Ratificação do tratado UE – Mercosul corre risco

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Várias coisas têm mudado no Mercosul e na União Europeia desde que, em 28 de junho, anunciaram a firma do acordo comercial. O inesperado bloqueio do Parlamento austríaco poderia atrasar o pacto em décadas
Fecha de publicación: 27/09/2019
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O fim do verão na Europa não fecha o capítulo do tratado entre a União Europeia (UE) e o Mercosul com as mesmas expectativas que o fazia no seu início. Alemães, espanhóis franceses, entre outros, faziam as malas das férias europeias em junho, em um cenário, aparentemente, favorável para culminar 20 anos de negociações. A temperatura em alguns debates fundamentais se há elevado e setembro encerra sem assegurar a ratificação do texto.

Por um lado, a França disse, em agosto que não respaldaria o acordo. O Governo desse país se mostrou muito crítico com as políticas ambientais da atual Administração do Brasil, acusando ao presidente Jair Bolsonaro de haver mentido na Cimeira do G20 em Osaka. Emmanuel Macron, presidente da República Francesa, considerou que a atitude do governo brasileiro face aos incêndios que estão devastando a Amazônia mostra uma falta de compromisso e respeito aos acordos alcançados em matéria meio ambiental. As acusações e advertências se somaram na Irlanda e, mais recentemente, na Áustria, cujo parlamento votou em contra do acordo em 19 de setembro.

Por outro lado, o bloco crítico já não está instalado exclusivamente na Europa. A previsível vitória do peronista Alberto Fernández nas eleições argentinas poderia ser um reforço à mudança de rumo no acordo. Fernández não há manifestado intenção de dilapidar o acordo, porém, sim, há insistido em desmarcar-se da postura do Governo de Macri. O atual presidente argentino há sido um dos mais convencidos defensores do tratado em seus termos atuais, porém a conjuntura do país não se presta para certezas em nenhum tipo de assunto, e as condições do acordo poderiam ser revistas se Fernández ganhar as eleições do 27 de outubro.

Pablo J. Gayol, sócio especializado em comércio internacional e direito aduaneiro de Marval, O’Farrell & Mairal, crê que é apressurado considerar que um triunfo de Fernández implique que o tratado não vá se ratificar. Devido, precisamente, à situação atual do país, o sócio diz que necessitam inserção internacional, tanto comercial como financeira. Ao igual que na conversação que manteve com a LexLatin em julho, após se anunciar a firma do tratado, o sócio põe o foco nas relações comerciais entre a Argentina e o Brasil

“É difícil pensar que a Argentina possa abandonar sua aliança comercial com o Brasil, porém se este seguir uma linha divisória pelos acordos de livre comércio, existe uma alta possibilidade de que a Argentina siga esse rumo”, comenta.

Face as pressões e críticas mencionadas ao Governo brasileiro, Bolsonaro advertiu que o acordo poderia perigar se Alberto Fernández chegar à Casa Rosada. Ana Teresa Caetano, coordenadora da prática de comércio exterior em Veirano Advogados, segue defendendo que para o Brasil, os benefícios do acordo são muitos e variados. Considera que rechaçar ou retrasar o acordo negociado “seria extremamente prejudicial” para os interesses comerciais e econômicos do Brasil. Ademais de questões como o aumento da competitividade da economia, uma maior segurança jurídica e o fortalecimento da cooperação em áreas estratégicas, entre outras, Caetano crê que a capacidade de negociar e implementar um acordo comercial, como o tratado UE-Mercosul, dá impulso ao Mercosul para poder negociar e finalizar outros acordos comerciais relevantes, como  recentemente o negociado com a Associação Europeia de Livre Comercio (EFTA, por suas siglas em inglês).

Esteban Ropolo, sócio da prática de comércio exterior de Baker Mackenzie - Argentina, também crê firmemente que não seria uma boa ideia reabrir discussão: “Poderia implicar a morte do mesmo, pois há lobbies em ambos os lados, em contra. Reabrir a negociação seria um claro exemplo de como ‘o melhor é inimigo do bom’. Provavelmente resultaria, no atual contexto internacional, no congelamento do acordo por muitos anos”.

Faz três meses, o questionamento ao tratado parecia centrar-se nas vantagens e desvantagens puramente comerciais que traria para os Estados implicados. Contudo, a atualidade da emergência climática há provocado a conjuntura perfeita para os críticos com o tratado. Em todo este tempo não só se há falado dos incêndios na Amazônia. Faz tão só uns dias, teve lugar a Cimeira do clima organizada pelas Nações Unidas em Nova Iorque que, unida à convocatória da greve mundial pelo clima em 27 de setembro, provoca que o foco de conversação sejam as relações comerciais face ao desafio da mudança climática.

Como se opõem e complementam as práticas de direito meio ambiental e comércio para fazer frente a estes desafios? A deflorestação há aumentado desde que Bolsonaro fora eleito no Brasil, embora Esteban Ropolo menciona que o problema vem de antanho. Explica que o Mercosul é um dos blocos comerciais mais fechados do mundo. “O comércio e a proteção do meio ambiente não são antitéticos. A integração ao mundo é a melhor ferramenta para acordar políticas comuns para proteger o meio ambiente e, a sua vez, perseguir um desenvolvimento sustentável com o acesso a novos mercados a câmbio de dita proteção. O isolamento internacional é o melhor aliado de práticas renhidas com a proteção do meio ambiente”.

Pablo J. Gayol e Ana Teresa Caetano também apelam aos acordos comerciais como ferramentas para unificar políticas meio ambientais em prol de estruturas de concorrências leais. Gayol lembra que há outros aspectos além das questões tarifárias. “Sem relações comerciais fortes entre os blocos, a capacidade de influir nos processos produtivos das outras partes é muito baixa”, adiciona. A sócia de Veirano assinala que o acordo UE-Mercosul tem um capítulo específico sobre comércio e desenvolvimento sustentável, que está supeditado aos Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente, incluído o Acordo de Paris, sobre mudança climática e outros objetivos relacionados com a preservação e o uso sustentável da biodiversidade e os bosques, o respeito aos direitos trabalhistas e a proteção dos direitos das populações indígenas.

Pouco mais pode especular-se pelo momento. À margem do que ocorrer nas eleições da Argentina, nada mudará a complexidade de um bloco como a União Europeia, composto por 28 Estados. Ao encerramento desta reportagem, a Áustria se prepara para umas eleições (29 de setembro) das que sairão um novo parlamento e executivo, porém o novo Governo estará obrigado a aplicar o veto. Alguns analistas já têm falado de um possível efeito contágio em outros países da União Europeia que poderia, pelo menos, chegar a retrasar o pacto durante décadas.

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