma moeda baseada em blockchain e que tem como ativos os bens produzidos pelo país, como o petróleo e diamantes.

Em 2020, um dia depois do Brasil anunciar o sistema de pagamentos do Pix, a Suécia colocou em funcionamento o e-krona, versão digital da sua coroa sueca. No final de 2020, o presidente russo Vladimir Putin anunciou a adoção de um "cripto-rublo".

O sócio da área financeira do Machado Meyer, Nei Zelmanovits, entende que a implementação de tal tecnologia não é mais uma questão de "se", mas "quando" ela deve ocorrer. O advogado, no entanto, aponta que o sucesso de uma moeda digital depende da cultura de cada país – e o Brasil ainda não estaria de todo pronto para tal mudança. "Depende de um desejo real de meios de pagamentos eletrônicos de forma mais abrangente - e o Brasil ainda é, por várias razões, um país onde o papel-moeda é muito utilizado, para transações de varejo", advertiu. "Existe mesmo um barreira cultura para ser superada."

Questionado sobre quem poderia ganhar com a mudança, Nei lembra dos esforços de nações como China, EUA e países da Europa, que apontam como resultado a possibilidade de transações financeiras muito mais rastreáveis e menos espaço para crimes financeiros, como lavagem de dinheiro. 


Veja também: Os criptoativos podem ser utilizados como meios de pagamentos das empresas?


A ponderação leva, no entanto, a um dilema: se era justamente o anonimato que trazia alguma base de uso de criptomoedas como o bitcoin, como ficaria o futuro onde estas teriam de competir com ativos mais estáveis e lastreáveis? "É possível que alguma coisa aconteça no mercado de criptomoeda, porque parte deste mercado, hoje se sabe, é utilizado para fins não muito apropriados. Pode acabar se tornando muito nichado", disse Nei.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.