A regulamentação do mercado de créditos de carbono no Brasil

No Brasil, projeto de Lei 528/2021 quer regular mercado por meio do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões/Pixabay
No Brasil, projeto de Lei 528/2021 quer regular mercado por meio do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões/Pixabay
Medida entra na pauta de projetos prioritários com o lançamento do mercado de carbono chinês, considerado o maior do mundo.
Fecha de publicación: 14/09/2021

O Projeto de Lei 528/21, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), vem ganhando importância por tratar de um tema fundamental para o mundo e que pode gerar créditos para o Brasil. A criação desse mercado está prevista na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09), e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional assinado pelo Brasil que prevê a redução da concentração de gases de efeito estufa no planeta. A proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece regras para a compra e venda de créditos de carbono no país, pendente de regulação desde a edição da Política Nacional de Mudança do Clima, de 2009.

Crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera.


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O PL, que visa fomentar o mercado voluntário de créditos de carbono, tem por objeto os créditos que não derivam de obrigação legal, mas que ainda assim constituem título transacionável e fungível. Nesse tipo de estrutura, as empresas estabelecem internamente metas de redução de emissão, motivadas principalmente por questões de imagem e compromisso socioambiental, e podem compensar suas emissões adquirindo créditos de outras empresas superavitárias, demonstrando compromisso com as práticas ESG.

É bom lembrar que a criação de mercados regulados de créditos de carbono vem sendo adotada em diversos países. Em 2020, a economia de créditos de carbono movimentou R$ 1,43 trilhões no mundo, 20% a mais que em 2019. E o Brasil pode ser uma grande fonte de créditos para aqueles países com necessidade de reduzir emissões.

Esse mercado pode ajudar os países a reduzir as emissões, algo estabelecido no Acordo de Paris, que cria metas para evitar o aumento da temperatura mundial em 1,5ºC neste século. O compromisso brasileiro é diminuir emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030, de acordo com as emissões de 2005.

A previsão é que esse seja um dos temas na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que acontece de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Faltando pouco mais de um mês para a conferência, vários países estão criando sistemas de precificação de carbono.

Um deles é a China, que lançou seu mercado de carbono, considerado o maior do mundo. O país é hoje o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, mas também detém o título de maior investidor em novas energias. A promessa dos asiáticos é serem neutros em emissões de carbono até 2060, algo que foi visto com ceticismo em todo o mundo.

Na prática, o sistema cria um preço às emissões de carbono e permite que o governo defina cotas, por exemplo, para usinas termelétricas. Serão criados certificados de emissão de gases de efeito estufa e, caso as empresas não cumpram o limite estabelecido pela norma, estarão sujeitas à imposição de multas, ou alternativamente, obrigadas a adquirir créditos de outras empresas para compensar as emissões. Nesse primeiro momento a meta é atingir o setor elétrico, com 2.225 produtores. A área responde por 30% do total das emissões chinesas.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Essa mudança de postura por lá aumenta a pressão para a aprovação do PL 528/2021.


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“Essa tentativa de regulamentação é muito interessante e, sem dúvida, vem em boa hora. A ideia é, de um lado, estimular o mercado voluntário de carbono por meio da criação de um Sistema Nacional de Registros que ofereça maior credibilidade e segurança jurídica a esse contexto e, de outro lado, trazer diretrizes para a regulamentação de um mercado obrigatório por meio do SBCE. Nos termos do PL, o Poder Executivo fica obrigado a regulamentar esse mercado obrigatório em até dois anos da publicação da lei, o que pode alçar o Brasil a uma posição favorável perante a agenda internacional de redução de emissões de carbono”, diz Ana Maria Carvalho, sócia do escritório Carvalho, Prado & Spinola Advogados

A diferença entre os mercados voluntário e obrigatório é a existência ou não de norma obrigatória. Neste último caso, existe regulamentação que obriga os agentes de determinados setores a limitarem suas emissões de carbono e também a fazerem a compensação quando os limites forem ultrapassados.

Hoje, o PL está sendo analisado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Recentemente, o presidente da Câmara, Deputado Arthur Lira (PP-AL), garantiu que dará celeridade à tramitação da matéria e afirmou que fará esforço para que sua aprovação ocorra antes da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Para João Vítor Stüssi Velloso de Andrade, sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados, há uma diferença conceitual importante entre a regulamentação do mercado de carbono chinês e o PL que tramita no Congresso brasileiro. “Enquanto na legislação vigente há previsão de que o mercado seria operado em bolsa ou mercado de balcão autorizado pela CVM, no Projeto de Lei é criada e instituída entidade responsável pelo registro de projetos de redução de gases de efeito estufa e sua contabilização, a fim de regular a forma como esses créditos são constituídos”, afirma o advogado.

Os títulos mobiliários que estão previstos pela norma vigente são instrumentos, conceitualmente derivativos, que representem os créditos, sujeitos a serem negociados em bolsas e mercados de balcão organizado, o que já acontece por meio de leilões na B3.

“O ecossistema brasileiro para implementação de um mercado de carbono mais amplo que o voluntário e que se aproxime do modelo chinês deverá editar normas específicas nesse sentido. Certamente, com o crescente compromisso das empresas em iniciativas ESG, o potencial econômico do mercado e o volume de emissões brasileiras serão um incentivo para o desenvolvimento de um mercado que pode, a depender das circunstâncias, ter o Brasil como um de seus protagonistas em escala global”, diz o advogado.

Natascha Trennepohl, sócia do escritório especializado em direito ambiental Trennepohl Advogados, defende que o PL 528 é um grande avanço na regulamentação de um mercado de carbono no Brasil. “Alguns pontos ainda ficam em aberto, como a criação da demanda pelos créditos, uma vez que o programa obrigatório mencionado no artigo 7 deverá ser regulado posteriormente. Outro aspecto interessante do PL é a criação do Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões (SNRI-GEE) para os projetos de redução emissões e os créditos de carbono gerados”, explica a advogada.


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“Para a preparação para um mercado regulado, ainda mais importante, é o registro de emissões dos setores e as regras para o envio das informações, pois assim podem ser definidas metas de redução para os diferentes setores e para o uso dos créditos, sem que se repitam alguns dos erros cometidos pela Europa na criação do seu sistema de comércio de emissões. Informação adequada, critérios claros e criação de demanda são essenciais para a eficiência do mercado”, avalia a especialista.

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