Conflito com o Judiciário: a estratégia de campanha para reeleição de Bolsonaro

O perdão presidencial ao aliado político é mais um capítulo da briga entre Executivo e Judiciário/Agência Brasil
O perdão presidencial ao aliado político é mais um capítulo da briga entre Executivo e Judiciário/Agência Brasil
Com o crescimento nas pesquisas, especialistas avaliam que há reais chances de um segundo mandato – e a receita para a vitória é gerar tensão entre poderes.
Fecha de publicación: 28/04/2022

O Supremo Tribunal Federal (STF) está no centro de várias discussões importantes para manter a estabilidade política do país e do regime democrático. Nesses poucos mais de três anos, durante o governo Bolsonaro, a instituição foi testada principalmente com ameaças à Constituição, negacionismo do presidente e seus apoiadores em relação à pandemia de Covid-19 e disseminação de fake news. A Corte ainda teve que se proteger de ataques aos ministros e os pedidos de fechamento da instituição.

Em mais um capítulo desse embate, menos de 24 horas depois de o STF condenar o deputado federal Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão, o presidente Jair Bolsonaro concedeu o indulto presidencial ao parlamentar, deixando a situação de Silveira num limbo jurídico.

A situação ficou ainda mais complicada nesta quarta-feira (27), dia em que o deputado se tornou membro titular da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a mais importante da Casa, por conta do acordo entre partidos da base aliada. É essa comissão que define a viabilidade de cassação de mandatos dos parlamentares. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) considerou a medida como um "escárnio", em sua conta no Twitter.  

Silveira ainda foi eleito vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e integra, como titular, as comissões de Esporte e Cultura. Ele também será suplente na de Educação. 

Mais cedo, o presidente e um grupo de deputados da base participaram de um ato em defesa do parlamentar. O evento, que aconteceu no salão nobre do Palácio do Planalto, foi, segundo o grupo, em defesa da "liberdade de expressão" e muitos não pouparam críticas ao STF. O deputado Gurgel (PL-RJ) chamou de "ditadura" as decisões proferidas pelo Tribunal. 

É a maior crise armada pelo presidente contra a Suprema Corte em todo o seu mandato? Ou é só mais um capítulo de uma história que vem se desenrolando? Fato é que a relação entre os dois poderes já contou com momentos de altíssima tensão e ataques diretos de Bolsonaro aos ministros da casa. O perdão presidencial ao aliado político também cumpre uma antiga promessa de Bolsonaro: não aceitar as ordens do ministro Alexandre de Moraes, que foi o relator do caso.


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Roberto Livianu, procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo e presidente do Instituto “Não Aceito Corrupção”, fala que o conflito é a produção de uma narrativa conveniente para as próximas eleições.

“O STF pode ser criticado e deve ser criticado. Isso é do jogo democrático. O Supremo nem sempre agrada em suas decisões. São maneiras de interpretar a lei e essa é a missão do tribunal. O caso Daniel Silveira, com todas as críticas que possam ser feitas ao inquérito, distribuiu Justiça e condenou o parlamentar por crimes contra a democracia”, avalia o especialista.

Para o jurista, não cabe indulto em crimes contra a democracia. “Cabe em situações humanitárias, para fins de política criminal, não para esse tipo. Você vê um nítido desvio em relação à questão do princípio da impessoalidade. Não se pode usar esse ferramental e beneficiar aliados”.

O cientista político André Pereira César avalia que o presidente ataca instituições que ele considera mais frágeis junto à opinião pública, notadamente o Supremo e o TSE.

“Você vê que os ministros que integram as duas cortes, no caso o [Edson] Fachin, o [Alexandre de ] Moraes e o [Luís Roberto] Barroso são alvos preferenciais, onde ele ataca e tenta desqualificar. E isso mobiliza a massa. A manifestação que houve agora no Planalto, de parlamentares aliados usarem o Silveira para defender a liberdade de expressão, é uma falácia. Bolsonaro se utiliza desse instrumento para chegar mais forte na eleição à frente”, afirma.

Pereira César defende que esse discurso de confrontação reforça os laços com o reduto bolsonarista, mas não só ele. “O presidente sabe que pode ganhar mais espaço junto ao chamado eleitor antipetista, que é poderoso, que não sabe a dimensão dessa parcela nesta eleição. Existe mais campo para ele subir [nas pesquisas]. Muita gente fala que o presidente atingiu o teto nesse momento do primeiro turno, mas ele tem a caneta na mão”.


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Para o especialista, o grupo de Bolsonaro segue o manual de Viktor Orban, da Hungria. “Pega Judiciário, pega a imprensa e solapa o Parlamento. E aí o resto vai junto e ataca as instituições de ensino e universidades. Ele tem esse modelo já desenhado, uma receita de bolo para chegar nesse segundo mandato”.

Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que todo esse repertório de conflitos faz parte do enredo do bolsonarismo de presidencialismo de confrontação.

“Está no DNA, na sua trajetória como deputado e até antes como militar e depois como candidato e presidente. Ele mantém coesão com a sua militância, com a força da convicção a partir do elemento confrontador. O presidente escolhe inimigos. A política para ele não é uma relação entre adversários, mas de inimigos e a sua eliminação simbólica: são internos, externos, são reais e imaginários”, diz.

Para o especialista, o presidente agora entra em práticas e posturas que ferem princípios constitucionais. “Ele governa mantendo o tecido democrático em constante tensão. E quando isso acontece, há o esgarçamento das relações institucionais e democráticas ou a ruptura. Então a pergunta sempre é: haverá ruptura?”.

O bolsonarismo, explica Prando, opera dentro de quatro princípios: fake news, teoria da conspiração, pós verdade e, na pandemia, o negacionismo. “Com a proximidade das eleições e a polarização, fica nítido que em caso de derrota o presidente não reconhecerá a vitória do adversário – se no caso for o Lula. Agora isso levaria a uma articulação de um golpe, de uma tentativa de fechamento do Congresso e de colocar tropas nas ruas? Acho difícil, mas não é impossível”, pondera.


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O professor acredita que as condições hoje são favoráveis à reeleição do atual mandatário e a confrontação com o STF e a Justiça Eleitoral faz parte do jogo. “Para mim é uma situação absolutamente pensada, programada e construída com vistas à manutenção da coesão e base desse governo”.

O STF resistiu até aqui, mas o desafio continua, ainda mais em ano de eleição. Além da legalidade do indulto a Daniel Silveira, tem a discussão das fake news, a possibilidade de propagação de mensagens instantâneas por aplicativos como Whatsapp e Telegram e a ameaça sempre constante de não respeitar o resultado das urnas.

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