Os reflexos da crise do petróleo no país

Com sanção a petróleo russo, barril pode chegar a inimagináveis US$ 300 e afetar preços de combustíveis/Pixabay
Com sanção a petróleo russo, barril pode chegar a inimagináveis US$ 300 e afetar preços de combustíveis/Pixabay
Petrobras aumenta o preço dos combustíveis pela quinta vez, horas antes de o Senado votar proposta para estabilizar valor dos combustíveis.
Fecha de publicación: 10/03/2022

A segunda semana da guerra entre Rússia e Ucrânia chega ao fim com poucos avanços diplomáticos de ambos os lados, mortes de civis e destruição de instalações civis, como residências e hospitais. Por mais que os combates sejam restritos a uma pequena parte do globo, do tamanho do estado de Minas Gerais, a cotação do petróleo acaba por ser afetada pela guerra - e, com isso, as consequências da disputa acabam chegando tão longe quanto as bombas dos postos brasileiros.

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de proibir a importação do petróleo russo na economia americana não apenas afetou a máquina de guerra de Moscou - como também gerou pressão sob o preço do barril de petróleo. O barril do Brent, principal cotação do petróleo no mundo, chegou a um pico de US$ 117 no início do conflito. Em novembro, antes das primeiras ameaças russas, a cotação estava na casa dos US$ 70.


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A decisão pressiona o valor para cima, uma vez que a oferta russa – responsável pela segunda maior produção do mundo – perde um de seus maiores clientes. Após a decisão de Washington, os russos indicaram que, sem sua produção, o barril pode subir até o patamar de US$ 300 por barril, o que inviabilizaria diversos setores de produção mundo afora.

A tendência é de aumento no curto prazo, mas de redução no médio prazo. “O que a Petrobras poderia fazer para tentar fugir desta alta no Brasil era a empresa comprometer parte de seu capital e fazer estoque para passar esse período”, diz Paulo Azevedo, professor de Contabilidade e Finanças Empresariais no Ibmec SP. No entanto, o professor considera improvável tal manobra.

Como a política da Petrobras é atrelada ao dólar, a estatal acabou por apresentar um aumento de preços dos combustíveis – o quinto seguido – horas antes de o Senado votar uma proposta de estabilizar o preço dos combustíveis.

Congresso avança com pacote de medidas

Os senadores aprovaram duas propostas, que estavam há pelo menos duas semanas na pauta da casa: uma delas é um projeto de lei que cria uma banda de preços dentro da Lei do Petróleo, bancados principalmente por windfall profits, lucros inesperados da União vindos de dividendos da própria Petrobras. Esta, que é um Projeto de Lei (PL), passou com 61 votos favoráveis e oito contrários.

Na visão do senador Jean Paul Prates (PT/RN), que relatou ambas as propostas, a política atual da estatal é exatamente o que aconteceria se ela fosse, de fato, privada. “Estamos vivendo a realidade igualzinha da Petrobras privatizada, não faz diferença nenhuma”, disse, “em questão administrativa e de vontade política. A questão que hoje já temos o preço de paridade de importação, e portanto o mercado brasileiro está sujeito a toda e qualquer oscilação em tempo real do preço internacional.”

A senadora Simone Tebet (MDB/MS) disse que a proposta de intervenção nos preços pode ser revista no futuro - mas que, no momento, a situação é de guerra. “O mercado entende - e não estamos em situação de calamidade pública não: estamos em situação de guerra, e a guerra da Ucrânia com a Rússia atinge fortemente a geopolítica do Brasil e a geoeconomia do mundo”.

Paulo Azevedo considera as propostas do Legislativo como bons esforços. “Eles vão trazer perda de receita no curto prazo, por meio da arrecadação”, pondera. “Se conseguir mudar o preço sem que envolva a Petrobras mudar sua política de preços e romper seu pacto com o investidor, há a crise de receita e possível flexibilização da política, mas mantém a credibilidade da empresa. Se a guerra não for longa, isso resolve o problema da questão do preço do barril.”

A outra proposta aprovada pelo Senado altera as regras de incidência do ICMS nas operações com combustível. O objetivo dos parlamentares é criar uma alíquota única do imposto, permitindo aos estados aderir imediatamente até o final do ano, em uma espécie de transição para a “monofasia”. Com isso, espera-se racionalizar a cobrança do imposto e reduzir a pressão tributária sobre o insumo - essencial a toda a cadeia econômica brasileira. Neste Projeto de Lei Complementar (PLP), o placar foi mais elástico: 68 foram a favor, com um voto contra e uma abstenção. 

Já no fim da noite, a Câmara também aprovou o PLP, por larga maioria: 414 votos favoráveis, três contrários e uma abstenção. Os deputados no entanto rejeitaram mudanças feitas pelo Senado ao texto: foram 128 votos a favor as alterações, 290 votos contrários e novamente uma abstenção. O texto já segue para a mesa de Jair Bolsonaro.

Tapa-buraco

Na visão de Leonardo Martins, sócio da área tributária do Machado Meyer, a decisão do Congresso não ataca problemas estruturantes do setor no país. “E não se resolve problemas de estrutura de afogadilho, com projeto de lei de imediato, visando à crise da Ucrânia”, analisa. ”Não se resolve um problema sistêmico da estrutura, não só tributária, mas preço do petróleo no Brasil, de afogadilho. É literalmente um tapa buraco, um remédio para passar a dor.”

A crise da Ucrânia é só um dos fatores apontados por Leonardo como parte de um problema envolvendo os combustíveis: o real está muito depreciado frente a outras moedas e, em paralelo, o preço do barril segue tendência ascendente - uma equação que não fecha e acaba diretamente no preço da bomba.


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Leonardo aponta pontos positivos na iniciativa. “A monofasia do ICMS é interessante, porque é uma regra que simplifica processo de cumprimento da obrigação tributária e otimiza a arrecadação, seja na importação ou seja na refinaria - e acaba com a guerra fiscal, onde há 26 legislações que tentam ser mais atraentes uma contra as outras. Bem no espírito da reforma tributária que se tem na mesa”, diz.

Mas algumas medidas de subsídio aprovadas no texto do Congresso seriam temerárias, de acordo com o especialista. “Toda redução de arrecadação tributária tem que ter uma contrapartida muito clara - e o governo não pode abrir mão de receita se ela não fizer o mesmo com uma despesa equivalente”, alerta Leonardo. “Se essa arrecadação de uma hora pra outra cai, temos a quebra da Lei de Responsabilidade Fiscal, de imediato. E além de gerar conflitos e litígio, gera inflação - que é justamente o que se busca evitar com o subsídio.”

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