A proposta que atraiu a ira do Ministério Público

 PEC quer dar a chefe do MP controle sobre órgãos internos/João Américo /Secom/PGR
PEC quer dar a chefe do MP controle sobre órgãos internos/João Américo /Secom/PGR
Texto teve tentativa de aprovação a jato, mas deve retornar à pauta nas próximas semanas
Fecha de publicación: 13/10/2021

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 5/2021 saiu de pauta tão rápido quanto entrou, na última quinta-feira (7). O fato de o texto ainda causar preocupação entre membros do Ministério Público e parte da sociedade uma semana depois mostra que o texto, longe de ser unanimidade, mostra uma tentativa da classe política em diminuir a independência do MP, após uma década de protagonismo do órgão justamente contra os políticos.

A proposta levada ao Plenário, do deputado Paulo Magalhães (PSD/BA), prevê uma maior intromissão de poderes externos ao (Conselho Nacional do Ministério Público), principal órgão fiscalizador da atividade acusatória do Brasil. Hoje, Câmara e Senado indicam dois dos 12 nomes que compõem o grupo - isso passaria a quatro com a nova proposta.

Há também outras mudanças, como a possibilidade de o cargo de Corregedor Nacional do Ministério Público ser ocupado por pessoas fora do MP. O Conselho Superior do Ministério Público estadual passaria a ficar sob maior controle dos procuradores-gerais, que teriam direito a indicar dois terços das cadeiras (o procurador-geral é escolhido pelo chefe do poder Executivo; no âmbito federal, há também a necessidade de aprovação pelo poder Legislativo).

O deputado indicou, em seu voto, que é prerrogativa do Congresso Nacional fazer tais alterações se ele achar necessário - era o que previa a Constituinte, interpreta. “A competência congressual de intervir na composição de outros órgãos estatais constitui uma dimensão do controle político outorgado ao Parlamento”, escreveu ao justificar seu parecer. “Essa é, de fato, uma função tradicionalmente atribuída aos representantes eleitos – função essa que a presente iniciativa visa a reforçar.”

A votação na Câmara ocorreria como muitas votações feitas durante a pandemia: o texto da nova proposta de Paulo Magalhães foi disponibilizado pouco antes da votação, com mudanças profundas no funcionamento dos órgãos de investigação nacional e estaduais. Muitos líderes disseram-se pegos de surpresa com a mudança. 


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“Discutir neste momento uma PEC que vai inverter a relação de forças dentro do CNMP, dando para conselheiros externos mais poder e maior número do que os do próprio Ministério Público, é sinceramente zombar da população que quer ver o combate à corrupção”, disse o deputado Marcel Van Hattem (NOVO-RS). “Permitir, como está nessa PEC 5/21, que alguém que não seja do Ministério Público torne-se Corregedor do Conselho também é de se preocupar.”

Os deputados rejeitaram retirar o projeto de discussão por uma margem apertada - 216 preferiram continuar a votação contra 197 a favor do seu adiamento. Como isso poderia indicar que a PEC não teria os 308 votos necessários, o texto foi retirado da pauta.

Os procuradores foram rápidos em demonstrar sua insatisfação com o texto. A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), responsável por indicar ao presidente da República a lista tríplice para a PGR, disse que o texto, como está, tem definições vagas que foram levadas ao Plenário sem discussão prévia. 

“A PEC ataca aspectos estruturais do MP brasileiro e fragiliza a atuação independente de seus membros, garantia prevista na Constituição Federal”, assinam os procuradores. “Além disso, submete o CNMP à influência direta do Congresso Nacional e impossibilitará a atuação do MP em defesa da sociedade brasileira, especialmente nos casos que envolvam temas de grande relevância.”

A reclamação é também que os deputados desvirtuaram o espírito original da PEC. A proposta originalmente alterava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), principal encarregado de controlar e fiscalizar a atuação do órgão acusador no Brasil. O texto, originalmente assinado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), queria alterar o artigo 130-A da Constituição para incluir mais um membro no colegiado de escolha do Legislativo.

Organizações da sociedade civil também mostraram repúdio à PEC. O ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), afirmou que a PEC representa “uma abertura inaceitável para a inserção dos interesses políticos e econômicos na cúpula decisória do MP, interferindo na independência funcional da instituição”. Os efeitos passariam a ser sentidos na sua área de atuação: “a sociedade brasileira perderia seu maior protagonista na defesa constitucional do meio ambiente”, ponderou.


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O procurador do Ministério Público em São Paulo Roberto Livianu tem comparado a proposta à volta do coronelismo, período da República onde oligarquias exerciam pressão sobre os mais diversos poderes da República. 

Sem economizar nas críticas, Livianu diz que mesmo um estudante de Direito saberia identificar problemas da proposta com o artigo 127 da Constituição - que dá independência ao MP.  “Essa ideia transformaria o Ministério Público numa instituição fadada a ladrões de pirulitos ou batedores de carteira”, disse o procurador, fundador do Instituto Não Aceito Corrupção. Ele prossegue: “A impressão que nós temos é que se quer roubar em partes: se o Ministério Público investiga corrupção ou crime de colarinho branco, os atos investigativos poderiam ser alvo de interferências, e é isso que nós vemos no relatório apresentado na Câmara.”

O texto, para Livianu, seria “grotesco” por não seguir o espírito da proposta original. O momento é de alerta, indicou o procurador: “Está se construindo um gigantesco ovo da serpente”, advertiu. “Ao se querer quebrar a independência do Ministério Público sendo que a Constituição coloca no artigo 127 a independência como regra visceral, eu não consigo conceber como se é possível”, concluiu.

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