Relator da reforma tributária apresenta parecer, mas Lira extingue comissão

Presidente da Câmara manobra e primeiro esboço da reforma tributária fica sem efeito/Pedro França/Agência Senado
Presidente da Câmara manobra e primeiro esboço da reforma tributária fica sem efeito/Pedro França/Agência Senado
Presidente da Câmara faz manobra e primeiro esboço da reforma tributária fica sem efeito/Pedro França/Agência Senado
Fecha de publicación: 04/05/2021
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Uma manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tirou os efeitos do primeiro parecer sobre a reforma tributária apresentada pelo Congresso Nacional. Considerando que a comissão especial que discutia o tema já havia extrapolado os prazos permitidos, o presidente tirou a validade de um parecer do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator designado pela comissão.

O motivo da mudança, no entanto, seria uma retaliação de Lira ao desafeto paraibano – que, apesar de estar no mesmo partido, acabou por apoiar outro candidato na eleição à presidência da Câmara. Com isso, Lira deve indicar nova comissão e novo relator, alinhado à bancada que o elegeu presidente. Os entendimentos apresentados por Aguinaldo em seu texto devem ser mantidos, uma vez que senadores e deputados dão o aval ao relatório. A sua discussão em Plenário, porém, deve demorar ainda mais.


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O que diz o voto de Aguinaldo 

Em seu texto de 110 páginas, Aguinaldo defende a adoção do chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) único, sob competência da União e substituindo cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI).

O objetivo de adotar o IBS hoje, argumenta o relator, é evitar erros do atual sistema arrecadatório.  "Qualquer modelo que institua mais de uma exação [ato de exigir] sobre as operações com bens ou serviços, por mais que seja trabalhado e lapidado por seus formuladores, manterá resquícios das imperfeições existentes hoje", escreveu o relator. 

Na sua visão, caso  se mantenha a autonomia entre os entes para dispor livremente sobre sua parcela, "elevada é a probabilidade de as legislações se distanciarem e se tornarem cada vez mais complexas e disfuncionais com o decorrer do tempo."

O IBS será previsto como imposto de base ampla, composto pelo somatório das alíquotas da União, dos estados e Distrito Federal e dos municípios. Segundo o relator, proposta de Lei Complementar, a ser apresentada futuramente, deverá dispor sobre o conceito de operações com serviços, seu conteúdo e alcance. Desta forma, destacou o relator, o objetivo é produzir uma legislação "única e nacional" sobre o tema.

Em suas ponderações sobre cumulatividade, Aguinaldo defendeu um imposto não cumulativo "que seja simples e garanta o efetivo ressarcimento dos créditos aos contribuintes". O texto irá prever, segundo o relatório, o creditamento sobre todas as operações anteriores, excetuando-se apenas as operações caracterizadas como de uso ou consumo pessoal por lei complementar. O ressarcimento virá de uma conta central.

Às vésperas do STF (Supremo Tribunal Federal) concluir o julgamento sobre  a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, Aguinaldo indicou que a nova legislação já cortará a possibilidade de que impostos sejam incluídos nas bases de cálculos de outros tributos. "Antecipamos que o imposto seletivo [...] tampouco será calculado 'por dentro'”. buscou ressaltar. "Todavia, cuidamos de inserir dispositivo que faculta ao legislador sua inclusão na base de cálculo do IBS, de forma a se garantir a neutralidade da tributação da cadeia produtiva." 

Enquanto lia seu texto, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, chegou com as más notícias: "Presidente Arthur Lira acaba de me confirmar que, considerando que a Comissão da Reforma Tributária extrapolou o prazo de sessões, por força do Regimento Interno da Casa, a comissão está extinta", escreveu em seu Twitter. A manobra agora fortalece o movimento para que o relator da reforma seja trocado e atrasa a discussão do tema no Congresso. 

A reação foi imediata. "Este trabalho não pode ser jogado fora e tem de ser aproveitado", rebateu Hildo Rocha (MDB-MA), que estava na sessão. "As duas instituições [Senado e Câmara] fizeram acordo e acordo tem que ser cumprido". O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também disse sobre a comissão que " é razoável e inteligente darmos oportunidade de concluírem o trabalho."

Preocupação extrema 

Ainda antes da decisão de Lira, o sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, Tiago Conde Teixeira, indicou que a demora na apresentação do texto traz como efeito uma preocupação extrema para o mercado, "seja porque a reforma tributária é essencial para manter empregos e a economia rodando, seja porque há outros atores que precisam participar dessas mudanças e precisam realmente ter voz". 

Tiago, que também integra a diretoria da Abradt (Associação Brasileira de Direito Tributário), considera que a proposta não pode ser interessante apenas ao governo, mas sim a todos os atores de arrecadação. "Houve um grande problema de comunicação por parte do parlamento e do governo, porque nós precisamos saber o que vem com a reforma tributária. Isso precisa ser claro", argumentou o tributarista. "Eu não consigo falar em uma reforma onde eu não tenho as premissas fixadas. Então eu posso ter numa pseudo-reforma, um aumento de carga tributária."


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"O texto ideal da reforma deve ser um texto que realmente repense o sistema tributário brasileiro. Nesse sentido, nenhuma das Propostas de Emenda à Constituição dão conta disso, nem separadamente e nem em conjunto", advertiu o tributarista da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, Renato Aparecido Gomes. Para Renato, tais alterações são pontuais e comedidas em relação às necessidades do país. "Não é o IVA que a gente pensa como ideal e que acontece, por exemplo, em alguns países europeus e mesmo nos Estados Unidos", disparou.

Agora, há a possibilidade de que a discussão ocorra de maneira fatiada, com a votação de temas separadamente. Para o sócio da Bento Muniz AdvocaciaEduardo Muniz Cavalcanti, pode ser uma boa ideia. "Certamente ao fatiar o debate tem-se a chance de encontrar consensos para avançar progressivamente, passo a passo" disse. "Do ponto de vista político parece-nos a melhor estratégia."

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