Recuperação judicial: alternativa para o agronegócio?

Mudanças climáticas têm gerado prejuízo incalculável à produção agrícola brasileira/Canva
Mudanças climáticas têm gerado prejuízo incalculável à produção agrícola brasileira/Canva
Especialistas analisam os prós e contras da medida para o setor.
Fecha de publicación: 21/03/2022

O agronegócio vem passando por importantes transformações, através da modernização das produções. O setor é responsável pelos saldos positivos da balança comercial brasileira, quebrando recorde de safras. Por consequência, as relações dentro de toda cadeia do agro estão mudando também, ganhando uma nova perspectiva.

Apesar disso, o setor passa por algumas dificuldades que dificultam o crescimento. Um fator que tem causado muita preocupação é o relacionado às mudanças climáticas, que têm afetado a vida das pessoas ao redor do mundo e gerado prejuízo incalculável ao agronegócio brasileiro. A estimativa dos especialistas é de que as mudanças tenham custado R$ 44 bilhões ao setor só em 2021. Na região Sul o problema é a estiagem. Já no Sudeste e Nordeste brasileiro, o excesso de chuva.

A redução na produtividade e consequentemente na produção tem elevado os custos e colocam o produtor em uma situação delicada. Muitos empresários rurais aproveitaram a oportunidade dada pelas instituições financeiras e adiaram o pagamento de financiamentos, para 2022 e 2023.

Um levantamento do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), divulgado em janeiro, aponta aumento de 42% no custo de produção da soja em 2022 na comparação com 2021. Essa disparada no custo levou a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) a protocolar, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e na Procuradoria-Geral da República (PGR), um documento solicitando providências em relação ao cancelamento de pedidos e alta expressiva nos preços dos defensivos.


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Com este cenário, de acordo com os especialistas, uma nova crise ronda o agronegócio, com forte tendência do aumento no número de pedidos de recuperação judicial, alternativa ao produtor rural para se restabelecer e proteger o negócio diante de uma crise financeira. A medida ajuda a buscar um acordo entre a empresa em crise e todos os credores.

Para Carlos Roberto Deneszczuk Antonio, da DASA Advogados, o momento pede cautela e planejamento.

“Produtores rurais com décadas de atuação no mercado, em vários estados e com grandes carteiras de clientes, passaram a sofrer com o aumento da inadimplência e a queda no faturamento, sintomas da retração gerada pela crise econômica vivenciada pelo país. Na tentativa de honrar seus compromissos, muitos acabaram se endividando a altas taxas de juros, o que levou as dívidas a patamares impagáveis”, explica.

O sócio do escritório Diamantino Advogados, Eduardo Diamantino, lembra que o STJ decidiu, recentemente, que nos contratos agrícolas o risco é inerente ao negócio. Para os ministros, eventos como seca, estiagem, pragas, ferrugem asiática, entre outros, não são considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a adoção da Teoria da Imprevisão.

“O produtor rural tem se abraçado na oportunidade concedida do ‘maior prazo’. A lucratividade da produção de commodities brasileiras é limitada. Dificilmente se terá lucro para na próxima safra pagar as despesas de safras passadas. Na prática, ao rolar a dívida, só se posterga o problema. Em algum momento, ocorrerá alguma das seguintes hipóteses: uma grande moratória (com intervenção estatal), diversas execuções ou diversas recuperações judiciais”, afirma.

Carlos Roberto explica que ainda há, neste mercado, muita desinformação sobre os benefícios da recuperação judicial. Muitos produtores rurais ficam relutantes em pedir auxílio de consultorias especializadas, pois se amarram a antigos mitos, como o de que não conseguirão mais crédito após ingressarem com o pedido de RJ.

“Na prática, tem ocorrido o contrário. Muitos setores, notadamente o de insumos agrícolas, têm financiado as empresas mesmo após o requerimento do pedido de recuperação judicial, vez que tal situação dá mais segurança jurídica e transparência para as relações comerciais”, completa.

Muitos produtores rurais sequer sabem que podem ter acesso a tal medida jurídica, pois atuam como pessoa física e acreditam que somente grandes grupos possam utilizar esta ferramenta, o que não é verdade.

“Até o advento da lei 14.112/2020 (reforma da lei de Recuperação Judicial e Falências) a permissão para o pedido de recuperação judicial do produtor rural se baseava na interpretação da lei e no entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, após a reforma da legislação recuperacional, o pedido de recuperação judicial do produtor rural foi regulamentado, não restando qualquer dúvida acerca da possibilidade do pedido”, finaliza.


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Priscila Ziada Camargo Fernandes, sócia do escritório Ernesto Borges Advogados destaca que é necessário ter em mente que a recuperação judicial não é, necessariamente, uma alternativa para proteção do negócio. Ela não pode ser utilizada de forma a desvirtuar o instituto, como uma receita padrão de solução, principalmente, para um setor tão particular e que pode gerar impactos desastrosos ao mercado.  

“A lei não foi construída pensando nesse cenário do produtor rural, o que acarreta uma série de lacunas. Quando nós tentamos encaixar uma lei tão geral para uma atividade tão específica quanto o agronegócio é necessário fazer muitas concessões para acomodar as situações que surgem e isso vai deformando a finalidade da lei”, afirma.

Para a advogada, responsável pelas áreas de agronegócio, recuperação de crédito, reestruturação e insolvência, o que deve ser fomentado não é recuperação judicial, mas as ferramentas de gestão e boas práticas de governança, que viabilizarão a profissionalização dos produtores, aperfeiçoando sua visão estratégica, permitindo que os riscos patrimoniais, financeiros e da própria continuidade do negócio sejam mitigados.

“Nunca foi tão importante adotar medidas que garantam transparência, segurança jurídica e previsibilidade. Isso porque essas premissas oportunizam o avanço e a consolidação de pautas importantes, como por exemplo a democratização e acesso ao crédito e o seguro rural, pilares fundamentais para a retomada em um momento de crise”, explica.

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