A regulamentação de jogos on-line por meio da propriedade intelectual

Não se deve esquecer que o mercado de jogos está intrinsecamente relacionado ao campo da propriedade intelectual / Onur Binay - Unsplash
Não se deve esquecer que o mercado de jogos está intrinsecamente relacionado ao campo da propriedade intelectual / Onur Binay - Unsplash
A América Latina vai da proibição a certas restrições até a legalização de todos os tipos de jogos de azar online. Uma das leis mais avançadas é a da Argentina, onde a regulamentação não é nacional, mas provincial.
Fecha de publicación: 17/05/2023

Segundo especialistas da área, o mercado de jogos online (entre cassinos virtuais, loterias e videogames) crescerá globalmente cerca de 19,6% entre este ano e 2030, quando provavelmente alcançará 431 milhões de dólares em lucros. O crescimento desse mercado é explicado não só pelo aumento do uso de dispositivos móveis inteligentes e meios de entretenimento digital ou interesse por jogos virtuais, mas também pela melhoria da infraestrutura da Internet, segundo especialistas na área, à qual se está gradualmente adicionando o estabelecimento de regulamentos que regulem apostas, patrocínios e outros modelos de monetização.

 

A América Latina é a região onde este mercado mais crescerá nos próximos anos, seguida pela região da Ásia-Pacífico, Oriente Médio e África, que são, juntos, mercados emergentes. De acordo com o Newzoo Global Games Market Report 2022, cerca de 3,2 bilhões de pessoas jogaram jogos online no ano passado e investiram pelo menos US$ 196,8 bilhões, especialmente em jogos para celular, que geraram receita de US$ 103,5 bilhões em 2022.

 

Agora, para que esse mercado possa continuar a crescer em nossa região, depende em grande parte das regulamentações nacionais que facilitem os jogos online. A América Latina tem uma mistura de regulamentações que vão desde a proibição a certas restrições até a legalização de todos os tipos de jogos de azar online.

 

Uma das mais avançadas é a da Argentina, onde a regulamentação não é nacional, mas provincial, com a província de Buenos Aires à frente. As outras nações que permitem o jogo online são Bolívia, Colômbia, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai. As mais restritivas são as leis do Equador, que proíbem todos os tipos de jogos de azar, embora permitam apostas de e para sites estrangeiros. Finalmente, o Chile permite jogos de azar em geral, exceto cassinos online, que são proibidos.


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O Brasil está atualmente discutindo a regulamentação

 

O Brasil tem avançado na discussão de um novo marco regulatório para jogos de azar, representado pelo Projeto de Lei 442/91, atualmente em tramitação no Congresso Nacional e que dispõe sobre a legalização das apostas no país em modalidades que já existem na prática, como bingo e apostas esportivas online, de sites que operam fora do país. Tudo isso é benéfico porque, conforme informamos há alguns meses, “as entidades formadas por empresas do setor entendem que a regulamentação da atividade pelo governo proporciona maior segurança jurídica, disseminando os princípios do jogo responsável e da transparência no mercado ", especialmente se for estabelecida uma tributação justa sobre as Receitas Brutas do Jogo (GGR).

 

A regulamentação do setor de jogos é de extrema importância para a economia brasileira, pois pode gerar receitas adicionais relacionadas à exploração dessas atividades, que podem gerar pelo menos 12 bilhões de reais este ano, apenas em jogos eletrônicos legais. Esse número pode chegar a 27 bilhões se outras modalidades de apostas não legalizadas, como o bingo e o jogo do bicho, forem regulamentadas.

 

No entanto, embora as grandes oportunidades residam na cobrança de impostos e no aproveitamento dos lucros que o jogo online geraria, também existem oportunidades no campo da propriedade intelectual e proteção de dados, se forem consideradas as oportunidades regulatórias e os benefícios do mercado de apostas.

 

Isso é confirmado por especialistas do Demarest Advogados, que destacam que o licenciamento de marcas, o desenvolvimento de plataformas e o uso de inteligência artificial em novos jogos são um campo fértil para esse mercado, para o qual boas práticas de propriedade intelectual também devem ser desenhadas a fim de proteger os direitos autorais ou processar os dados pessoais dos jogadores de forma adequada. As empresas têm a obrigação de tratar os dados dos jogadores de forma transparente, bem como proporcionar a estes utilizadores uma experiência adaptada aos seus gostos e preferências através do tratamento direcionado dos seus dados.

 

O que se quer dizer quando se fala em PI no mercado de jogos?

 

“Empresas e desenvolvedores de jogos devem prestar atenção a possíveis problemas, como disputas de propriedade intelectual relacionadas à propriedade de patentes, direitos autorais ou designs que possam surgir entre inventores, designers e autores de videogames; disputas de licença que possam surgir entre o desenvolvedor, o jogador e os detentores dos direitos, hospedagem de terceiros; concorrência desleal, no que diz respeito à violação de segredos comerciais e know-how; de pirataria, em relação à cópia, distribuição ou transmissão ilegal de videogames e problemas com táticas de marketing”, diz Tatiana Campello, sócia do escritório.


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Tendo em vista que a natureza complexa dos jogos eletrônicos pode, por vezes, apresentá-los como obras de arte, é preciso avaliar corretamente quem é o verdadeiro titular dos direitos de propriedade intelectual para sua exploração comercial, portanto, entre as medidas que as empresas e titulares de direitos devem aplicar para manter sua integridade econômica e criativa, antes de mais nada, registrar todas as PI relevantes, o que lhes dará uma posição legal forte em caso de infração e a capacidade de proibir o uso não autorizado por terceiros.

 

Além disso, as empresas devem fornecer todos os contratos de licença e cessão necessários de acordo com a legislação brasileira: 

"Bem como realizar uma avaliação da autorização de direitos para explorar qualquer conteúdo usado, para verificar se há direitos de terceiros preexistentes ou licenças”, esclarece Camila Garcindo Dayrell, associada sênior.

Investir em medidas antipirataria e conquistar a confiança e o apoio da comunidade gaming, por meio do tratamento ético dos seus dados pessoais ou da implementação de funcionalidades que permitam aos utilizadores denunciar erros e infrações aos direitos de propriedade intelectual é uma forma eficaz de garantir o desenvolvimento continuado do jogo e evitar qualquer tipo de violação de direitos.

 

A lei continua sendo o melhor aliado na proteção dos direitos de propriedade intelectual

 

Não se deve esquecer que o mercado de jogos está intrinsecamente relacionado ao campo da propriedade intelectual, através do desenvolvimento de software, direitos de imagem, licenças, direitos autorais, marcas e publicidade, portanto, também não se deve perder de vista as leis que os protegem. No caso do Brasil, trata-se da Lei do Software (Lei nº 9.609/1998), que permite ao detentor dos direitos registrar o jogo como um programa de computador.

 

Outras formas de proteção são o registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que impedirá o registro de marca semelhante ou idêntica por terceiros antes da divulgação das informações sobre o jogo, e o registro de patentes ou desenhos industriais para qualquer hardware ou software relacionado.

 

“Finalmente”, enfatizam os advogados, “os proprietários de jogos também devem levar em consideração a tecnologia não gravável, como conhecimento técnico e outras informações confidenciais. Para protegê-los, pode ser necessário que a empresa assine um contrato individual ou acordo de confidencialidade com seus colaboradores, programadores e demais terceiros envolvidos".

 

Atualmente, o Brasil está discutindo projetos de regulamentação que poderiam melhorar a proteção de PI de jogos e apostas eletrônicas; exemplo disso é o Projeto de Lei 205/23 que define e-sports como esporte, Lei 13.756, para permitir sites de apostas esportivas (excluindo jogos de azar, como bingo e cassinos) e o Projeto de Lei 442/1991, que legaliza o funcionamento de jogos de azar no Brasil e está em tramitação no Senado.

 

Em relação ao licenciamento no mundo dos jogos virtuais e às oportunidades que a regulamentação brasileira oferece por meio da concessão de licenças de marcas, deve-se levar em consideração que, no Brasil, essa é uma via de mão dupla: “ou a empresa do jogo usa conteúdo licenciado em seus jogos, ou pode licenciar e sublicenciar seus ativos de PI para outras empresas de jogos ou outros setores da indústria”, diz Campello.


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Por exemplo, eles podem licenciar suas marcas, personagens, skins, itens de jogos, e-sports; adaptações para cinema, livro e televisão, para a criação de produtos como brinquedos e artigos para fãs, e até suas composições originais.

“Sempre há novas formas de monetizar conteúdo, como tempo gasto em jogo, skins, passes de batalha, conteúdo para download (DLC) e microtransações, que podem ser extremamente poderosas desde que a empresa possa efetivamente gerenciar, validar e calcular os direitos e royalties”, acrescenta Garcindo Dayrell.

O que mais a lei diz?

 

No Brasil, a proteção de um ativo PI segue a regra do primeiro a registrar e não do primeiro a usar, podendo a proteção ocorrer antes da Marca e Patente Brasileiras. Escritório (INPI). “A regra da Lei de Propriedade Industrial brasileira (Lei nº 9.276/96) é que o solicitante ou depositante — pessoa física ou jurídica — tem legitimidade, salvo exceção, para obter a titularidade de seu patrimônio de PI”, especifica o sócio do Demarest Advogados, então, o legítimo proprietário do ativo é quem tem o direito de usar, vender e distribuir um ativo PI.

 

“A exceção a esse sistema são os direitos autorais, que só precisam provar quando a obra foi criada em caso de conflito com terceiros. Assim, formalmente, não há obrigatoriedade de registro de direitos autorais. O mesmo se aplica ao software”, diz o associada sênior.

 

No entanto, enfatizam ambos, existem situações delicadas quando se trata de uma relação de trabalho ou de prestação de serviços, especialmente em casos de patentes, diante das quais, se não houver cláusula contratual explícita, pode ocorrer que a patente seja de titularidade exclusiva do empregador, pode ser propriedade exclusiva do trabalhador (quando o produto obtido não está relacionado com o contrato e os recursos do contratante não foram utilizados) ou pode ser atribuída a ambas as partes (quando o produto deriva da contribuição do trabalhador graças ao uso de recursos contratados).

“Finalmente, surgem preocupações adicionais de propriedade intelectual quando os jogos incluem conteúdo gerado pelo usuário. A propriedade do conteúdo gerado pelo usuário deve ser estipulada nos termos e condições do usuário”, diz Campello.

O que nunca se deve perder de vista em todo este processo é que os operadores de jogos eletrônicos devem seguir e demonstrar ao público em geral o cumprimento da legislação, bem como o tratamento otimizado e inteligente dos seus dados pessoais, de forma a colher todos os benefícios vantagens que o mercado de jogos e apostas possui, sem esquecer também todas as oportunidades de rentabilização e crescimento relacionadas com a gestão adequada dos ativos intangíveis associados a cada jogo lançado ao público.

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